O que os portugueses querem
Dificilmente passam três meses sem que Jorge Sampaio faça um apelo aos consensos. No ano novo, o Presidente voltou à carga com a ideia. O que o país precisa é de acordos entre os partidos para resolver, sem conflitualidade, os problemas quase-insolúveis que enfrenta, do défice à saúde, passando pela educação e pela segurança social. Mas como estes acordos têm sido difíceis de alcançar, nada melhor do que, a meia-dúzia de semanas das eleições, introduzir, numa amena tertúlia televisiva, o tema da alteração do sistema eleitoral com o objectivo de facilitar a obtenção de maiorias absolutas (esquecendo que este sistema já as proporcionou por duas vezes ao PSD e, a crer nas sondagens, encarregar-se-á de, pela primeira vez, a proporcionar ao PS). Tudo revela um assinalável sentido de oportunidade, mas esconde também um mal-político do país.
Acima de tudo, a ideia de consenso. É pouco claro se por força de tanta endoutrinação das elites, ou por genuína (pre)disposição social, a verdade é que os portugueses querem que os partidos se entendam. Que se entendam a propósito de muitas matérias, sendo que a maioria das quais é da esfera da salutar divergência política. Como revelam os estudos de opinião, a maioria dos portugueses pensa que os partidos só servem para dividir as pessoas e criar discórdia estéril. Aliás, Santana Lopes que intui bem estas coisas, aproveitou a sua mensagem de Natal para dizer qualquer coisa como, “é preciso uma política mais bonita”. Leia-se, sem discussões e conflitualidade.
Mas este problema não nasceu agora, atormenta as democracias liberais, pelo menos, desde o início do século XX. A União Nacional, por exemplo, serviu para enfrentar essa dificuldade. Acontece que em democracia, a política é, por natureza, o domínio da clivagem e do conflito enquadrado institucionalmente. Como tal, os consensos são necessários apenas quando não há capacidade institucional para enfrentar os problemas. Que se saiba não foi por falta dessa mesma capacidade que, por exemplo, o Governo PSD/PP não resolveu o problema das contas públicas. Apoiados por uma maioria parlamentar absoluta, na prática o PSD e o PP não precisavam de consensualizar (como aliás não fizeram) nada com o PS para cumprir o seu programa dito reformista. É que, tirando os compromissos que vão para além do espaço de uma legislatura, os consensos inter-partidários não só não são necessários, como acabam por produzir um efeito negativo: a indiferenciação crescente entre os partidos.
Ora, o que a maioria dos portugueses pensa também é que, apesar dos políticos discutirem muito, em última análise os partidos são todos iguais. Do taxista ao empresário, de uma forma mais ou menos sofisticada, a opinião é frequente: pouca diferença existe entre os partidos, designadamente entre os dois maiores. Paradoxal. Ao mesmo tempo há um desejo de despolitização da política e uma desmobilização porque os partidos são, no essencial, iguais.
Para contrariar esta ideia os partidos com vocação de poder têm um caminho a trilhar. Mostrar que são de facto diferentes, até porque a sua capacidade de mobilização eleitoral reside, em larga medida, nisso mesmo. É, por isso, importante que quer o PSD, quer o PS contrariarem a ideia dos consensos e nos seus programas e discursos se preocupem, acima de tudo, em apresentar projectos que sejam percepcionados pelos eleitores como se tratando de verdadeiras alternativas, com compromissos determinados e contrastantes. Quando os partidos de poder procuram, a todo o custo, não se comprometer com nada, procurando agradar a “gregos e troianos”, ou, em alternativa, só se comprometem com algo, quando os custos são reduzidos (afinal é para minorar os custos das medidas difíceis que servem os consensos), os eleitores normalmente desmobilizam e tendem a optar ou pela abstenção ou por partidos nos extremos do espectro partidário.
Os problemas que o país enfrenta não se resolvem nem com consensos, nem, no essencial, com alterações do sistema político. Quando a campanha eleitoral já está, de facto, a decorrer, o tempo não deve ser para esses temas. Agora é, acima de tudo, o momento para os partidos se desentenderem, de modo a que fique claro o que pretendem.
