Sensibilidade, bom senso e estabilidade
Por estes dias, os dois principais partidos portugueses apresentaram os seus programas de governo. Até aqui, o que se conhecia eram os programas eleitorais dos partidos dos extremos e umas quantas promessas avulsas dos restantes partidos. Acontece que de um programa eleitoral a um programa de governo vai uma grande distância. Onde aquele se limita a juntar um conjunto de reivindicações legítimas, mas frequentemente irrealistas, este caracteriza-se, teoricamente, por se tratar de um conjunto coerente de propostas, com sustentabilidade financeira, exequibilidade administrativa e ainda viabilidade política de facto.
A distinção entre programa eleitoral e programa de governo é parte, aliás, da explicação de como chegámos aqui. Para perceber o verdadeiro desastre político que ocorreu nestes últimos três anos é essencial recordar o que se passou nas legislativas de 2002, nomeadamente no que toca a promessas. Até porque votar numa eleições legislativas implica sempre duas coisas: avaliar o que se passou e escolher a melhor opção para o futuro. Sobre o que se passou, verdade seja dita, o essencial das responsabilidades não pode ser assacada a Santana Lopes, mas, sim, a Durão Barroso.
Em Março de 2002, Durão Barroso prometeu tudo a todos. O resultado é conhecido, uma vez chegado ao Governo, meteu as promessas na gaveta e depois, quando percebeu o enredo em que se tinha metido e para onde estava a levar o país, colocou-se literalmente «fresco». Acontece que quando os principais responsáveis políticos assim agem, é a credibilidade de todos agentes do sistema que fica afectada. Se às promessas não cumpridas, somarmos o desastre financeiro, económico e social, temos o quadro perfeito para a deslegitimação crescente do sistema político aos olhos dos portugueses. O resultado tem sido só um: os portugueses acreditam pouco ou nada nos políticos e tendem a desconfiar do que estes lhes prometem.
Ora este contexto exige dos partidos e dos seus dirigentes uma nova atitude face às campanhas eleitorais e ao que nelas se promete fazer. Como é que podemos sair daqui? Como é que se pode contribuir para que a classe política, os partidos e o sistema ganhem um novo capital de credibilidade?
Antes de mais, desenvolvendo processos de formulação de políticas mais próximos dos das democracias institucionalizadas. Processos assentes em três fases, com responsabilidades repartidas por diversos actores. Uma primeira fase a que se poderia chamar de «científica», em que se analisariam os problemas e se revelaria a realidade. Uma segunda fase, onde a «comunidade dos agentes» discutiria as receitas e as soluções para os problemas previamente identificados, naturalmente com base em visões político-ideológicas. E, finalmente, a fase da «retórica política» - o momento para se determinar as oportunidades de agir ou não. As alterações do calendário eleitoral levaram a que ainda não tenha sido desta que os partidos tenham procurado desenvolver um processo de formulação de políticas deste tipo, aproveitando para enfrentar um problema grave da sociedade portuguesa: a confusão entre estas diversas fases e a promiscuidade entre os seus actores principais (muitos dos quais, aliás, participam nos vários momentos, ocupando frequentemente lugares contraditórios).
Depois, prometer pouco e falar verdade.
O contexto actual é, aliás, propício a que isso aconteça. Mais do que nunca os portugueses estão dispostos a aceitar políticas difíceis. Por estranho que possa parecer, prometer pouco é hoje uma opção triplamente virtuosa. Ao não diluir as propostas centrais num mar de promessas para todos e a propósito de tudo, permite identificar com precisão o que é que os partidos pretendem de facto fazer; contribui para (re)legitimar a acção do poder político aos olhos dos cidadãos - afinal, «os políticos prometem e cumprem» -; e, no fim, ainda compensa eleitoralmente.
