Habituem-se todos
“Este Governo não será formado nem na comunicação social, nem pela comunicação social”. Foi isto mais ou menos que António Vitorino disse, na noite eleitoral, quando questionado sobre a sua eventual participação no governo. Acrescentou ainda um “habituem-se”. Não sei se premeditado ou não, a verdade é que esta frase acabou por ser o primeiro dos sinais políticos do novo governo. É que contrariamente ao expectável e ao habitual, aquilo a que assistimos foi a uma gestão da concepção orgânica do governo, bem como dos nomes dos ministros feita com discrição e reserva.
O facto de ter sido esta a primeira imagem dada pelo novo primeiro-ministro é um sinal muito positivo, até porque como é sabido “não há segundas oportunidades para causar uma primeira impressão”. E o que aqui que se trata não é apenas de uma primeira impressão, mas, sim, de um sinal de ruptura com o passado recente e, espera-se, também de mudança na relação entre política e comunicação social tal como a conhecemos em Portugal.
É sobejamente sabido que Santana Lopes começou a cair, exactamente, pela sua relação claustrofóbica e doentia com os media. O mundo de Santana Lopes circunscrevia-se ao que acontecia na comunicação social. O resto parecia não existir. Foi assim que a mesma comunicação social que o levou ao “colo” durante anos a fio, rapidamente o destruiu. Os primeiros dias do curto, mas intenso e trágico consulado de Santana Lopes foram disso reveladores. Primeiro era um governo mais pequeno, depois a desconcentração dos ministérios, ainda houve tempo para um desfilar de nomes nos jornais e tudo acabou por não se concretizar como prometido pelo então primeiro-ministro indigitado ou pelas suas fontes próximas. O descalabro começou no momento inicial. Desse ponto de vista, o início de José Sócrates não podia ter sido mais contrastante.
Mas o processo de formação deste governo representa também uma ruptura com as práticas dominantes no Guterrismo e com o que é habitual no PS – onde normalmente tudo se sabe na comunicação social ainda antes de acontecer. E se para José Sócrates ser contrastante com Santana Lopes é importante, não é menos verdade que distanciar-se do Guterrismo é um passo necessário para a afirmação do seu projecto político. E a este nível, as questões simbólicas e processuais são fundamentais para a diferenciação do novo governo face aos anteriores executivos socialistas.
No entanto, um dos aspectos mais relevantes da formação do governo gerida com secretismo e reserva tem a ver com o papel da comunicação social. Depois de nos dias iniciais os media terem lançado para o ar uns quantos nomes de ministeriáveis –naquilo que é a sua prática habitual de “lançar barro à parede” –, face à ausência de reacções e ao silêncio que obtiveram como resposta, as secções de política nacional ficaram literalmente vazias. Não totalmente, pois foram surgindo notícias sobre as lutas internas do PSD. Notícias feitas e baseadas em fontes anónimas, próximas e que são simétricas ao que aconteceria se o Governo tivesse sido formado nos moldes tradicionais.
Ao não alimentar a imprensa com as notícias de que preguiçosamente a imprensa vive, José Sócrates colocou uma importante pressão sobre a comunicação social. O que leva a pensar que se esta forma de actuação continuar, a comunicação social ver-se-á obrigada a compensar o vazio de intriga e de boatos com verdadeiras notícias: substantivas e com relevância. Para tal era fundamental, por exemplo, que do noticiário político desaparecessem as fontes anónimas, ou pelo menos as notícias que delas dependem inteiramente.
Por ter assumido uma ruptura com o Santanismo e também com o Guterrismo e por se ter relacionado de modo diferente com comunicação social, começa por bom caminho o novo governo. Mas o início nada é comparado com o que aí vem. E para o que aí vem era fundamental que todos se habituassem a uma nova relação entre política e comunicação social. O processo de formação deste governo é um exemplo de uma prática de que ambas as partes beneficiariam. Governe agora o governo com a mesma discrição.
publicado em A Capital
O facto de ter sido esta a primeira imagem dada pelo novo primeiro-ministro é um sinal muito positivo, até porque como é sabido “não há segundas oportunidades para causar uma primeira impressão”. E o que aqui que se trata não é apenas de uma primeira impressão, mas, sim, de um sinal de ruptura com o passado recente e, espera-se, também de mudança na relação entre política e comunicação social tal como a conhecemos em Portugal.
É sobejamente sabido que Santana Lopes começou a cair, exactamente, pela sua relação claustrofóbica e doentia com os media. O mundo de Santana Lopes circunscrevia-se ao que acontecia na comunicação social. O resto parecia não existir. Foi assim que a mesma comunicação social que o levou ao “colo” durante anos a fio, rapidamente o destruiu. Os primeiros dias do curto, mas intenso e trágico consulado de Santana Lopes foram disso reveladores. Primeiro era um governo mais pequeno, depois a desconcentração dos ministérios, ainda houve tempo para um desfilar de nomes nos jornais e tudo acabou por não se concretizar como prometido pelo então primeiro-ministro indigitado ou pelas suas fontes próximas. O descalabro começou no momento inicial. Desse ponto de vista, o início de José Sócrates não podia ter sido mais contrastante.
Mas o processo de formação deste governo representa também uma ruptura com as práticas dominantes no Guterrismo e com o que é habitual no PS – onde normalmente tudo se sabe na comunicação social ainda antes de acontecer. E se para José Sócrates ser contrastante com Santana Lopes é importante, não é menos verdade que distanciar-se do Guterrismo é um passo necessário para a afirmação do seu projecto político. E a este nível, as questões simbólicas e processuais são fundamentais para a diferenciação do novo governo face aos anteriores executivos socialistas.
No entanto, um dos aspectos mais relevantes da formação do governo gerida com secretismo e reserva tem a ver com o papel da comunicação social. Depois de nos dias iniciais os media terem lançado para o ar uns quantos nomes de ministeriáveis –naquilo que é a sua prática habitual de “lançar barro à parede” –, face à ausência de reacções e ao silêncio que obtiveram como resposta, as secções de política nacional ficaram literalmente vazias. Não totalmente, pois foram surgindo notícias sobre as lutas internas do PSD. Notícias feitas e baseadas em fontes anónimas, próximas e que são simétricas ao que aconteceria se o Governo tivesse sido formado nos moldes tradicionais.
Ao não alimentar a imprensa com as notícias de que preguiçosamente a imprensa vive, José Sócrates colocou uma importante pressão sobre a comunicação social. O que leva a pensar que se esta forma de actuação continuar, a comunicação social ver-se-á obrigada a compensar o vazio de intriga e de boatos com verdadeiras notícias: substantivas e com relevância. Para tal era fundamental, por exemplo, que do noticiário político desaparecessem as fontes anónimas, ou pelo menos as notícias que delas dependem inteiramente.
Por ter assumido uma ruptura com o Santanismo e também com o Guterrismo e por se ter relacionado de modo diferente com comunicação social, começa por bom caminho o novo governo. Mas o início nada é comparado com o que aí vem. E para o que aí vem era fundamental que todos se habituassem a uma nova relação entre política e comunicação social. O processo de formação deste governo é um exemplo de uma prática de que ambas as partes beneficiariam. Governe agora o governo com a mesma discrição.
publicado em A Capital
<< Home