A Escolha de Jerónimo
A “inclinação consensualizada” do comité central para escolher Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP foi recebida com um rol de críticas. No essencial foi dito que esta opção acentuaria o declínio eleitoral; a nova liderança representava uma vitória da linha “cunhalista” e do sector ortodoxo (epíteto que, curiosamente, o candidato refutou); e que o PCP seria cada vez menos um Partido de poder. Contudo, estas afirmações podem pecar por precipitadas.
Antes de mais porque o declínio eleitoral do PCP apesar de contínuo não tem sido tão acentuado como é habitualmente afirmado. É verdade que, se nada for feito, a erosão eleitoral do PCP, por força da evolução demográfica, é apenas uma questão de tempo. No entanto, comparado com os seus congéneres da Europa do Sul, o PCP tem resistido relativamente bem.
Quando Carvalhas sucedeu a Cunhal, o tempo era de escolher entre renunciar a parte da identidade do partido, para ambicionar ser poder ou manter a pureza de princípios, sacrificando o exercício do poder. Carvalhas procurou traçar uma bissectriz entre renovação e ortodoxia, projecto que acabou por não agradar a nenhuma das partes em contenda. Os resultados foram vagas sucessivas de fortes convulsões internas e um evidente delapidar do potencial de transformação do PCP em partido de poder – designadamente pelo abandono de um número muito significativo de autarcas, de quadros e de membros do sector intelectual. Eleitoralmente o Partido caiu, mas resistiu.
Se olharmos para o caso francês, mas, também, para o italiano e espanhol, vemos que a modernização do discurso dos partidos comunistas e a participação em experiências de governo foi feita à custa da perda de muitos votos e de uma indiferenciação crescente face aos partidos “catch-all” de centro-esquerda. O PCP, pelo contrário, conservou algum eleitorado e fê-lo porque manteve uma das suas características identitárias fortes: ser, entre outras coisas, um partido nacionalista e conservador. São em parte estas características que fazem com que o PCP continue enraízado em alguns segmentos da população, levando a que, no contexto europeu, seja um dos partidos com o eleitorado mais fixo. Um eleitorado que está, cada vez mais, confinado às populações envelhecidas dos meios rurais (ao Sul), aos pensionistas, aos funcionários públicos e ao que resta de segmentos operários nos meios urbanos. A forte ancoragem nestes sectores traduz-se no peso crescente da CGTP no quadro do Partido.
Mas há o reverso da medalha: o falhanço da abertura do partido e as suas consequências eleitorais. O eleitorado dos grandes centros urbanos, ligado às profissões intelectuais que, nomeadamente, nos distritos de Lisboa e do Porto, mas, também, em Setúbal representava uma fatia importante do voto PC, tem migrado, em doses diferentes, para o PS e para o Bloco.
Face a este contexto, restam ao PCP dois caminhos.
Um primeiro, que é a opção por um populismo nacionalista de esquerda. Jerónimo de Sousa, pelas suas características e pelo que já se viu em campanhas passadas, pode protagonizar uma estratégia assente num discurso anti-sistema, anti-europeu e voltado para os excluídos do desenvolvimento. Há, hoje, para um partido que não ambicione ser poder, um nicho de mercado eleitoral assente em dar voz aos mais diversos descontentamentos sociais. Além de que o facto de o PP se ter transformado num partido de poder, faz com que haja franjas deste eleitorado órfãs. No entanto, este caminho, ainda que estancasse ou até invertesse alguma erosão eleitoral, colocaria em causa a áurea de respeitabilidade de que o PCP ainda goza entre a esquerda portuguesa. Seria mais difícil transformar o PCP num partido essencialmente populista, do que foi transformar o velho CDS num partido desse tipo.
Mas, há um outro caminho, em que seriam dados passos na tão reclamada abertura e na transformação em partido com vocação de poder, e não apenas de resistência. Provavelmente, esta opção implicaria, no médio prazo, alguma erosão eleitoral, mas teria a vantagem de, após quase trinta anos de afastamento do aparelho de Estado, permitir ao PCP colocar o que resta dos seus quadros em lugares de direcção. Por paradoxal que possa parecer, Jerónimo de Sousa é um bom líder para a abertura do PCP. O facto de ter um curriculum insuspeito de “desvios de direita” permite-lhe mais facilmente, ao contrário de Carvalhas, protagonizar a modernização do PCP. É conhecida aliás, a tendência para serem os elementos à partida mais ortodoxos a darem passos para as aberturas mais inesperadas.
