Alternativa Pântano
Faz agora três anos que a palavra pântano entrou no léxico político português. A palavra, porque a realidade política está presente desde pelo menos 1999. A partir da vitória de António Guterres nas legislativas, ficou clara a fraca governabilidade do país num contexto de abrandamento económico sem uma maioria sólida. Como é sabido, nos últimos tempos do governo de Guterres, os episódios foram-se sucedendo, dando forma à ideia de incapacidade de decisão. Contudo, o que esteve presente foi, antes, a dificuldade de decidir num contexto político que era avesso ao estabelecimento de pactos que possibilitassem a tomada de medidas impopulares e difíceis.
Este cenário faz parte da história. No entanto, em Fevereiro de 2005 estamos confrontados com um contexto político que pode trazer um síndroma semelhante. O problema é que apresenta sintomas bem mais graves. Tem, nesse aspecto, razão a miserável campanha que tem sido levada a cabo pelo PSD: “Os portugueses não querem que eles voltem”. Acontece que o “eles” não são aqueles que tiveram responsabilidades políticas de 1995 a 2002. O que os portugueses não querem que voltem são as circunstâncias políticas em que decorreu essa governação.
É que mais do que em 1995 – após dois mandatos absolutos de Cavaco Silva, repletos de autismo e arrogância – quando a ideia de maioria absoluta provocava irritação epidérmica, ou do que em 1999 – depois de quatro anos em que o país viveu uma descompressão de que necessitava –, em 2005 a maioria absoluta é uma necessidade absoluta do sistema. Um bem em si e a única forma viável de enfrentar o pântano, mas, também, os outros males que a ele se têm juntado.
Em trinta anos de democracia, nunca como agora o país conviveu com tantas crises em simultâneo. A crise económica e social, que tem assumido contornos dramáticos e parece todos os dias querer condenar a economia portuguesa e o bem-estar de todos; a crise financeira do Estado, que ameaça hipotecar o futuro do país; a crise de confiança, que revela um país deprimido e desmobilizado; e a crise de legitimidade do sistema político, que mostra o cepticismo e a descrença dos portugueses face à classe política, aos seus discursos e práticas.
O pântano, que no passado remetia essencialmente para a ausência de condições de estabilidade política e de governabilidade, assume hoje uma extensão bem maior e preocupante. O pântano é agora a conjugação de crises que o país enfrenta. Mas ao pântano há que juntar o lamaçal. O lamaçal que é filho do populismo e que, designadamente sob a forma de boatos ou de testemunhos de face escondida tem dado um contributo inestimável para que recaia sobre o sistema político uma suspeição generalizada, levando a que assumir responsabilidades políticas implique alguma coragem.
Têm, por isso, alguma razão os cínicos militantes quando afirmam que a extensão do mal é tal que dificilmente o país poderá inverter a tendência para o abismo que tem demonstrado nos últimos tempos. É certo, aliás, que ninguém tem revelado (até porque provavelmente não existe) uma resposta global e convincente para o problema. Nem mesmo a terapia dos diversos choques parece adequada aos nossos males. Contudo, uma coisa é certa. As margens de manobra que nos restam têm de assentar na possibilidade de alguém governar, independentemente de impopularidades momentâneas ou de condicionalismos negociais.
Ninguém duvidará que a economia precisa de crescer, que os equilíbrios sociais têm de ser restabelecidos, que as finanças públicas têm de ser equilibradas e as instituições estabilizadas e dignificadas. Mas, face à extensão e intensidade dos problemas que enfrentamos, a tarefa não será fácil.
Concretizar estes objectivos exige programas, mas requer em absoluto pessoas e pessoas competentes. Ora, quem é que pode estar disponível para assumir responsabilidades governativas num contexto em que as medidas fáceis não podem ser tomadas, porque não há condições económicas para as tomar e as difíceis e necessárias não podem ser levadas a cabo, porque não existem condições políticas para as concretizar? A resposta parece evidente.
