Poder, aquilo que os une
Durante o congresso deste fim de semana, voltou a ideia de que o PSD é o mais português dos partidos portugueses. Uma ideia que se baseia, essencialmente, no código genético do PSD e no papel que, nesse processo, desempenhou a ideologia. Resta saber se a portugalidade é, hoje, útil para a renovação do appeal eleitoral perdido.
Desde a sua formação, o PSD foi sempre um partido abrangente, caracterizado pelo eclectismo, abarcando desde alguma da oposição ao antigo regime (a ala liberal, mas não só) até sectores sociais claramente de direita (por ex., a burguesia rural proprietária, que constituía parte da base de apoio do Estado Novo). Em termos organizativos foi herdeiro de muitas das estruturas da União Nacional (em especial na região centro e norte). Ao mesmo tempo, formou-se sem uma ancoragem em movimentos sociais institucionalizados. Aliás, foi o facto de não reproduzir linearmente clivagens cristalizadas na sociedade que permitiu ao PSD, historicamente, abarcar diversos sectores, muitos deles de natureza contraditória. Daí os vários “portugais” que coexistem no partido. Deste modo, o que poderia ser uma debilidade transformou-se numa mais valia.
Acontece que, neste aspecto, o PSD pouco difere do PS – não sendo por isso mais português do que os socialistas. Na realidade, o PS também é um catch-all party, que não nasceu da “sociedade” e onde coexistem grupos sociais contraditórios. Como lembrava Pedro Magalhães, em entrevista recente à A Capital, ambos os partidos nasceram da vontade das elites. Deste ponto de vista, a grande diferença é que, porventura, a base socialista tem uma maior ligação ao Estado e às profissões liberais e intelectuais, enquanto a do PSD uma maior proximidade com o tecido de pequenas e médias empresas e proprietários, bem como com muito do mundo rural. Estes factores foram, naturalmente, empurrando o PSD para a direita do espectro político.
Mas, a razão que leva a que o PSD seja visto como um partido eminentemente português prende-se com a inexistência de uma ideologia que funcione como elemento agregador. É verdade que também o PS é um partido abrangente e com especificidades portuguesas, contudo, os socialistas têm uma matriz ideológica identificável. Pese embora algumas idiossincrasias – à cabeça, o facto de não ter nascido do movimento sindical – o PS é semelhante aos seus congéneres da Internacional Socialista.
Ora, o mesmo não se passa com o PSD. Essencialmente por duas razões: a definição do seu código genético ocorreu num momento em que a direita esteve à defesa (a transição para a democracia) e a única possibilidade de se tornar competitivo no campo eleitoral foi a ausência de um compromisso ideológico forte. Neste sentido, o PSD é um partido eminentemente português (na medida em que não há, na Europa, muitos casos de partidos com fraco papel da ideologia).
A tudo isto há a acrescentar que o PSD se tem transformado. Não apenas se foi encostando à direita, como também tem delapidado muita da sua tradicional base de apoio (recuando nos centros urbanos, entre os jovens, trabalhadores independentes e quadros). Os seus insucessos eleitorais desde 1995 são, em larga medida, resultado disso mesmo. A propósito, convém não esquecer que, por exemplo, Durão Barroso venceu as legislativas perdendo em Lisboa. O que não deixa de ser sintomático do recuo do PSD nos segmentos mais dinâmicos da sociedade portuguesa.
Chegados a 2005, o PSD continua a sublinhar a sua portugalidade. No último congresso foi mesmo utilizada a divisa: “Portugal, aquilo que nos une”. Acontece que o que foi durante um largo período a principal mais valia do PSD é hoje parte da sua fragilidade. No PSD continuam a coexistir muitos partidos e persiste a mesma indefinição ideológica. Só que, no passado, nenhum desses factores era, em si, um problema. Pelo contrário, eram essas características que possibilitavam alguma plasticidade. Com poder, e com um líder que estava acima dos “vários partidos”, foi sendo possível manter a unidade e ser competitivo eleitoralmente. Agora, sem poder, o que fica é a ideia de desagregação e da existência de vários grupos que não coexistem. Pelo contrário, vão alternando no poder interno.
No passado, o que uniu o PSD não foi Portugal, mas, sim, o poder. Hoje, afastado do governo, com divergências internas que parecem inultrapassáveis e com o PS a progredir no seu eleitorado (essencialmente entre os jovens e nos centros urbanos), já pouco une o PSD. Bem podem, por isso, os sociais-democratas proclamar a sua especial portugalidade, mas se não demonstrarem vontade de enfrentar as razões concretas que os afastaram do poder, invocar Portugal de nada serve. E o drama é que, sobre aquelas, nada foi dito no congresso de Pombal.
P.S.
Santana Lopes parece estar profundamente empenhado em dar razão a todos aqueles que o têm criticado. As suas intervenções no congresso deste fim-de-semana foram um espectáculo degradante e certamente único em partidos centrais das democracias ocidentais. Que o próprio disso não se aperceba é grave, que um número muito significativo de congressistas ache tudo normal e o aplauda é muito preocupante.
publicado em A Capital.
