O PSD e a refundação da direita
E, de repente, a direita resolveu refundar-se. Perdido o combate político, remeteu-se ao combate cultural. Acontece que a direita portuguesa, em certa medida, já se havia refundado, aquando da vitória de Durão Barroso e com o governo de coligação PSD/CDS.
Na realidade, desde pelo menos 2002, que a direita em Portugal, particularmente o PSD, passou a ser diferente. Representando interesses e valores distintos daqueles a que tradicionalmente dava corpo. Com a chegada ao poder de Durão Barroso foram introduzidas, na disputa política, várias das características de uma nova direita. Em 2002 assistimos, pela primeira vez, à utilização, de forma generalizada, do marketing político violento e negativo. Depois da vitória eleitoral, vimos a reconstrução da agenda governativa do PSD – através da combinação do peso excessivo do CDS na definição do rumo político-ideológico do governo, com a chegada ao poder de uma nova geração no PSD.
Três anos de governo revelaram uma direita mais ideologizada (o alinhamento com George Bush), mais insensível socialmente (o misto de conservadorismo social e dinâmica desreguladora nas políticas sociais) e mais neo-liberal economicamente (a fixação financista). Em traços largos foi este o programa da coligação Durão Barroso/Paulo Portas. Um programa bastante diferente da tradição dos governos PSD, com Cavaco Silva. O programa de uma direita refundada.
Os efeitos da aplicação deste programa são conhecidos. Profundo desajustamento face à sociedade portuguesa, insensibilidade social e incapacidade de cumprir as metas previamente definidas – de que o exemplo mais acabado é o descalabro na gestão das contas públicas. O resultado foi duas derrotas eleitorais estrondosas. A primeira, ainda com Durão Barroso e a segunda, já com Santana Lopes. É verdade que passou a ser conveniente responsabilizar Santana Lopes por todos os males. Mas, no essencial, a estratégia começou com Durão Barroso. E foi essa estratégia que desmobilizou o eleitorado que tradicionalmente votava PSD. Santana Lopes ajudou à festa, mas o problema já vinha de trás.
Era sobre isto que a direita portuguesa deveria andar a pensar. Mas não. Face ao sucedido, em lugar de inverter caminho, a direita parece preferir deixar de ser portuguesa e ser apenas mais de direita, à imagem da “revolução” neo-conservadora norte-americana. Tudo legítimo. Não fora o problema de a direita portuguesa, ao deixar de ser portuguesa correr o risco sério de intensificar o seu definhamento eleitoral.
Em Portugal, por contingências históricas e da estrutura social, não há, por exemplo, uma tradição liberal à direita. E se a direita for contra a sua própria tradição, perde no mercado eleitoral e torna-se politicamente ainda mais irrelevante. Pode ser muito estimulante do ponto de vista intelectual, mas, como todas as ideologias importadas, que forçam a entrada numa realidade social estranha, rapidamente se revelará política e eleitoralmente trágico.
Deste ponto de vista, o congresso do PSD é relevante e nele há dois caminhos que podem ser seguidos. Um que implica responsabilizar Santana Lopes pelo descalabro eleitoral e reconstruir o partido regressando ao antes de Santana. Uma táctica fácil e de compromisso, mas que levará a que, mais cedo ou mais tarde, os erros dos últimos anos sejam repetidos, entre eles o “desvio de direita”. A alternativa é levar a cabo um movimento de “back to basics” – no caso, regressando à matriz tradicional do PSD. O problema é que esta estratégia implica várias rupturas, todas elas difíceis.
Antes de mais, a ruptura com o caldo cultural em que a direita hoje vive. A questão é que o PSD esvaziou-se ideologicamente e não tem hoje capacidade contra-hegemónica face ao neo-conservadorismo à portuguesa, para o qual tem sido empurrado pelo CDS. E, principalmente, uma ruptura com a geração que tem dominado o PSD nos últimos anos. Uma geração moldada pelo poder recente e com uma matriz ideológica economicamente liberal e socialmente conservadora.
