quarta-feira, agosto 25, 2004

O Primeiro-Ministro e as Secretárias

O monstro populista tem várias faces, de tal modo que não só olha para muitos lados ao mesmo tempo, como até por vezes corre o risco de o fazer para lugares contraditórios. Senão vejamos, esta semana, a comunicação social, naquele seu jeito tablóide que tende a tornar-se hegemónico, noticiou abundantemente as diversas nomeações para os gabinetes ministeriais, culminando tudo nas 13 secretárias nomeadas pelo Primeiro-Ministro para o seu gabinete. A notícia tem um encanto inicial, que à primeira vista faz crer que estamos perante mais um exemplo de políticos que se “enchem” e que “enchem” os seus amigos. A verdade é que pode ser assim e pode não ser assim.
Cada vez que muda um Ministro ou, como foi o caso, muda um Governo, há que proceder a um sem número de nomeações nos gabinetes, muitas delas reconduzindo contínuos, funcionários administrativos e, naturalmente, também pessoal político. É por isso que as cíclicas contagens de nomeações – de "boys" – que o impoluto PCP de tempos a tempos costuma trazer à praça pública, assentando no conjunto dessas nomeações, não separam o trigo do joio - as nomeações administrativas que há que levar a cabo e o favorecimento de clientelas pessoais/partidárias. As notícias que surgiram a semana passada assentam no mesmo equívoco, misturam tudo e ao misturar tudo não deitam luz sobre nada. Enquanto o fazem, aprofundam o anátema sobre a classe política e sobre o exercício de cargos governamentais.
Neste caso, o problema não está em o Dr. Santana Lopes nomear ou reconduzir as secretárias existentes no seu gabinete. O problema está em o Dr. Santanta Lopes, naquilo que tem sido um traço característico da sua actividade política, promover o amiguismo, colocando um grupo de fiéis nos mais diversos cargos de nomeação política. Ou, naquilo que é mais um sinal de degradação da vida política, em sentir necessidade de nomear para o seu gabinete a relações públicas da revista Lux (a mesma que revista que, curiosamente, uma semana antes havia capeado a sua edição com uma cândida fotografia do dr. Santana em férias com a sua filha). Entramos no admirável mundo da política cor-de-rosa. Acontece que nada disto é apreendível pelo número de nomeados.
Não deixa, contudo, de ser curioso que este tema tenha entrado na campanha interna para Secretário-Geral do PS, por força do modo como José Sócrates reagiu à questão, criticando o dr. Santana por ter procedido à nomeação de cerca de 40 pessoas para o seu gabinete.
Antes de mais, importa sublinhar um facto. José Sócrates, certamente porque se prepara para ser o próximo líder do PS, tem sido alvo de uma campanha de ataques pessoais, completamente desproporcionados e que ultrapassam frequentemente os limites do debate público. Ataques levados a cabo por alguns socialistas, certamente acreditados pelo Instituto da Esquerda Genuína para proceder à certificação do que é e não é esquerda e que, frequentemente, confundem autenticidade com proclamações retóricas, enformadas por um anacronismo que contradiz a valorização do “movimento” que, desde sempre, caracterizou a matriz social-democrata de que o PS é herdeiro. Mas, também, exercícios críticos fundados no insulto e a roçar em muitos casos a boçalidade.
Mas, dito isto, importa sublinhar que mal vai a oposição se seguir o caminho fácil e popular que lhe é apontado pela comunicação social. As críticas ao número dos nomeados têm essas características e, além do mais, incorrem num outro risco. Lentamente fazer passar a ideia de que o que de essencial distingue o PS do PSD não são as políticas, mas, sim, as nomeações. Acontece que, para além do mais e como sabemos do passado recente, o tema dos boys não é, aos olhos dos portugueses, benéfico para nenhuma das partes. Claro que o que tem de distinguir o PS do PSD é também o modo de fazer política, mas o essencial da diferença deve e tem de estar nas políticas.
O radicalismo na táctica, seguindo o caminho mais fácil e popular, esconde, muitas das vezes, o conservadorismo na estratégia e ao criticar do modo como o fez as nomeações do recém empossado – mas velho governo – José Sócrates pode estar a cair nesse erro e a dar razão aos que o acusam de promover uma estratégia de indiferenciação entre os dois maiores partidos portugueses. Embarcar no mote dado pela comunicação social de que as nomeações para gabinetes governamentais são, em si, más, é um discurso fácil, que adere ao sentimento das pessoas, mas também é o início de um caminho que levará a que, mais tarde, quando se for poder, se seja criticado injustificadamente pelas mesmíssimas razões. No fim, quem perde é, uma vez mais, o sistema político e a classe política, que se vê sistematicamente atacada – quando há motivos para isso e, em muitíssimos casos, quando não os há. Este é o pano de fundo em que os populistas trilham o seu caminho. E na demagogia e no populismo dá o Dr. Santana Lopes cartas, pelo que é melhor que o debate não seja trazido para o seu campo de jogo. Contrastante nos modos e nos temas, deve ser esta a característica do trabalho das oposições nos próximos dois anos.
publicado na Capital