De quem é a culpa?
As eleições legislativas servem sempre para avaliar a performance daqueles que foram escolhidos no acto eleitoral anterior e escolher entre as diversas opções para exercer o poder nos anos seguintes. Estas eleições não serão naturalmente excepção. No entanto, a campanha eleitoral tem-se centrado nos últimos meses de desgovernação, esquecendo os dois anos e meio que os antecederam. Este esquecimento não apenas desresponsabiliza o anterior primeiro-ministro, Durão Barroso, como, para além do mais, leva a que a clarificação sobre o que vai ser feito nos próximos quatro anos, designadamente por contraponto a estes três, seja secundarizada. Centrar todas as baterias no ataque ao inenarrável Santana Lopes é, do ponto de vista táctico, uma boa opção, mas esquece a questão estratégica: a oposição ao desastre governativo que ocorreu durante o consulado de Durão Barroso.
Para compreendermos como é que o país chegou aqui – sendo o aqui esta conjugação quase única e, espera-se!, irrepetível de depressão social, instabilidade política e profunda crise económica, financeira e social – não basta olhar para a acção de Santana Lopes. Há que recuar a Março de 2002, quando os portugueses foram a votos.
Naquela que foi a mais polarizada das campanhas legislativas em Portugal, Durão Barroso apresentou-se com uma estratégia clara: para ganhar, era preciso prometer tudo a todos, independentemente da capacidade efectiva de, uma vez no poder, cumprir o prometido. O caso de com essa atitude ter faltado à verdade aos portugueses pouco pareceu importar ao então candidato. Este facto, desde logo, faz que seja hoje difícil saber o que avaliar – as promessas feitas e não cumpridas ou a prática política que foi levada a cabo e que os portugueses não sufragaram? Independentemente da resposta, com a sua postura, Durão Barroso deu um importante contributo para a descredibilização da classe política.
Mas, uma vez chegado ao Governo, não lhe ocorreu nada melhor do que, no momento em que tomava posse, afirmar que tinha encontrado o "país de tanga". Para além de a afirmação ser bem reveladora do estilo que o acompanharia daí para a frente, com ela conseguiu dar uma machadada na confiança dos portugueses e dos agentes económicos, lançando-a para níveis impensavelmente baixos. A consequência foi uma recessão económica ímpar e um enorme descalabro orçamental. À crise financeira, Durão Barroso, através de políticas erradas e de uma gestão das expectativas desastrosa, conseguiu somar uma crise económica, que, depois, fez acompanhar de uma contra-reforma social.
Ao mesmo tempo que não era capaz de controlar o défice (curiosamente a sua principal bandeira eleitoral), abandonou a aposta nos factores que podem tornar a economia portuguesa viável no médio prazo – o investimento na inovação, na ciência, na tecnologia e na educação/formação. Paradoxalmente, assim que se viu nas vestes de presidente da Comissão, recuperou a Agenda de Lisboa que em Lisboa havia desprezado.
No meio de tudo isto, conseguiu ainda romper o tradicional consenso entre os dois maiores partidos portugueses em torno da política internacional. O apoio inusitado à guerra no Iraque e o patrocínio da Cimeira das Lajes ameaçaram a credibilidade internacional adquirida por Portugal, sob diversas administrações, em 30 anos de democracia – além de que foram opções cujos motivos estão ainda longe de estar totalmente esclarecidos.
Naturalmente, quando a sua acção foi avaliada os portugueses infligiram-lhe a maior derrota eleitoral da direita, mesmo num contexto em que o principal partido da oposição estava a ser alvo da mais tenebrosa campanha que o Portugal democrático conheceu. Face à derrocada e perante a incapacidade de proceder a uma renovação na sua equipa governativa, aproveitou a primeira oportunidade para "abandonar o barco". Não contente com isso, tratou de garantir que entregaria o poder a Santana Lopes.
É por isso que, quase três anos depois, é inevitável relembrar que parte fundamental das culpas do estado a que o País chegou deve ser assacada a Durão Barroso. As opções políticas substantivas erradas foram por ele tomadas, Santana Lopes limitou-se a juntar-lhes um autêntico desvario institucional (o que está longe de ser pouco), que acabaria por ditar a sentença de morte a uma já combalida coligação de direita.