Daqui a três semanas os portugueses devem escolher entre quem promete um mundo dourado e perfeito, que depois será incapaz de concretizar, e entre quem seja capaz de definir um conjunto limitado e realista de objectivos e que revele vontade política para os concretizar. Face ao estado a que o País chegou, a isto há que somar sensibilidade na escolha das áreas prioritárias de intervenção reformista, bom senso na forma como se colocam em prática as políticas e estabilidade institucional na gestão da coisa pública. Parece pouco, mas é um ponto de partida decisivo para aquilo que o país precisa e que, ainda que não sendo motivador de grandes entusiasmos públicos, deveria estar implícito num bom programa de governo.
publicado em A Capital
A distinção entre programa eleitoral e programa de governo é parte, aliás, da explicação de como chegámos aqui. Para perceber o verdadeiro desastre político que ocorreu nestes últimos três anos é essencial recordar o que se passou nas legislativas de 2002, nomeadamente no que toca a promessas. Até porque votar numa eleições legislativas implica sempre duas coisas: avaliar o que se passou e escolher a melhor opção para o futuro. Sobre o que se passou, verdade seja dita, o essencial das responsabilidades não pode ser assacada a Santana Lopes, mas, sim, a Durão Barroso.
Em Março de 2002, Durão Barroso prometeu tudo a todos. O resultado é conhecido, uma vez chegado ao Governo, meteu as promessas na gaveta e depois, quando percebeu o enredo em que se tinha metido e para onde estava a levar o país, colocou-se literalmente «fresco». Acontece que quando os principais responsáveis políticos assim agem, é a credibilidade de todos agentes do sistema que fica afectada. Se às promessas não cumpridas, somarmos o desastre financeiro, económico e social, temos o quadro perfeito para a deslegitimação crescente do sistema político aos olhos dos portugueses. O resultado tem sido só um: os portugueses acreditam pouco ou nada nos políticos e tendem a desconfiar do que estes lhes prometem.
Ora este contexto exige dos partidos e dos seus dirigentes uma nova atitude face às campanhas eleitorais e ao que nelas se promete fazer. Como é que podemos sair daqui? Como é que se pode contribuir para que a classe política, os partidos e o sistema ganhem um novo capital de credibilidade?
Antes de mais, desenvolvendo processos de formulação de políticas mais próximos dos das democracias institucionalizadas. Processos assentes em três fases, com responsabilidades repartidas por diversos actores. Uma primeira fase a que se poderia chamar de «científica», em que se analisariam os problemas e se revelaria a realidade. Uma segunda fase, onde a «comunidade dos agentes» discutiria as receitas e as soluções para os problemas previamente identificados, naturalmente com base em visões político-ideológicas. E, finalmente, a fase da «retórica política» - o momento para se determinar as oportunidades de agir ou não. As alterações do calendário eleitoral levaram a que ainda não tenha sido desta que os partidos tenham procurado desenvolver um processo de formulação de políticas deste tipo, aproveitando para enfrentar um problema grave da sociedade portuguesa: a confusão entre estas diversas fases e a promiscuidade entre os seus actores principais (muitos dos quais, aliás, participam nos vários momentos, ocupando frequentemente lugares contraditórios).
Depois, prometer pouco e falar verdade.
O contexto actual é, aliás, propício a que isso aconteça. Mais do que nunca os portugueses estão dispostos a aceitar políticas difíceis. Por estranho que possa parecer, prometer pouco é hoje uma opção triplamente virtuosa. Ao não diluir as propostas centrais num mar de promessas para todos e a propósito de tudo, permite identificar com precisão o que é que os partidos pretendem de facto fazer; contribui para (re)legitimar a acção do poder político aos olhos dos cidadãos - afinal, «os políticos prometem e cumprem» -; e, no fim, ainda compensa eleitoralmente.
Daqui a três semanas os portugueses devem escolher entre quem promete um mundo dourado e perfeito, que depois será incapaz de concretizar, e entre quem seja capaz de definir um conjunto limitado e realista de objectivos e que revele vontade política para os concretizar. Face ao estado a que o País chegou, a isto há que somar sensibilidade na escolha das áreas prioritárias de intervenção reformista, bom senso na forma como se colocam em prática as políticas e estabilidade institucional na gestão da coisa pública. Parece pouco, mas é um ponto de partida decisivo para aquilo que o país precisa e que, ainda que não sendo motivador de grandes entusiasmos públicos, deveria estar implícito num bom programa de governo.
publicado em A Capital
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