Em busca de estabilidade
Os sistemas políticos, por vezes, têm uma inusitada propensão para o abismo. Trinta anos depois do 25 de Abril, pode ser esta a situação da democracia portuguesa. Com as instituições e a classe política descredibilizadas aos olhos dos cidadãos; uma sociedade civil inexistente ou, quando não o é, quase totalmente dependente do Estado; com a economia e a sociedade bloqueadas e as esferas de intermediação (designadamente a comunicação social) quase sem mecanismos de auto-regulação e rendidas à concorrência desenfreada, é para o abismo que podemos estar a caminhar. Acontece que também há momentos em que os sistemas políticos se revelam e procuram contrariar as tendências fortes em que se vão enredando, até porque os eleitores têm pânico do vazio.
De forma mais ou menos consciente, quando em Fevereiro os portugueses forem chamados a votar terão isso em mente, e é neste contexto que poucas palavras passaram a ter um valor político tão fundamental como a estabilidade. De um extremo do espectro partidário ao outro, todos os partidos partirão para as eleições prometendo ser um “referencial e um factor de estabilidade”. É verdade que desde que o desvario santanista se instalou no país a necessidade se tornou mais premente, mas há muito que o sistema político o requeria. Contudo, dá-se o caso da estabilidade não ser algo que se proclama ou que assenta em declarações de fé. Pelo contrário, constrói-se.
Não tenhamos ilusões. Seis anos passados da vitória de Pirro de António Guterres, com dois orçamentos limianos e as duas coligações incidentais de direita que se seguiram ficou claro que, com uma maioria relativa de quem quer que seja, o pântano ameaça ser o habitat natural do sistema político português. O que à primeira vista pode aparentar ser um acidente de percurso, que o tempo resolve, quando ganha lastro, assume contornos perigosos e rapidamente se transveste em final de festa weimariana.
Se, em Fevereiro, novamente nenhum partido ganhar com maioria absoluta, o país corre o risco de chegar a 2009 sem conhecer a face de um governo que possa governar quatro anos seguidos, de acordo com o seu próprio programa eleitoral. Se tal acontecer, estaremos perante já não um mero resultado eleitoral, mas sim o princípio de uma alteração de regime. O tom sebastiânico das últimas intervenções de Cavaco Silva leva, aliás, a crer que este ambiciona ser actor na próxima fase. Uma fase de governos politicamente fracos, com intervenção presidencial forte.
O cenário que se vislumbra é particularmente complexo, tendo em conta que o PS – que não apenas lidera todas as sondagens existentes como, no que é mais relevante, esmaga nas respostas à pergunta “quem acha que vai ganhar?” – tem dificuldades acrescidas em ultrapassar o limiar da maioria relativa. Mesmo com a votação dos partidos de direita no seu mínimo histórico – o que aconteceu nas últimas europeias – há um conjunto importante de círculos eleitorais onde a margem de progressão socialista está bloqueada à direita. Ao mesmo tempo que onde o PS mais pode crescer em número de mandatos é nos distritos que tradicionalmente votam mais à esquerda.
Face a este cenário, o PS e José Sócrates enfrentam um dilema de difícil superação. Têm de inspirar respeitabilidade institucional e estabelecer pontes com sectores relevantes para o funcionamento da economia – da banca, às grandes empresas – e, simultaneamente, não podem dar o flanco à esquerda, abdicando da carga simbólica e das preocupações que mobilizam este eleitorado. Não ir atrás do “canto de sereia” de todos aqueles que tendem a pender para o lado de quem aparenta ir ganhar é, neste momento, não apenas uma necessidade com razões substantivas, como também um requisito táctico.
Com um governo minoritário do PS, ou com uma coligação à esquerda, quer seja governamental, quer de incidência parlamentar, as condições de governabilidade serão reduzidas. Importa, por isso, criar, antes das eleições, as condições efectivas para garantir a estabilidade. Para tal, é preciso que o PS progrida eleitoralmente nos distritos onde o Bloco e o PCP são mais competitivos – em Lisboa, no Porto e em Setúbal.
