Lições da Indonésia
"Votei nele porque prometeu pouco. Os outros prometiam educação gratuita e muitas outras coisas. Ele só prometeu melhorar um pouco as coisas na Indonésia". Ele é Susilo Bambang Yudhoyono, popularmente conhecido por S. B. Y., o mais votado dos cinco candidatos que se apresentaram à primeira volta das eleições presidenciais indonésias e foi deste modo que uma empregada de restaurante, com simplicidade e simpatia, mas, também, com uma maturidade típica dos balineses, me explicou o sentido do seu voto nas eleições de há vinte dias.
Prometer pouco, mesmo numa democracia a dar os primeiros e frágeis passos como a indonésia, parece ser, cada vez mais, um factor de mobilização eleitoral. Na Indonésia, como em Portugal, a disponibilidade para aceitar os políticos que vendem promessas assinadas em papel molhado diminui todos os dias. Aliás, o fraquíssimo apoio popular que o governo PSD/CDS tem tido ao longo dos dois anos e meio de convulsões e instabilidade, é explicável, em larga medida, pela mão-cheia de promessas eleitorais que, uma vez no poder, rapidamente engavetou.
Desse ponto de vista, o dr. Santana não augura nada de bom, pois enquanto Presidente da Câmara de Lisboa construiu um sólido curriculum de promessas por cumprir, que muito provavelmente o colocam na liderança do ranking dos políticos “prometem tudo” – do casino ao túnel, passando pelas piscinas e escolas que foram anunciadas em patéticos outdoors na campanha eleitoral, a verdade é que, em quase três anos de mandato, os lisboetas nada viram.
O que a votação obtida por S.B.Y. na primeira volta das eleições presidenciais indonésias nos parece ensinar é que a capacidade de transmitir confiança ao conjunto dos eleitores, mais do que ser bem falante, bem parecido ou telegénico, é hoje um factor muito relevante para a mobilização eleitoral. Isto ajuda-nos a pensar que, entre nós, não se deve afastar a hipótese de que os dois anos que ainda nos esperam, desgovernados pelos drs. Santana e Portas, possam servir como vacina para o populismo, permitindo recentrar na normalidade o regime político português.
Naturalmente que o resultado alcançado por S.B.Y., que ainda assim o obriga a disputar uma segunda volta com a Presidente em exercício, Megawati Sukarno, é explicável por outros factores. Designadamente, o facto de se tratar de um militar moderado, capaz de estabelecer pontes entre esta instituição ainda muito poderosa e o conjunto da sociedade indonésia, que se vê agora a sair do bloqueio a que esteve votada durante os trinta anos da ditadura de Suharto. O afastamento da segunda volta do General Wiranto, directamente responsável por muitas das atrocidades cometidas em Timor-Leste e candidato do Gulkar, o partido do antigo regime, representa, aliás, um passo importante para a consolidação da democracia.
Desta perspectiva, é sintomática a participação eleitoral massiva, naquelas que foram as primeiras eleições directas para a presidência da república. Cerca de 80% dos eleitores, 125 milhões de cidadãos, num país onde a maioria da população é ainda pouco escolarizada e vive em zonas rurais, foram votar, num acto que decorreu dentro de toda a normalidade e com resultados que todos os candidatos aceitaram. No maior país muçulmano e quarto mais populoso do mundo, este acto eleitoral tem, por isso, um significado que vai muito para além das fronteiras indonésias.
Antes de mais, porque os cinco principais candidatos, não só os três mais votados eram defensores convictos da laicização do regime, como os restantes, mesmo sendo representantes de partidos islâmicos, em momento algum propuseram que a Indonésia se transformasse num Estado Islâmico. Para aqueles que pensam que islamismo e democracia são incompatíveis, o exemplo indonésio aí está para provar o contrário. Uma coisa, aliás, sabemos de outras partes do mundo: são os regimes autocráticos e musculados, em muitos casos apoiados pelas democracias ocidentais, os principais embriões do radicalismo islãmico. Da Argélia à Arábia Saudita, passando pelo Paquistão, os exemplos estão aí para o demonstrar.
Meia dúzia de anos depois da queda do regime de Suharto, a Indonésia tem ainda muitas provas de fogo a ultrapassar. A sociedade indonésia é, hoje, uma sociedade em movimento, onde não se sentem muitos dos bloqueios que enfrenta o mundo ocidental. Mas é também uma sociedade onde o Estado tem um baixo nível de penetração e onde a corrupção se sente quotidianamente, nas mais pequenas coisas e, acima de tudo, um país onde a pobreza extrema continua a abundar. No entanto, os passos dados nos últimos anos apontam no bom caminho.
