Para onde nos leva esta campanha?
Gosto de campanhas eleitorais. Mas, desta feita, vejo várias vantagens em estar literalmente a 2.500 quilómetros de distância. Ainda assim, mesmo longe, confesso que o essencial da campanha tem-me chegado. Tenho as várias caixas de e-mails cheias do essencial da campanha: boatos. Boatos que não começaram agora e que se inserem numa táctica com contornos mais organizados do que aparenta e que já dura há algum tempo - tendo aliás, no passado recente, atingido outras pessoas de modo particularmente brutal. Confesso que já esperava que os boatos fossem usados como arma de campanha. Afinal, o facto de terem sido lançados com antecedência e de forma sistemática já o antecipava. O que não esperava é que o candidato do PSD a primeiro-ministro lhes desse eco de forma torpe.
Há que reconhecer, no entanto, que esse passo em frente foi apenas a cereja no topo de um bolo que já vinha sendo cozinhado. O PSD tem assentado o fundamental da sua acção numa campanha negativa, de contornos relativamente inéditos entre nós. Se pensarmos apenas nos outdoors, vemos que todos têm uma lógica de crítica ao PS e, pasme-se, até ao Bloco de Esquerda. É certo que houve uma tentativa de lançar um cartaz com uma imagem positiva, acontece que foi impedida por Cavaco Silva.
Ora em Portugal nunca aconteceu que o essencial da campanha de qualquer um dos dois maiores partidos assentasse em denegrir o principal adversário. Campanhas negativas sempre as houve, mas, no passado, circunscreviam-se, por exemplo, ao PP e ao Bloco - ou seja, aos partidos das margens. E o que é a utilização do boato senão a forma mais vil e rasteira de campanha negativa?
Estas coisas não surgem do nada. E na verdade, também neste caso, já havia um lastro, que foi agora elevado a um novo patamar. Quer com a campanha de Santana Lopes para a Câmara de Lisboa, quer nas anteriores legislativas com Durão Barroso, a marca já estava lá. A marca da irresponsabilidade nas promessas (uma piscina por freguesia, convém não esquecer, prometiam os cartazes de Santana Lopes em Lisboa) e a lama demagógica (os cartazes das crianças a questionar os avós sobre as listas de espera nos hospitais, com Durão Barroso). Também nas últimas europeias - recorde-se, ainda com Durão Barroso -, a coligação de direita, mesmo estando no poder, optou por uma campanha de ataque sistemático ao PS, com outdoors de resposta directa pela negativa e com a mesma lógica de reportar ao passado, que foi agora seguida com os novos outdoors em que surgem figuras dos governos de António Guterres.
Trata-se no fundo da importação via Brasil da lógica dominante nas campanhas políticas norte-americanas. Nestas, o "bota-abaixismo" é uma arma muito importante e lançar lama sobre o adversário altamente compensador.
No frente-a-frente desta semana, Santana Lopes reconheceu mesmo a importação do modelo. Quando confrontado por Sócrates com os cartazes da JSD onde este aparece, acompanhado pela pergunta - sabe mesmo quem é? - afirmou, sem pruridos, que esse tipo de campanha é normal na democracia norte-americana. É normal, mas é também lamentável. É algo que não deveria ser importado e que viola o conjunto de regras em que deveria assentar o jogo democrático.
Em Portugal, nesta campanha, passou-se a linha de fronteira da decência e, como é sabido, quando esse passo é dado, raramente se consegue voltar ao lugar de partida. Desse ponto de vista, nada será como dantes na política portuguesa depois da experiência santanista. Pode haver quem ache que se tratou de uma vacina contra o populismo. Acontece que o mais provável é que o populismo seja um vírus que uma vez entrado no sistema não mais o abandona, ainda que possa enfrentar períodos de quarentena.