Para compreender o que se irá passar daqui a duas semanas, importa recordar que com a péssima prestação de Durão Barroso em termos de políticas, a direita desmobilizou o voto e dilapidou o seu eleitorado. Mas, como à direita a prestação do líder partidário é uma variável decisiva para a opção de voto, a desastrosa actuação de Santana Lopes acentuará a derrota e levará, também, a que o PSD abra o flanco. Designadamente fazendo que o parceiro menor da coligação acabe por sair relativamente bem de um filme em que participou activamente desde o início. O que não deixa de ser espantoso.
publicado em A Capital
Para compreendermos como é que o país chegou aqui – sendo o aqui esta conjugação quase única e, espera-se!, irrepetível de depressão social, instabilidade política e profunda crise económica, financeira e social – não basta olhar para a acção de Santana Lopes. Há que recuar a Março de 2002, quando os portugueses foram a votos.
Naquela que foi a mais polarizada das campanhas legislativas em Portugal, Durão Barroso apresentou-se com uma estratégia clara: para ganhar, era preciso prometer tudo a todos, independentemente da capacidade efectiva de, uma vez no poder, cumprir o prometido. O caso de com essa atitude ter faltado à verdade aos portugueses pouco pareceu importar ao então candidato. Este facto, desde logo, faz que seja hoje difícil saber o que avaliar – as promessas feitas e não cumpridas ou a prática política que foi levada a cabo e que os portugueses não sufragaram? Independentemente da resposta, com a sua postura, Durão Barroso deu um importante contributo para a descredibilização da classe política.
Mas, uma vez chegado ao Governo, não lhe ocorreu nada melhor do que, no momento em que tomava posse, afirmar que tinha encontrado o "país de tanga". Para além de a afirmação ser bem reveladora do estilo que o acompanharia daí para a frente, com ela conseguiu dar uma machadada na confiança dos portugueses e dos agentes económicos, lançando-a para níveis impensavelmente baixos. A consequência foi uma recessão económica ímpar e um enorme descalabro orçamental. À crise financeira, Durão Barroso, através de políticas erradas e de uma gestão das expectativas desastrosa, conseguiu somar uma crise económica, que, depois, fez acompanhar de uma contra-reforma social.
Ao mesmo tempo que não era capaz de controlar o défice (curiosamente a sua principal bandeira eleitoral), abandonou a aposta nos factores que podem tornar a economia portuguesa viável no médio prazo – o investimento na inovação, na ciência, na tecnologia e na educação/formação. Paradoxalmente, assim que se viu nas vestes de presidente da Comissão, recuperou a Agenda de Lisboa que em Lisboa havia desprezado.
No meio de tudo isto, conseguiu ainda romper o tradicional consenso entre os dois maiores partidos portugueses em torno da política internacional. O apoio inusitado à guerra no Iraque e o patrocínio da Cimeira das Lajes ameaçaram a credibilidade internacional adquirida por Portugal, sob diversas administrações, em 30 anos de democracia – além de que foram opções cujos motivos estão ainda longe de estar totalmente esclarecidos.
Naturalmente, quando a sua acção foi avaliada os portugueses infligiram-lhe a maior derrota eleitoral da direita, mesmo num contexto em que o principal partido da oposição estava a ser alvo da mais tenebrosa campanha que o Portugal democrático conheceu. Face à derrocada e perante a incapacidade de proceder a uma renovação na sua equipa governativa, aproveitou a primeira oportunidade para "abandonar o barco". Não contente com isso, tratou de garantir que entregaria o poder a Santana Lopes.
É por isso que, quase três anos depois, é inevitável relembrar que parte fundamental das culpas do estado a que o País chegou deve ser assacada a Durão Barroso. As opções políticas substantivas erradas foram por ele tomadas, Santana Lopes limitou-se a juntar-lhes um autêntico desvario institucional (o que está longe de ser pouco), que acabaria por ditar a sentença de morte a uma já combalida coligação de direita.
Para compreender o que se irá passar daqui a duas semanas, importa recordar que com a péssima prestação de Durão Barroso em termos de políticas, a direita desmobilizou o voto e dilapidou o seu eleitorado. Mas, como à direita a prestação do líder partidário é uma variável decisiva para a opção de voto, a desastrosa actuação de Santana Lopes acentuará a derrota e levará, também, a que o PSD abra o flanco. Designadamente fazendo que o parceiro menor da coligação acabe por sair relativamente bem de um filme em que participou activamente desde o início. O que não deixa de ser espantoso.
publicado em A Capital
<< Home