Por permitir vários caminhos, a escolha de Jerónimo de Sousa é, do ponto de vista do PCP, acertada. Resta saber se Jerónimo estará disposto a fazer escolhas difíceis e se entre manter tudo na mesma e deixar que o tempo acabe com o PCP ou perder influência eleitoral mas ganhar alguma influência política de facto, escolherá a segunda hipótese. O problema central do PCP não é, por isso, ter escolhido Jerónimo, mas, sim, o facto de, provavelmente, ser demasiado tarde para que possa ter uma estratégia, já que tudo o que é possível fazer é minorar os danos do passado.
publicado em A Capital, 24 de Novembro
Antes de mais porque o declínio eleitoral do PCP apesar de contínuo não tem sido tão acentuado como é habitualmente afirmado. É verdade que, se nada for feito, a erosão eleitoral do PCP, por força da evolução demográfica, é apenas uma questão de tempo. No entanto, comparado com os seus congéneres da Europa do Sul, o PCP tem resistido relativamente bem.
Quando Carvalhas sucedeu a Cunhal, o tempo era de escolher entre renunciar a parte da identidade do partido, para ambicionar ser poder ou manter a pureza de princípios, sacrificando o exercício do poder. Carvalhas procurou traçar uma bissectriz entre renovação e ortodoxia, projecto que acabou por não agradar a nenhuma das partes em contenda. Os resultados foram vagas sucessivas de fortes convulsões internas e um evidente delapidar do potencial de transformação do PCP em partido de poder – designadamente pelo abandono de um número muito significativo de autarcas, de quadros e de membros do sector intelectual. Eleitoralmente o Partido caiu, mas resistiu.
Se olharmos para o caso francês, mas, também, para o italiano e espanhol, vemos que a modernização do discurso dos partidos comunistas e a participação em experiências de governo foi feita à custa da perda de muitos votos e de uma indiferenciação crescente face aos partidos “catch-all” de centro-esquerda. O PCP, pelo contrário, conservou algum eleitorado e fê-lo porque manteve uma das suas características identitárias fortes: ser, entre outras coisas, um partido nacionalista e conservador. São em parte estas características que fazem com que o PCP continue enraízado em alguns segmentos da população, levando a que, no contexto europeu, seja um dos partidos com o eleitorado mais fixo. Um eleitorado que está, cada vez mais, confinado às populações envelhecidas dos meios rurais (ao Sul), aos pensionistas, aos funcionários públicos e ao que resta de segmentos operários nos meios urbanos. A forte ancoragem nestes sectores traduz-se no peso crescente da CGTP no quadro do Partido.
Mas há o reverso da medalha: o falhanço da abertura do partido e as suas consequências eleitorais. O eleitorado dos grandes centros urbanos, ligado às profissões intelectuais que, nomeadamente, nos distritos de Lisboa e do Porto, mas, também, em Setúbal representava uma fatia importante do voto PC, tem migrado, em doses diferentes, para o PS e para o Bloco.
Face a este contexto, restam ao PCP dois caminhos.
Um primeiro, que é a opção por um populismo nacionalista de esquerda. Jerónimo de Sousa, pelas suas características e pelo que já se viu em campanhas passadas, pode protagonizar uma estratégia assente num discurso anti-sistema, anti-europeu e voltado para os excluídos do desenvolvimento. Há, hoje, para um partido que não ambicione ser poder, um nicho de mercado eleitoral assente em dar voz aos mais diversos descontentamentos sociais. Além de que o facto de o PP se ter transformado num partido de poder, faz com que haja franjas deste eleitorado órfãs. No entanto, este caminho, ainda que estancasse ou até invertesse alguma erosão eleitoral, colocaria em causa a áurea de respeitabilidade de que o PCP ainda goza entre a esquerda portuguesa. Seria mais difícil transformar o PCP num partido essencialmente populista, do que foi transformar o velho CDS num partido desse tipo.
Mas, há um outro caminho, em que seriam dados passos na tão reclamada abertura e na transformação em partido com vocação de poder, e não apenas de resistência. Provavelmente, esta opção implicaria, no médio prazo, alguma erosão eleitoral, mas teria a vantagem de, após quase trinta anos de afastamento do aparelho de Estado, permitir ao PCP colocar o que resta dos seus quadros em lugares de direcção. Por paradoxal que possa parecer, Jerónimo de Sousa é um bom líder para a abertura do PCP. O facto de ter um curriculum insuspeito de “desvios de direita” permite-lhe mais facilmente, ao contrário de Carvalhas, protagonizar a modernização do PCP. É conhecida aliás, a tendência para serem os elementos à partida mais ortodoxos a darem passos para as aberturas mais inesperadas.
Por permitir vários caminhos, a escolha de Jerónimo de Sousa é, do ponto de vista do PCP, acertada. Resta saber se Jerónimo estará disposto a fazer escolhas difíceis e se entre manter tudo na mesma e deixar que o tempo acabe com o PCP ou perder influência eleitoral mas ganhar alguma influência política de facto, escolherá a segunda hipótese. O problema central do PCP não é, por isso, ter escolhido Jerónimo, mas, sim, o facto de, provavelmente, ser demasiado tarde para que possa ter uma estratégia, já que tudo o que é possível fazer é minorar os danos do passado.
publicado em A Capital, 24 de Novembro
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