A espada de Borges
Marques Mendes deverá ser eleito daqui a uma semana líder do PSD. Entre outras coisas, esta escolha revela um regresso do PSD à razoabilidade. Ainda assim, expõe também uma característica que é comum aos dois principais partidos de poder em Portugal: uma enorme plasticidade. O mesmo PSD que apoiou Durão Barroso passou por uma unanimidade em torno de Santana Lopes e cairá agora nos braços de Marques Mendes. O facto destes três nomes representarem opções significativamente diferentes, não impede as bases partidárias de os apoiarem indiscriminadamente, contribuindo para demonstrar que, entre nós, os partidos centrais movem-se, cada vez mais, por tácticas para alcançar o poder e, cada vez menos, por questões programáticas ou ideológicas.
No entanto, mesmo com o apoio de vários dos "ismos" e "sub-ismos" que compõem o PSD, nuns casos mais convictos, noutros menos, Marques Mendes terá, por diversas razões, um caminho muito difícil nos próximos tempos.
Antes de mais, o contexto político. O PS tem uma sólida maioria absoluta; o PSD tem um grupo parlamentar que reflecte, em importante medida, o estertor do santanismo e que é técnica e politicamente fraco. Se a isto somarmos a ausência de um estatuto formalizado de líder da oposição - o que cria, por exemplo nos debates parlamentares, uma relação assimétrica com o primeiro-ministro - torna-se uma inevitabilidade que a vida corra mal a Marques Mendes.
Por tudo isto, daqui a uns meses, a propósito do anunciado novo presidente do PSD, se utilizará um conjunto de lugares comuns: que é um líder fraco e não faz oposição; que o PP e o Bloco de Esquerda é que lideram o combate ao governo; e, ainda, que o PSD não apresenta alternativas. Em Portugal é esta a avaliação que é invariavelmente feita a quem está na oposição (o que lembra, aliás, que o problema deve estar mais na estrutura do que nos agentes).
Ainda assim, haverá atenuantes. As eleições autárquicas serão particularmente difíceis para a actual maioria. Não apenas porque, em Outubro, o voto de protesto contra o governo dará os primeiros sinais, como também porque muitos dos actuais presidentes de câmara do PSD estão no fim do seu primeiro mandato e raramente se perdem eleições autárquicas nessa altura. A isto acresce que o triunfalismo do PS pode trazer um sabor amargo. Por outro lado, as presidenciais têm todas as condições para correr bem ao PSD, dada a autêntica auto-estrada que tem vindo a ser construída para Cavaco Silva. Convém, no entanto, não esquecer que, desde a campanha de Fernando Nogueira, o ex-primeiro-ministro tem dado quase exclusivamente sinais de fraca lealdade orgânica ao seu partido, pelo que a capitalização pelo PSD de uma hipotética vitória eleitoral nas presidenciais não é linear.
Este aspectos criam o contexto. Mas, na verdade, o que mais fragilizará a liderança de Marques Mendes é a ideia que se instalou, desde já, de que se trata de uma segunda escolha, um líder a prazo, que durará o necessário - isto é, enquanto o poder for para o PSD uma miragem. É que, vá lá saber-se exactamente porquê, no País e na política em particular, há o hábito de alimentar formas renovadas de sebastianismo. Quando na oposição, aos partidos o que está nunca serve, pois há sempre uma outra coisa que chegará e de uma assentada, como que por magia, resolverá todos os problemas. Foi assim no PS e, agora, será assim no PSD. Neste caso, o mito sebastiânico chama-se António Borges. Ora, o PSD deveria aprender qualquer coisa com a experiência do PS, onde o "desejado" se mostrou sempre indisponível, em particular nos momentos difíceis.
Ontem, como hoje, a vida política portuguesa continua pródiga em alimentar sebastianismos que insistem em não chegar, mas dificultam o dia-a-dia dos que por cá andam. É também por isso que Marques Mendes será um líder frágil. Sobre a sua cabeça pairará a "espada" de Borges. E contra isso, neste caso, como em muitos outros, pouco haverá a fazer. Além de saber resistir.