Até porque, pelo caminho, ajudam a resolver o problema dos portugueses que, ao quererem simultaneamente consensos inter-partidários e uma maior diferenciação entre os partidos, desejam coisas contraditórias e inconciliáveis. É, aliás, boa altura para os partidos esquecerem um pouco o que os portugueses querem e escolherem o que o país e a democracia precisam: verdadeiras alternativas e capacidade institucional e política de as pôr em prática. Se os partidos assim o fizerem, no futuro, os portugueses encarregar-se-ão de lhes agradecer.
publicado em A Capital
Acima de tudo, a ideia de consenso. É pouco claro se por força de tanta endoutrinação das elites, ou por genuína (pre)disposição social, a verdade é que os portugueses querem que os partidos se entendam. Que se entendam a propósito de muitas matérias, sendo que a maioria das quais é da esfera da salutar divergência política. Como revelam os estudos de opinião, a maioria dos portugueses pensa que os partidos só servem para dividir as pessoas e criar discórdia estéril. Aliás, Santana Lopes que intui bem estas coisas, aproveitou a sua mensagem de Natal para dizer qualquer coisa como, “é preciso uma política mais bonita”. Leia-se, sem discussões e conflitualidade.
Mas este problema não nasceu agora, atormenta as democracias liberais, pelo menos, desde o início do século XX. A União Nacional, por exemplo, serviu para enfrentar essa dificuldade. Acontece que em democracia, a política é, por natureza, o domínio da clivagem e do conflito enquadrado institucionalmente. Como tal, os consensos são necessários apenas quando não há capacidade institucional para enfrentar os problemas. Que se saiba não foi por falta dessa mesma capacidade que, por exemplo, o Governo PSD/PP não resolveu o problema das contas públicas. Apoiados por uma maioria parlamentar absoluta, na prática o PSD e o PP não precisavam de consensualizar (como aliás não fizeram) nada com o PS para cumprir o seu programa dito reformista. É que, tirando os compromissos que vão para além do espaço de uma legislatura, os consensos inter-partidários não só não são necessários, como acabam por produzir um efeito negativo: a indiferenciação crescente entre os partidos.
Ora, o que a maioria dos portugueses pensa também é que, apesar dos políticos discutirem muito, em última análise os partidos são todos iguais. Do taxista ao empresário, de uma forma mais ou menos sofisticada, a opinião é frequente: pouca diferença existe entre os partidos, designadamente entre os dois maiores. Paradoxal. Ao mesmo tempo há um desejo de despolitização da política e uma desmobilização porque os partidos são, no essencial, iguais.
Para contrariar esta ideia os partidos com vocação de poder têm um caminho a trilhar. Mostrar que são de facto diferentes, até porque a sua capacidade de mobilização eleitoral reside, em larga medida, nisso mesmo. É, por isso, importante que quer o PSD, quer o PS contrariarem a ideia dos consensos e nos seus programas e discursos se preocupem, acima de tudo, em apresentar projectos que sejam percepcionados pelos eleitores como se tratando de verdadeiras alternativas, com compromissos determinados e contrastantes. Quando os partidos de poder procuram, a todo o custo, não se comprometer com nada, procurando agradar a “gregos e troianos”, ou, em alternativa, só se comprometem com algo, quando os custos são reduzidos (afinal é para minorar os custos das medidas difíceis que servem os consensos), os eleitores normalmente desmobilizam e tendem a optar ou pela abstenção ou por partidos nos extremos do espectro partidário.
Os problemas que o país enfrenta não se resolvem nem com consensos, nem, no essencial, com alterações do sistema político. Quando a campanha eleitoral já está, de facto, a decorrer, o tempo não deve ser para esses temas. Agora é, acima de tudo, o momento para os partidos se desentenderem, de modo a que fique claro o que pretendem.
Até porque, pelo caminho, ajudam a resolver o problema dos portugueses que, ao quererem simultaneamente consensos inter-partidários e uma maior diferenciação entre os partidos, desejam coisas contraditórias e inconciliáveis. É, aliás, boa altura para os partidos esquecerem um pouco o que os portugueses querem e escolherem o que o país e a democracia precisam: verdadeiras alternativas e capacidade institucional e política de as pôr em prática. Se os partidos assim o fizerem, no futuro, os portugueses encarregar-se-ão de lhes agradecer.
publicado em A Capital
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