Salvar Carcavelos e o resto das praias
O tema instalou-se na retórica política. De um quadrante a outro do sistema partidário, não há hoje quem não valorize o papel do mar como alavanca de um novo modelo de desenvolvimento. O mar como recurso estratégico. Não apenas o mar à “antiga”, da vocação marítima, dos descobrimentos e da construção da nossa identidade colectiva. Mas, também, o mar como factor de valorização do futuro. Como pólo de criação de novas oportunidades, por exemplo no turismo.
Contudo, neste, como em muitos outros casos, há os discursos e, depois, há a prática. E a prática é uma orla costeira que frequentemente parece servir como laboratório para experiências que visam replicar os cenários da Iª Guerra mundial. Por inércia, por incúria ou por acção premeditada, se bem que não com a intensidade do passado, continuam os atentados ambientais e, acima de tudo, uma visão míope do potencial existente na costa portuguesa. De Norte a Sul do País e nas regiões autónomas, assiste-se a um discurso político que é diariamente contrariado pela desvalorização efectiva do litoral.
E entre as novas oportunidades que o litoral português apresenta está o surf. O surf que hoje em Portugal tem um número já assinalável de praticantes, que movimenta um mercado ainda frágil mas já com alguma dimensão e que, só por isso, deveria ser protegido. Mas o surf que, para além do mais, tem um potencial ainda por explorar enquanto instrumento ao serviço de um desenvolvimento harmonioso para as nossas zonas turísticas.
Como escreveu, há tempos, Gonçalo Cadilhe, que já viu e viajou o suficiente para saber daquilo que fala: "uma onda perfeita de surf pode ser o motor da economia de uma inteira região. Pequenas localidades que nunca teriam saído do anonimato, que teriam permanecido esquecidas na periferia do mundo, são hoje internacionalmente famosas em todo mundo pelo simples facto de possuírem uma onda perfeita ao fundo da rua. (...) O turismo de surf não é turismo de massa, é turismo sustentável e continuado, é um nicho de mercado sólido e em crescimento." Aliás, com uma boa gestão e com visão de futuro, não há nenhuma razão para que as zonas propícias ao surf não possam evoluir para locais um pouco à imagem das estâncias de ski. E, como é sabido, abundam hoje pela Europa casos de sucesso em termos de desenvolvimento virtuoso de inteiras regiões, literalmente “puxadas” pelo ski.
E, desse ponto de vista, Portugal tem condições únicas na Europa e mesmo bastante competitivas a nível mundial. Não apenas temos uma extensa faixa costeira, com excelentes condições para receber os diversos tipos de ondulação, como é possível praticar surf durante doze meses por ano. Se a isto acrescentarmos a centralidade do País, quando comparado com os destinos exóticos do surf e os preços muito competitivos que apresentamos, há aqui um nicho de mercado quase virgem e de enorme potencial. Do Norte a Sul do país há ondas para todos e para todos os gostos.
Mas acontece que a prática de surf implica que as praias não sejam destruídas e que, na sua preservação, a conservação das ondas seja tida em consideração. Ora, infelizmente, temos assistido entre nós a uma sistemática desvalorização das ondas. O caso mais paradigmático disto mesmo ocorreu na Madeira, com o betão que deu cabo da onda do Jardim do Mar (para muitos a melhor onda portuguesa e uma das melhores do mundo!). Apesar de eventualmente menos dramáticos, a verdade é que outros exemplos de deterioração das praias abundam. Carcavelos ameaçava ser a próxima onda a ser destruída. Ameaçava porque já não vai ser.
Estamos pouco habituados, é verdade, mas por vezes, em Portugal, as coisas correm bem. E no caso de Carcavelos, tudo indica, vão correr bem. A história é simples: estava projectada pela Câmara de Cascais a construção de dois esporões que iriam colocar em sério risco as ondas. Mas, na fase de discussão pública do projecto, os surfistas uniram-se para salvar as ondas, tendo feito um parecer técnico sobre o projecto da autarquia. A Câmara foi sensível aos argumentos e aceitou na totalidade as reivindicações aí expostas. Resultado, Carcavelos vai ter obras que vão cuidar que as ondas se mantenham com a qualidade habitual e, tudo indica, numa das praias da linha vai ser construído o primeiro recife artificial da Europa, pensado para a prática do surf.
