O Drama do PSD
Em Barcelos, ao longo de três dias foi sempre assim. Em todas as intervenções esteve sempre presente o queixume, a lamúria. O Dr. Santana por três vezes falou para confessar que se sente incompreendido, mal tratado pela imprensa. Os seus ministros naturalmente acompanharam-no nas queixas – uns de forma mais convicta, outros menos. Nunca visto. Este comportamento revela a fragilidade em que vive a coligação. Contudo, esconde aspectos estruturais, mais determinantes do estado em que se encontra o PSD e o Governo.
Antes de mais, aquilo que tem sido muitas das vezes sublinhado e que atingiu a sua plenitude com o “caso Marcelo”: a preocupação excessiva do Governo com o que dele se diz. Preocupação que é filha do facto de Santana Lopes ser produto da imagem, da qual vive e depende. Para o primeiro-ministro, a imagem é o principal capital político, mas, também o elemento compensador do que não tem – capacidade de definir um rumo político e estabilização desse mesmo rumo. Ainda que, por paradoxal que possa parecer, essa obsessão não se venha traduzindo numa boa imagem pública deste Governo. Têm razão os dirigentes do PSD/PPD quando se queixam que são mal tratados pela imprensa, mas importa perceber as razões porque tal acontece.
É um facto que este Governo não usufruiu de um “estado de graça”. Acontece que o precedente também não. Engane-se quem pensa que é culpa de Santana. O mal-estar é anterior, radica nas eleições legislativas de 2002 e no tipo de vitória então alcançado. Com uma maioria construída a posteriori, baseada numa coligação indesejada e num programa político escondido, foi dado um passo importante para a quebra da relação de confiança com os portugueses. Mas a razão essencial para explicar o mal-estar que tem acompanhado esta governação prende-se, acima de tudo, com o tipo de distribuição geográfica e social dos votos no PSD.
Até Durão Barroso, nunca um primeiro-ministro havia perdido as eleições no círculo onde era candidato – no confronto directo entre os dois candidatos a primeiro-ministro, o PSD perdeu para o PS no Distrito de Lisboa – e, essencialmente, nunca nenhum governo havia sido eleito com derrotas ou votações baixas nos concelhos urbanos do Litoral. Do Norte ao Sul foi isso que aconteceu ao PSD em 2002, tendo-se repetido, de modo particularmente intenso, nas europeias deste ano.
Este afastamento em relação eleitorado urbano apenas significou a consolidação, mesmo num contexto de vitória eleitoral, daquilo que vinha acontecendo desde o fim do cavaquismo. O PSD/PPD tem perdido uma fatia muito importante do seu eleitorado, precisamente a sua base nas classes médias e na maioria silenciosa que foi crescendo e aumentado o seu poderio económico ao longo dos trinta anos de democracia. O drama do PSD é que vive, hoje, acantonado num eleitorado rural, envelhecido e na pequena burguesia, cuja influência social é inferior ao seu peso eleitoral. É isto que faz com que ao PSD seja possível ganhar eleições, sem conquistar, contudo, a opinião pública. Nos espaços onde se formulam os juízos sobre a governação, o PSD de hoje ou está ausente ou pouco presente.
A ausência de “estado de graça” resulta disso mesmo e a barreira de críticas a que este Governo e o anterior estiveram sujeitos serve, ao mesmo tempo, para revelar que, em Portugal, governar sem uma relação de confiança com o eleitorado dos grandes centros urbanos é, em larga medida, um projecto fracassado à partida.
Mas este óbice poderia ter sido ultrapassado. Uma vez no poder, era possível prometer um casamento, mais ou menos de conveniência, ao eleitorado urbano. Ora, desde o início, a coligação pareceu teimar em fazer exactamente o oposto. O discurso da tanga, a colagem despropositada e ineficaz à guerra do Iraque e a crescente atrelagem do PSD ao radicalismo do PP produziram o efeito contrário e consolidaram o divórcio entre “elites” e Governo. O PSD de hoje – o PSD de Durão e Santana – pouco diz aos sectores mais dinâmicos da sociedade portuguesa.
Nomeado primeiro-ministro, o principal desafio de Santana deveria ser recompor essa relação, aproximar o PSD e o Governo do eleitorado que é moldado pela opinião publicada e que molda a opinião pública. No entanto, nestes últimos três meses tem-se assistido ao acentuar do divórcio. Com a inabilidade na gestão política quotidiana e a escolha dos media, simultaneamente, como adversário e campo preferencial de acção, Santana tem conseguido apenas acentuar a separação entre o partido e o eleitorado central para a construção de um projecto de poder consequente.