Inverter este ciclo não é tarefa para uma legislatura, nem depende, no essencial, da acção dos responsáveis políticos. Vai muito para além disso. Mas começar a inverter este ciclo implica que o sistema político contribua para a sua inversão. Para tal, é necessário um governo estável, de gente competente e com condições políticas para levar a cabo o seu próprio programa. Um governo que não tenha de desperdiçar capital e energia em negociações improdutivas. Por uma vez, estou com os pessimistas profissionais. Em 2005, em Portugal, a alternativa a um governo de maioria absoluta é o pântano. Mas um pântano ainda mais profundo do que aquele que hoje conhecemos e do qual teremos ainda maiores dificuldades em sair.
publicado em A Capital
Este cenário faz parte da história. No entanto, em Fevereiro de 2005 estamos confrontados com um contexto político que pode trazer um síndroma semelhante. O problema é que apresenta sintomas bem mais graves. Tem, nesse aspecto, razão a miserável campanha que tem sido levada a cabo pelo PSD: “Os portugueses não querem que eles voltem”. Acontece que o “eles” não são aqueles que tiveram responsabilidades políticas de 1995 a 2002. O que os portugueses não querem que voltem são as circunstâncias políticas em que decorreu essa governação.
É que mais do que em 1995 – após dois mandatos absolutos de Cavaco Silva, repletos de autismo e arrogância – quando a ideia de maioria absoluta provocava irritação epidérmica, ou do que em 1999 – depois de quatro anos em que o país viveu uma descompressão de que necessitava –, em 2005 a maioria absoluta é uma necessidade absoluta do sistema. Um bem em si e a única forma viável de enfrentar o pântano, mas, também, os outros males que a ele se têm juntado.
Em trinta anos de democracia, nunca como agora o país conviveu com tantas crises em simultâneo. A crise económica e social, que tem assumido contornos dramáticos e parece todos os dias querer condenar a economia portuguesa e o bem-estar de todos; a crise financeira do Estado, que ameaça hipotecar o futuro do país; a crise de confiança, que revela um país deprimido e desmobilizado; e a crise de legitimidade do sistema político, que mostra o cepticismo e a descrença dos portugueses face à classe política, aos seus discursos e práticas.
O pântano, que no passado remetia essencialmente para a ausência de condições de estabilidade política e de governabilidade, assume hoje uma extensão bem maior e preocupante. O pântano é agora a conjugação de crises que o país enfrenta. Mas ao pântano há que juntar o lamaçal. O lamaçal que é filho do populismo e que, designadamente sob a forma de boatos ou de testemunhos de face escondida tem dado um contributo inestimável para que recaia sobre o sistema político uma suspeição generalizada, levando a que assumir responsabilidades políticas implique alguma coragem.
Têm, por isso, alguma razão os cínicos militantes quando afirmam que a extensão do mal é tal que dificilmente o país poderá inverter a tendência para o abismo que tem demonstrado nos últimos tempos. É certo, aliás, que ninguém tem revelado (até porque provavelmente não existe) uma resposta global e convincente para o problema. Nem mesmo a terapia dos diversos choques parece adequada aos nossos males. Contudo, uma coisa é certa. As margens de manobra que nos restam têm de assentar na possibilidade de alguém governar, independentemente de impopularidades momentâneas ou de condicionalismos negociais.
Ninguém duvidará que a economia precisa de crescer, que os equilíbrios sociais têm de ser restabelecidos, que as finanças públicas têm de ser equilibradas e as instituições estabilizadas e dignificadas. Mas, face à extensão e intensidade dos problemas que enfrentamos, a tarefa não será fácil.
Concretizar estes objectivos exige programas, mas requer em absoluto pessoas e pessoas competentes. Ora, quem é que pode estar disponível para assumir responsabilidades governativas num contexto em que as medidas fáceis não podem ser tomadas, porque não há condições económicas para as tomar e as difíceis e necessárias não podem ser levadas a cabo, porque não existem condições políticas para as concretizar? A resposta parece evidente.
Inverter este ciclo não é tarefa para uma legislatura, nem depende, no essencial, da acção dos responsáveis políticos. Vai muito para além disso. Mas começar a inverter este ciclo implica que o sistema político contribua para a sua inversão. Para tal, é necessário um governo estável, de gente competente e com condições políticas para levar a cabo o seu próprio programa. Um governo que não tenha de desperdiçar capital e energia em negociações improdutivas. Por uma vez, estou com os pessimistas profissionais. Em 2005, em Portugal, a alternativa a um governo de maioria absoluta é o pântano. Mas um pântano ainda mais profundo do que aquele que hoje conhecemos e do qual teremos ainda maiores dificuldades em sair.
publicado em A Capital
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