Com uma maioria absoluta do PS, com o espectro de António Borges a pairar e com a imagem de que foi uma segunda escolha – para durar apenas o tempo necessário – Marques Mendes terá poucas condições para ser um líder com capacidade de fazer estas rupturas. Sem poder para distribuir, dificilmente poderá ter uma estratégia. Pode até proclamar uma vontade de recentrar o partido, mas não passará de uma proclamação. Claro que há para a esquerda um problema: como o passado recente nos diz, em política tudo muda muito rapidamente. E com as presidenciais muita coisa pode mudar.
publicado em A Capital
Na realidade, desde pelo menos 2002, que a direita em Portugal, particularmente o PSD, passou a ser diferente. Representando interesses e valores distintos daqueles a que tradicionalmente dava corpo. Com a chegada ao poder de Durão Barroso foram introduzidas, na disputa política, várias das características de uma nova direita. Em 2002 assistimos, pela primeira vez, à utilização, de forma generalizada, do marketing político violento e negativo. Depois da vitória eleitoral, vimos a reconstrução da agenda governativa do PSD – através da combinação do peso excessivo do CDS na definição do rumo político-ideológico do governo, com a chegada ao poder de uma nova geração no PSD.
Três anos de governo revelaram uma direita mais ideologizada (o alinhamento com George Bush), mais insensível socialmente (o misto de conservadorismo social e dinâmica desreguladora nas políticas sociais) e mais neo-liberal economicamente (a fixação financista). Em traços largos foi este o programa da coligação Durão Barroso/Paulo Portas. Um programa bastante diferente da tradição dos governos PSD, com Cavaco Silva. O programa de uma direita refundada.
Os efeitos da aplicação deste programa são conhecidos. Profundo desajustamento face à sociedade portuguesa, insensibilidade social e incapacidade de cumprir as metas previamente definidas – de que o exemplo mais acabado é o descalabro na gestão das contas públicas. O resultado foi duas derrotas eleitorais estrondosas. A primeira, ainda com Durão Barroso e a segunda, já com Santana Lopes. É verdade que passou a ser conveniente responsabilizar Santana Lopes por todos os males. Mas, no essencial, a estratégia começou com Durão Barroso. E foi essa estratégia que desmobilizou o eleitorado que tradicionalmente votava PSD. Santana Lopes ajudou à festa, mas o problema já vinha de trás.
Era sobre isto que a direita portuguesa deveria andar a pensar. Mas não. Face ao sucedido, em lugar de inverter caminho, a direita parece preferir deixar de ser portuguesa e ser apenas mais de direita, à imagem da “revolução” neo-conservadora norte-americana. Tudo legítimo. Não fora o problema de a direita portuguesa, ao deixar de ser portuguesa correr o risco sério de intensificar o seu definhamento eleitoral.
Em Portugal, por contingências históricas e da estrutura social, não há, por exemplo, uma tradição liberal à direita. E se a direita for contra a sua própria tradição, perde no mercado eleitoral e torna-se politicamente ainda mais irrelevante. Pode ser muito estimulante do ponto de vista intelectual, mas, como todas as ideologias importadas, que forçam a entrada numa realidade social estranha, rapidamente se revelará política e eleitoralmente trágico.
Deste ponto de vista, o congresso do PSD é relevante e nele há dois caminhos que podem ser seguidos. Um que implica responsabilizar Santana Lopes pelo descalabro eleitoral e reconstruir o partido regressando ao antes de Santana. Uma táctica fácil e de compromisso, mas que levará a que, mais cedo ou mais tarde, os erros dos últimos anos sejam repetidos, entre eles o “desvio de direita”. A alternativa é levar a cabo um movimento de “back to basics” – no caso, regressando à matriz tradicional do PSD. O problema é que esta estratégia implica várias rupturas, todas elas difíceis.
Antes de mais, a ruptura com o caldo cultural em que a direita hoje vive. A questão é que o PSD esvaziou-se ideologicamente e não tem hoje capacidade contra-hegemónica face ao neo-conservadorismo à portuguesa, para o qual tem sido empurrado pelo CDS. E, principalmente, uma ruptura com a geração que tem dominado o PSD nos últimos anos. Uma geração moldada pelo poder recente e com uma matriz ideológica economicamente liberal e socialmente conservadora.
Com uma maioria absoluta do PS, com o espectro de António Borges a pairar e com a imagem de que foi uma segunda escolha – para durar apenas o tempo necessário – Marques Mendes terá poucas condições para ser um líder com capacidade de fazer estas rupturas. Sem poder para distribuir, dificilmente poderá ter uma estratégia. Pode até proclamar uma vontade de recentrar o partido, mas não passará de uma proclamação. Claro que há para a esquerda um problema: como o passado recente nos diz, em política tudo muda muito rapidamente. E com as presidenciais muita coisa pode mudar.
publicado em A Capital
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