Nas próximas eleições, ganhar pode ser pouco para o que o país precisa. Sem um governo forte e sem recuperar a estabilidade perdida, dificilmente será possível contrariar alguns dos bloqueios que a sociedade portuguesa enfrenta e recuperar parte da credibilidade institucional entretanto desaparecida. Um programa de governo, mesmo que realista e sem as tentações maximalistas que tudo deitam a perder, pode não servir de nada, se antes não houver a consciência de que para ganhar sozinho, não basta olhar apenas para um dos lados.
publicado em A Capital
De forma mais ou menos consciente, quando em Fevereiro os portugueses forem chamados a votar terão isso em mente, e é neste contexto que poucas palavras passaram a ter um valor político tão fundamental como a estabilidade. De um extremo do espectro partidário ao outro, todos os partidos partirão para as eleições prometendo ser um “referencial e um factor de estabilidade”. É verdade que desde que o desvario santanista se instalou no país a necessidade se tornou mais premente, mas há muito que o sistema político o requeria. Contudo, dá-se o caso da estabilidade não ser algo que se proclama ou que assenta em declarações de fé. Pelo contrário, constrói-se.
Não tenhamos ilusões. Seis anos passados da vitória de Pirro de António Guterres, com dois orçamentos limianos e as duas coligações incidentais de direita que se seguiram ficou claro que, com uma maioria relativa de quem quer que seja, o pântano ameaça ser o habitat natural do sistema político português. O que à primeira vista pode aparentar ser um acidente de percurso, que o tempo resolve, quando ganha lastro, assume contornos perigosos e rapidamente se transveste em final de festa weimariana.
Se, em Fevereiro, novamente nenhum partido ganhar com maioria absoluta, o país corre o risco de chegar a 2009 sem conhecer a face de um governo que possa governar quatro anos seguidos, de acordo com o seu próprio programa eleitoral. Se tal acontecer, estaremos perante já não um mero resultado eleitoral, mas sim o princípio de uma alteração de regime. O tom sebastiânico das últimas intervenções de Cavaco Silva leva, aliás, a crer que este ambiciona ser actor na próxima fase. Uma fase de governos politicamente fracos, com intervenção presidencial forte.
O cenário que se vislumbra é particularmente complexo, tendo em conta que o PS – que não apenas lidera todas as sondagens existentes como, no que é mais relevante, esmaga nas respostas à pergunta “quem acha que vai ganhar?” – tem dificuldades acrescidas em ultrapassar o limiar da maioria relativa. Mesmo com a votação dos partidos de direita no seu mínimo histórico – o que aconteceu nas últimas europeias – há um conjunto importante de círculos eleitorais onde a margem de progressão socialista está bloqueada à direita. Ao mesmo tempo que onde o PS mais pode crescer em número de mandatos é nos distritos que tradicionalmente votam mais à esquerda.
Face a este cenário, o PS e José Sócrates enfrentam um dilema de difícil superação. Têm de inspirar respeitabilidade institucional e estabelecer pontes com sectores relevantes para o funcionamento da economia – da banca, às grandes empresas – e, simultaneamente, não podem dar o flanco à esquerda, abdicando da carga simbólica e das preocupações que mobilizam este eleitorado. Não ir atrás do “canto de sereia” de todos aqueles que tendem a pender para o lado de quem aparenta ir ganhar é, neste momento, não apenas uma necessidade com razões substantivas, como também um requisito táctico.
Com um governo minoritário do PS, ou com uma coligação à esquerda, quer seja governamental, quer de incidência parlamentar, as condições de governabilidade serão reduzidas. Importa, por isso, criar, antes das eleições, as condições efectivas para garantir a estabilidade. Para tal, é preciso que o PS progrida eleitoralmente nos distritos onde o Bloco e o PCP são mais competitivos – em Lisboa, no Porto e em Setúbal.
Nas próximas eleições, ganhar pode ser pouco para o que o país precisa. Sem um governo forte e sem recuperar a estabilidade perdida, dificilmente será possível contrariar alguns dos bloqueios que a sociedade portuguesa enfrenta e recuperar parte da credibilidade institucional entretanto desaparecida. Um programa de governo, mesmo que realista e sem as tentações maximalistas que tudo deitam a perder, pode não servir de nada, se antes não houver a consciência de que para ganhar sozinho, não basta olhar apenas para um dos lados.
publicado em A Capital
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