Muito se tem dito sobre a forma como a experiência santanista e esta campanha em particular estão a alterar o PSD, transformando-o num partido de uma outra natureza. Os mais optimistas julgam que depois da noite de 20 de Fevereiro a normalidade regressará ao partido. Temo que este prognóstico benévolo não se concretize. É que sendo verdade que a campanha de Santana Lopes está a ser particularmente arrojada do ponto de vista do "bota-abaixismo", no fundo, limita-se a dar continuidade, ainda que a um novo nível, ao que já vinha sendo feito com Durão Barroso. Por outro lado, os partidos, como qualquer instituição, têm sempre uma significativa inércia face à mudança. Uma vez instalado um conjunto de agentes e de mecanismos, substitui-los é sempre muito difícil. E a verdade é que a lógica santanista se instalou na máquina e nas práticas do PSD. Saber até que ponto vai ser possível demove-lo é uma das questões decisivas para o pós-20 de Fevereiro. Decisiva para o PSD, mas essencialmente para a saúde da democracia portuguesa.
publicado em A Capital
Há que reconhecer, no entanto, que esse passo em frente foi apenas a cereja no topo de um bolo que já vinha sendo cozinhado. O PSD tem assentado o fundamental da sua acção numa campanha negativa, de contornos relativamente inéditos entre nós. Se pensarmos apenas nos outdoors, vemos que todos têm uma lógica de crítica ao PS e, pasme-se, até ao Bloco de Esquerda. É certo que houve uma tentativa de lançar um cartaz com uma imagem positiva, acontece que foi impedida por Cavaco Silva.
Ora em Portugal nunca aconteceu que o essencial da campanha de qualquer um dos dois maiores partidos assentasse em denegrir o principal adversário. Campanhas negativas sempre as houve, mas, no passado, circunscreviam-se, por exemplo, ao PP e ao Bloco - ou seja, aos partidos das margens. E o que é a utilização do boato senão a forma mais vil e rasteira de campanha negativa?
Estas coisas não surgem do nada. E na verdade, também neste caso, já havia um lastro, que foi agora elevado a um novo patamar. Quer com a campanha de Santana Lopes para a Câmara de Lisboa, quer nas anteriores legislativas com Durão Barroso, a marca já estava lá. A marca da irresponsabilidade nas promessas (uma piscina por freguesia, convém não esquecer, prometiam os cartazes de Santana Lopes em Lisboa) e a lama demagógica (os cartazes das crianças a questionar os avós sobre as listas de espera nos hospitais, com Durão Barroso). Também nas últimas europeias - recorde-se, ainda com Durão Barroso -, a coligação de direita, mesmo estando no poder, optou por uma campanha de ataque sistemático ao PS, com outdoors de resposta directa pela negativa e com a mesma lógica de reportar ao passado, que foi agora seguida com os novos outdoors em que surgem figuras dos governos de António Guterres.
Trata-se no fundo da importação via Brasil da lógica dominante nas campanhas políticas norte-americanas. Nestas, o "bota-abaixismo" é uma arma muito importante e lançar lama sobre o adversário altamente compensador.
No frente-a-frente desta semana, Santana Lopes reconheceu mesmo a importação do modelo. Quando confrontado por Sócrates com os cartazes da JSD onde este aparece, acompanhado pela pergunta - sabe mesmo quem é? - afirmou, sem pruridos, que esse tipo de campanha é normal na democracia norte-americana. É normal, mas é também lamentável. É algo que não deveria ser importado e que viola o conjunto de regras em que deveria assentar o jogo democrático.
Em Portugal, nesta campanha, passou-se a linha de fronteira da decência e, como é sabido, quando esse passo é dado, raramente se consegue voltar ao lugar de partida. Desse ponto de vista, nada será como dantes na política portuguesa depois da experiência santanista. Pode haver quem ache que se tratou de uma vacina contra o populismo. Acontece que o mais provável é que o populismo seja um vírus que uma vez entrado no sistema não mais o abandona, ainda que possa enfrentar períodos de quarentena.
Muito se tem dito sobre a forma como a experiência santanista e esta campanha em particular estão a alterar o PSD, transformando-o num partido de uma outra natureza. Os mais optimistas julgam que depois da noite de 20 de Fevereiro a normalidade regressará ao partido. Temo que este prognóstico benévolo não se concretize. É que sendo verdade que a campanha de Santana Lopes está a ser particularmente arrojada do ponto de vista do "bota-abaixismo", no fundo, limita-se a dar continuidade, ainda que a um novo nível, ao que já vinha sendo feito com Durão Barroso. Por outro lado, os partidos, como qualquer instituição, têm sempre uma significativa inércia face à mudança. Uma vez instalado um conjunto de agentes e de mecanismos, substitui-los é sempre muito difícil. E a verdade é que a lógica santanista se instalou na máquina e nas práticas do PSD. Saber até que ponto vai ser possível demove-lo é uma das questões decisivas para o pós-20 de Fevereiro. Decisiva para o PSD, mas essencialmente para a saúde da democracia portuguesa.
publicado em A Capital
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