O caso de Carcavelos revela, no essencial, três coisas. A primeira, que é possível ter sucesso na luta pela qualificação do litoral e das praias em Portugal. Segundo, que há autarcas sensíveis ao potencial do surf e que revelam uma visão que foge à miopia dominante. E terceiro, que o exemplo de Carcavelos pode servir para que se comecem a salvar as praias que, por todo o país, são ameaçadas. O surf é uma razão e mais um pretexto para que isso seja feito.
publicado em A Capital
Contudo, neste, como em muitos outros casos, há os discursos e, depois, há a prática. E a prática é uma orla costeira que frequentemente parece servir como laboratório para experiências que visam replicar os cenários da Iª Guerra mundial. Por inércia, por incúria ou por acção premeditada, se bem que não com a intensidade do passado, continuam os atentados ambientais e, acima de tudo, uma visão míope do potencial existente na costa portuguesa. De Norte a Sul do País e nas regiões autónomas, assiste-se a um discurso político que é diariamente contrariado pela desvalorização efectiva do litoral.
E entre as novas oportunidades que o litoral português apresenta está o surf. O surf que hoje em Portugal tem um número já assinalável de praticantes, que movimenta um mercado ainda frágil mas já com alguma dimensão e que, só por isso, deveria ser protegido. Mas o surf que, para além do mais, tem um potencial ainda por explorar enquanto instrumento ao serviço de um desenvolvimento harmonioso para as nossas zonas turísticas.
Como escreveu, há tempos, Gonçalo Cadilhe, que já viu e viajou o suficiente para saber daquilo que fala: "uma onda perfeita de surf pode ser o motor da economia de uma inteira região. Pequenas localidades que nunca teriam saído do anonimato, que teriam permanecido esquecidas na periferia do mundo, são hoje internacionalmente famosas em todo mundo pelo simples facto de possuírem uma onda perfeita ao fundo da rua. (...) O turismo de surf não é turismo de massa, é turismo sustentável e continuado, é um nicho de mercado sólido e em crescimento." Aliás, com uma boa gestão e com visão de futuro, não há nenhuma razão para que as zonas propícias ao surf não possam evoluir para locais um pouco à imagem das estâncias de ski. E, como é sabido, abundam hoje pela Europa casos de sucesso em termos de desenvolvimento virtuoso de inteiras regiões, literalmente “puxadas” pelo ski.
E, desse ponto de vista, Portugal tem condições únicas na Europa e mesmo bastante competitivas a nível mundial. Não apenas temos uma extensa faixa costeira, com excelentes condições para receber os diversos tipos de ondulação, como é possível praticar surf durante doze meses por ano. Se a isto acrescentarmos a centralidade do País, quando comparado com os destinos exóticos do surf e os preços muito competitivos que apresentamos, há aqui um nicho de mercado quase virgem e de enorme potencial. Do Norte a Sul do país há ondas para todos e para todos os gostos.
Mas acontece que a prática de surf implica que as praias não sejam destruídas e que, na sua preservação, a conservação das ondas seja tida em consideração. Ora, infelizmente, temos assistido entre nós a uma sistemática desvalorização das ondas. O caso mais paradigmático disto mesmo ocorreu na Madeira, com o betão que deu cabo da onda do Jardim do Mar (para muitos a melhor onda portuguesa e uma das melhores do mundo!). Apesar de eventualmente menos dramáticos, a verdade é que outros exemplos de deterioração das praias abundam. Carcavelos ameaçava ser a próxima onda a ser destruída. Ameaçava porque já não vai ser.
Estamos pouco habituados, é verdade, mas por vezes, em Portugal, as coisas correm bem. E no caso de Carcavelos, tudo indica, vão correr bem. A história é simples: estava projectada pela Câmara de Cascais a construção de dois esporões que iriam colocar em sério risco as ondas. Mas, na fase de discussão pública do projecto, os surfistas uniram-se para salvar as ondas, tendo feito um parecer técnico sobre o projecto da autarquia. A Câmara foi sensível aos argumentos e aceitou na totalidade as reivindicações aí expostas. Resultado, Carcavelos vai ter obras que vão cuidar que as ondas se mantenham com a qualidade habitual e, tudo indica, numa das praias da linha vai ser construído o primeiro recife artificial da Europa, pensado para a prática do surf.
O caso de Carcavelos revela, no essencial, três coisas. A primeira, que é possível ter sucesso na luta pela qualificação do litoral e das praias em Portugal. Segundo, que há autarcas sensíveis ao potencial do surf e que revelam uma visão que foge à miopia dominante. E terceiro, que o exemplo de Carcavelos pode servir para que se comecem a salvar as praias que, por todo o país, são ameaçadas. O surf é uma razão e mais um pretexto para que isso seja feito.
publicado em A Capital
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