Desde a sua formação, o PSD foi sempre um partido abrangente, caracterizado pelo eclectismo, abarcando desde alguma da oposição ao antigo regime (a ala liberal, mas não só) até sectores sociais claramente de direita (por ex., a burguesia rural proprietária, que constituía parte da base de apoio do Estado Novo). Em termos organizativos foi herdeiro de muitas das estruturas da União Nacional (em especial na região centro e norte). Ao mesmo tempo, formou-se sem uma ancoragem em movimentos sociais institucionalizados. Aliás, foi o facto de não reproduzir linearmente clivagens cristalizadas na sociedade que permitiu ao PSD, historicamente, abarcar diversos sectores, muitos deles de natureza contraditória. Daí os vários “portugais” que coexistem no partido. Deste modo, o que poderia ser uma debilidade transformou-se numa mais valia.
Acontece que, neste aspecto, o PSD pouco difere do PS – não sendo por isso mais português do que os socialistas. Na realidade, o PS também é um catch-all party, que não nasceu da “sociedade” e onde coexistem grupos sociais contraditórios. Como lembrava Pedro Magalhães, em entrevista recente à A Capital, ambos os partidos nasceram da vontade das elites. Deste ponto de vista, a grande diferença é que, porventura, a base socialista tem uma maior ligação ao Estado e às profissões liberais e intelectuais, enquanto a do PSD uma maior proximidade com o tecido de pequenas e médias empresas e proprietários, bem como com muito do mundo rural. Estes factores foram, naturalmente, empurrando o PSD para a direita do espectro político.
Mas, a razão que leva a que o PSD seja visto como um partido eminentemente português prende-se com a inexistência de uma ideologia que funcione como elemento agregador. É verdade que também o PS é um partido abrangente e com especificidades portuguesas, contudo, os socialistas têm uma matriz ideológica identificável. Pese embora algumas idiossincrasias – à cabeça, o facto de não ter nascido do movimento sindical – o PS é semelhante aos seus congéneres da Internacional Socialista.
Ora, o mesmo não se passa com o PSD. Essencialmente por duas razões: a definição do seu código genético ocorreu num momento em que a direita esteve à defesa (a transição para a democracia) e a única possibilidade de se tornar competitivo no campo eleitoral foi a ausência de um compromisso ideológico forte. Neste sentido, o PSD é um partido eminentemente português (na medida em que não há, na Europa, muitos casos de partidos com fraco papel da ideologia).
A tudo isto há a acrescentar que o PSD se tem transformado. Não apenas se foi encostando à direita, como também tem delapidado muita da sua tradicional base de apoio (recuando nos centros urbanos, entre os jovens, trabalhadores independentes e quadros). Os seus insucessos eleitorais desde 1995 são, em larga medida, resultado disso mesmo. A propósito, convém não esquecer que, por exemplo, Durão Barroso venceu as legislativas perdendo em Lisboa. O que não deixa de ser sintomático do recuo do PSD nos segmentos mais dinâmicos da sociedade portuguesa.
Chegados a 2005, o PSD continua a sublinhar a sua portugalidade. No último congresso foi mesmo utilizada a divisa: “Portugal, aquilo que nos une”. Acontece que o que foi durante um largo período a principal mais valia do PSD é hoje parte da sua fragilidade. No PSD continuam a coexistir muitos partidos e persiste a mesma indefinição ideológica. Só que, no passado, nenhum desses factores era, em si, um problema. Pelo contrário, eram essas características que possibilitavam alguma plasticidade. Com poder, e com um líder que estava acima dos “vários partidos”, foi sendo possível manter a unidade e ser competitivo eleitoralmente. Agora, sem poder, o que fica é a ideia de desagregação e da existência de vários grupos que não coexistem. Pelo contrário, vão alternando no poder interno.
No passado, o que uniu o PSD não foi Portugal, mas, sim, o poder. Hoje, afastado do governo, com divergências internas que parecem inultrapassáveis e com o PS a progredir no seu eleitorado (essencialmente entre os jovens e nos centros urbanos), já pouco une o PSD. Bem podem, por isso, os sociais-democratas proclamar a sua especial portugalidade, mas se não demonstrarem vontade de enfrentar as razões concretas que os afastaram do poder, invocar Portugal de nada serve. E o drama é que, sobre aquelas, nada foi dito no congresso de Pombal.
P.S.
Santana Lopes parece estar profundamente empenhado em dar razão a todos aqueles que o têm criticado. As suas intervenções no congresso deste fim-de-semana foram um espectáculo degradante e certamente único em partidos centrais das democracias ocidentais. Que o próprio disso não se aperceba é grave, que um número muito significativo de congressistas ache tudo normal e o aplauda é muito preocupante.
publicado em A Capital.
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