Se a democracia indonésia se consolidar, se a corrupção for combatida e se as desigualdades diminuirem, os indonésios estarão a construir o seu futuro e simultaneamente a dar um sinal muito importante para o conjunto dos países islâmicos. E, no mundo de hoje, não haverá provavelmente nenhum facto político tão relevante como esse. Em Setembro, na segunda volta das presidenciais, independentemente de quem ganhe, os indonésios, por já terem votado massivamente em candidatos que defendem a democracia, já terão dado mais um importante passo para a consolidação de um “novo país”e uma lição ao mundo.
publicado na Capital
Prometer pouco, mesmo numa democracia a dar os primeiros e frágeis passos como a indonésia, parece ser, cada vez mais, um factor de mobilização eleitoral. Na Indonésia, como em Portugal, a disponibilidade para aceitar os políticos que vendem promessas assinadas em papel molhado diminui todos os dias. Aliás, o fraquíssimo apoio popular que o governo PSD/CDS tem tido ao longo dos dois anos e meio de convulsões e instabilidade, é explicável, em larga medida, pela mão-cheia de promessas eleitorais que, uma vez no poder, rapidamente engavetou.
Desse ponto de vista, o dr. Santana não augura nada de bom, pois enquanto Presidente da Câmara de Lisboa construiu um sólido curriculum de promessas por cumprir, que muito provavelmente o colocam na liderança do ranking dos políticos “prometem tudo” – do casino ao túnel, passando pelas piscinas e escolas que foram anunciadas em patéticos outdoors na campanha eleitoral, a verdade é que, em quase três anos de mandato, os lisboetas nada viram.
O que a votação obtida por S.B.Y. na primeira volta das eleições presidenciais indonésias nos parece ensinar é que a capacidade de transmitir confiança ao conjunto dos eleitores, mais do que ser bem falante, bem parecido ou telegénico, é hoje um factor muito relevante para a mobilização eleitoral. Isto ajuda-nos a pensar que, entre nós, não se deve afastar a hipótese de que os dois anos que ainda nos esperam, desgovernados pelos drs. Santana e Portas, possam servir como vacina para o populismo, permitindo recentrar na normalidade o regime político português.
Naturalmente que o resultado alcançado por S.B.Y., que ainda assim o obriga a disputar uma segunda volta com a Presidente em exercício, Megawati Sukarno, é explicável por outros factores. Designadamente, o facto de se tratar de um militar moderado, capaz de estabelecer pontes entre esta instituição ainda muito poderosa e o conjunto da sociedade indonésia, que se vê agora a sair do bloqueio a que esteve votada durante os trinta anos da ditadura de Suharto. O afastamento da segunda volta do General Wiranto, directamente responsável por muitas das atrocidades cometidas em Timor-Leste e candidato do Gulkar, o partido do antigo regime, representa, aliás, um passo importante para a consolidação da democracia.
Desta perspectiva, é sintomática a participação eleitoral massiva, naquelas que foram as primeiras eleições directas para a presidência da república. Cerca de 80% dos eleitores, 125 milhões de cidadãos, num país onde a maioria da população é ainda pouco escolarizada e vive em zonas rurais, foram votar, num acto que decorreu dentro de toda a normalidade e com resultados que todos os candidatos aceitaram. No maior país muçulmano e quarto mais populoso do mundo, este acto eleitoral tem, por isso, um significado que vai muito para além das fronteiras indonésias.
Antes de mais, porque os cinco principais candidatos, não só os três mais votados eram defensores convictos da laicização do regime, como os restantes, mesmo sendo representantes de partidos islâmicos, em momento algum propuseram que a Indonésia se transformasse num Estado Islâmico. Para aqueles que pensam que islamismo e democracia são incompatíveis, o exemplo indonésio aí está para provar o contrário. Uma coisa, aliás, sabemos de outras partes do mundo: são os regimes autocráticos e musculados, em muitos casos apoiados pelas democracias ocidentais, os principais embriões do radicalismo islãmico. Da Argélia à Arábia Saudita, passando pelo Paquistão, os exemplos estão aí para o demonstrar.
Meia dúzia de anos depois da queda do regime de Suharto, a Indonésia tem ainda muitas provas de fogo a ultrapassar. A sociedade indonésia é, hoje, uma sociedade em movimento, onde não se sentem muitos dos bloqueios que enfrenta o mundo ocidental. Mas é também uma sociedade onde o Estado tem um baixo nível de penetração e onde a corrupção se sente quotidianamente, nas mais pequenas coisas e, acima de tudo, um país onde a pobreza extrema continua a abundar. No entanto, os passos dados nos últimos anos apontam no bom caminho.
Se a democracia indonésia se consolidar, se a corrupção for combatida e se as desigualdades diminuirem, os indonésios estarão a construir o seu futuro e simultaneamente a dar um sinal muito importante para o conjunto dos países islâmicos. E, no mundo de hoje, não haverá provavelmente nenhum facto político tão relevante como esse. Em Setembro, na segunda volta das presidenciais, independentemente de quem ganhe, os indonésios, por já terem votado massivamente em candidatos que defendem a democracia, já terão dado mais um importante passo para a consolidação de um “novo país”e uma lição ao mundo.
publicado na Capital
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