Mas, pelo caminho, o fenómeno António Borges revela também que os partidos interiorizaram o discurso contra os políticos e vivem também eles fascinados com os que aparentam estar de fora da vida partidária, mas nela intervém, com ampla cobertura mediática, sem que tenham de assumir os sacrifícios que esta acarreta, designadamente quando não há poder para exercer ou distribuir. Tem razão António Borges quando diz que será bom para o PSD, mais ainda depois da experiência santanista, estar quatro anos na oposição para se reconstruir. Mas convém ter consciência que liderar na oposição, durante quatro anos, ou mesmo oito, um partido construído no poder, é uma tarefa porventura mais difícil, mas não menos importante do que a do governo do País.
artigo publicado em A Capital
No entanto, mesmo com o apoio de vários dos "ismos" e "sub-ismos" que compõem o PSD, nuns casos mais convictos, noutros menos, Marques Mendes terá, por diversas razões, um caminho muito difícil nos próximos tempos.
Antes de mais, o contexto político. O PS tem uma sólida maioria absoluta; o PSD tem um grupo parlamentar que reflecte, em importante medida, o estertor do santanismo e que é técnica e politicamente fraco. Se a isto somarmos a ausência de um estatuto formalizado de líder da oposição - o que cria, por exemplo nos debates parlamentares, uma relação assimétrica com o primeiro-ministro - torna-se uma inevitabilidade que a vida corra mal a Marques Mendes.
Por tudo isto, daqui a uns meses, a propósito do anunciado novo presidente do PSD, se utilizará um conjunto de lugares comuns: que é um líder fraco e não faz oposição; que o PP e o Bloco de Esquerda é que lideram o combate ao governo; e, ainda, que o PSD não apresenta alternativas. Em Portugal é esta a avaliação que é invariavelmente feita a quem está na oposição (o que lembra, aliás, que o problema deve estar mais na estrutura do que nos agentes).
Ainda assim, haverá atenuantes. As eleições autárquicas serão particularmente difíceis para a actual maioria. Não apenas porque, em Outubro, o voto de protesto contra o governo dará os primeiros sinais, como também porque muitos dos actuais presidentes de câmara do PSD estão no fim do seu primeiro mandato e raramente se perdem eleições autárquicas nessa altura. A isto acresce que o triunfalismo do PS pode trazer um sabor amargo. Por outro lado, as presidenciais têm todas as condições para correr bem ao PSD, dada a autêntica auto-estrada que tem vindo a ser construída para Cavaco Silva. Convém, no entanto, não esquecer que, desde a campanha de Fernando Nogueira, o ex-primeiro-ministro tem dado quase exclusivamente sinais de fraca lealdade orgânica ao seu partido, pelo que a capitalização pelo PSD de uma hipotética vitória eleitoral nas presidenciais não é linear.
Este aspectos criam o contexto. Mas, na verdade, o que mais fragilizará a liderança de Marques Mendes é a ideia que se instalou, desde já, de que se trata de uma segunda escolha, um líder a prazo, que durará o necessário - isto é, enquanto o poder for para o PSD uma miragem. É que, vá lá saber-se exactamente porquê, no País e na política em particular, há o hábito de alimentar formas renovadas de sebastianismo. Quando na oposição, aos partidos o que está nunca serve, pois há sempre uma outra coisa que chegará e de uma assentada, como que por magia, resolverá todos os problemas. Foi assim no PS e, agora, será assim no PSD. Neste caso, o mito sebastiânico chama-se António Borges. Ora, o PSD deveria aprender qualquer coisa com a experiência do PS, onde o "desejado" se mostrou sempre indisponível, em particular nos momentos difíceis.
Ontem, como hoje, a vida política portuguesa continua pródiga em alimentar sebastianismos que insistem em não chegar, mas dificultam o dia-a-dia dos que por cá andam. É também por isso que Marques Mendes será um líder frágil. Sobre a sua cabeça pairará a "espada" de Borges. E contra isso, neste caso, como em muitos outros, pouco haverá a fazer. Além de saber resistir.
Mas, pelo caminho, o fenómeno António Borges revela também que os partidos interiorizaram o discurso contra os políticos e vivem também eles fascinados com os que aparentam estar de fora da vida partidária, mas nela intervém, com ampla cobertura mediática, sem que tenham de assumir os sacrifícios que esta acarreta, designadamente quando não há poder para exercer ou distribuir. Tem razão António Borges quando diz que será bom para o PSD, mais ainda depois da experiência santanista, estar quatro anos na oposição para se reconstruir. Mas convém ter consciência que liderar na oposição, durante quatro anos, ou mesmo oito, um partido construído no poder, é uma tarefa porventura mais difícil, mas não menos importante do que a do governo do País.
artigo publicado em A Capital
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