Santana bem pode falar em “confiança”, em “geração Portugal” ou tentar alargar a actual coligação a outras forças políticas, mas o seu drama é que os sectores sociais que farão o futuro do país já não ouvem este PSD. No entretanto, resta saber se a oposição já refez a relação com o eleitorado urbano, precisamente aquele que lhe infligiu uma pesada derrota nas autárquicas de 2001. Como revelam os dois últimos anos, chegar ao poder sem essa relação recomposta de pouco ou nada serve.
publicado em A Capital, 17 de Novembro
Antes de mais, aquilo que tem sido muitas das vezes sublinhado e que atingiu a sua plenitude com o “caso Marcelo”: a preocupação excessiva do Governo com o que dele se diz. Preocupação que é filha do facto de Santana Lopes ser produto da imagem, da qual vive e depende. Para o primeiro-ministro, a imagem é o principal capital político, mas, também o elemento compensador do que não tem – capacidade de definir um rumo político e estabilização desse mesmo rumo. Ainda que, por paradoxal que possa parecer, essa obsessão não se venha traduzindo numa boa imagem pública deste Governo. Têm razão os dirigentes do PSD/PPD quando se queixam que são mal tratados pela imprensa, mas importa perceber as razões porque tal acontece.
É um facto que este Governo não usufruiu de um “estado de graça”. Acontece que o precedente também não. Engane-se quem pensa que é culpa de Santana. O mal-estar é anterior, radica nas eleições legislativas de 2002 e no tipo de vitória então alcançado. Com uma maioria construída a posteriori, baseada numa coligação indesejada e num programa político escondido, foi dado um passo importante para a quebra da relação de confiança com os portugueses. Mas a razão essencial para explicar o mal-estar que tem acompanhado esta governação prende-se, acima de tudo, com o tipo de distribuição geográfica e social dos votos no PSD.
Até Durão Barroso, nunca um primeiro-ministro havia perdido as eleições no círculo onde era candidato – no confronto directo entre os dois candidatos a primeiro-ministro, o PSD perdeu para o PS no Distrito de Lisboa – e, essencialmente, nunca nenhum governo havia sido eleito com derrotas ou votações baixas nos concelhos urbanos do Litoral. Do Norte ao Sul foi isso que aconteceu ao PSD em 2002, tendo-se repetido, de modo particularmente intenso, nas europeias deste ano.
Este afastamento em relação eleitorado urbano apenas significou a consolidação, mesmo num contexto de vitória eleitoral, daquilo que vinha acontecendo desde o fim do cavaquismo. O PSD/PPD tem perdido uma fatia muito importante do seu eleitorado, precisamente a sua base nas classes médias e na maioria silenciosa que foi crescendo e aumentado o seu poderio económico ao longo dos trinta anos de democracia. O drama do PSD é que vive, hoje, acantonado num eleitorado rural, envelhecido e na pequena burguesia, cuja influência social é inferior ao seu peso eleitoral. É isto que faz com que ao PSD seja possível ganhar eleições, sem conquistar, contudo, a opinião pública. Nos espaços onde se formulam os juízos sobre a governação, o PSD de hoje ou está ausente ou pouco presente.
A ausência de “estado de graça” resulta disso mesmo e a barreira de críticas a que este Governo e o anterior estiveram sujeitos serve, ao mesmo tempo, para revelar que, em Portugal, governar sem uma relação de confiança com o eleitorado dos grandes centros urbanos é, em larga medida, um projecto fracassado à partida.
Mas este óbice poderia ter sido ultrapassado. Uma vez no poder, era possível prometer um casamento, mais ou menos de conveniência, ao eleitorado urbano. Ora, desde o início, a coligação pareceu teimar em fazer exactamente o oposto. O discurso da tanga, a colagem despropositada e ineficaz à guerra do Iraque e a crescente atrelagem do PSD ao radicalismo do PP produziram o efeito contrário e consolidaram o divórcio entre “elites” e Governo. O PSD de hoje – o PSD de Durão e Santana – pouco diz aos sectores mais dinâmicos da sociedade portuguesa.
Nomeado primeiro-ministro, o principal desafio de Santana deveria ser recompor essa relação, aproximar o PSD e o Governo do eleitorado que é moldado pela opinião publicada e que molda a opinião pública. No entanto, nestes últimos três meses tem-se assistido ao acentuar do divórcio. Com a inabilidade na gestão política quotidiana e a escolha dos media, simultaneamente, como adversário e campo preferencial de acção, Santana tem conseguido apenas acentuar a separação entre o partido e o eleitorado central para a construção de um projecto de poder consequente.
Santana bem pode falar em “confiança”, em “geração Portugal” ou tentar alargar a actual coligação a outras forças políticas, mas o seu drama é que os sectores sociais que farão o futuro do país já não ouvem este PSD. No entretanto, resta saber se a oposição já refez a relação com o eleitorado urbano, precisamente aquele que lhe infligiu uma pesada derrota nas autárquicas de 2001. Como revelam os dois últimos anos, chegar ao poder sem essa relação recomposta de pouco ou nada serve.
publicado em A Capital, 17 de Novembro
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