O problema da tenaz
A discussão em torno da legislação laboral revela, como poucas outras, a dicotomia presente na sociedade portuguesa entre, por um lado, conservadores de várias cores políticas e, por outro, radicais liberais. A sessão parlamentar de ontem e a apresentação, pelo PCP e pelo BE, de dois projectos de lei, com vista à revogação do actual Código do Trabalho, fez regressar este tipo de debate.
Na anterior legislatura, o Código do Trabalho foi, simultaneamente, arma de arremesso ideológico e panaceia para quase todos os males da competitividade nacional. Hoje, os seus resultados são, em alguma medida, conhecidos. Para além da propaganda, o número de transformações consequentes foi reduzido. Antes de mais porque, como lembrou ainda recentemente a OCDE, nem sequer foi cumprido o seu propósito primeiro, tantas vezes proclamado: na verdade, a redução da rigidez laboral foi marginal.
Ainda assim, enquanto, em algumas áreas, o Código do Trabalho mudou menos do que apregoava, noutras levou a cabo uma ofensiva estéril, motivada apenas por um desgastante combate ideológico, que a ninguém serviu e que não interveio junto dos factores relevantes para a modernização do mercado de trabalho. Mas houve, de facto, uma área onde o Código do Trabalho mudou alguma coisa: na contratação colectiva. Em 2004 o número de convenções publicadas diminui para metade face ao ano anterior. Ora, é sabido que grande parte das experiências inovadoras ao nível das relações de trabalho assenta na valorização da contratação colectiva. Em Portugal, assistiu-se exactamente ao contrário, a um desmantelar da contratação colectiva.
Em 2005, com uma nova maioria parlamentar, o debate regressou. E regressou em moldes semelhantes. De um lado, estão aqueles que acham que todo o trabalho deve ser deitado fora e, por isso, pedem a revogação do Código. De outro, estão os que acham que tudo vai bem, e que nada deve ser mudado. No entanto, no meio, persistem os problemas do nosso mercado de trabalho. Uma forte rigidez da legislação que coexiste com uma prática de significativa flexibilidade, acompanhada de fraca protecção social e, ainda, de baixa autonomia do diálogo social. Na prática, este quadro traduz-se em ilegalidade e precariedade.
Neste contexto, o caminho para uma terceira via, que se demarque do imobilismo da velha esquerda e do voluntarismo preconceituoso da direita, é estreito. Em Portugal, nesta como em muitas outras áreas, há uma tenaz que aperta aqueles que querem seguir um caminho modernizador, de compatibilização de direitos de cidadania de quem trabalha com as necessidades de adaptação das empresas às novas exigências da competitividade. A inexistência de uma coligação político-social que supere a dicotomia entre os que querem preservar os empregos tal como eles existem (algo que o tempo se encarregará de demonstrar impossível) e aqueles que querem que o mercado, por si só, seja a força motriz por detrás das transformações necessárias, é um importante bloqueio à mudança.
E Portugal precisa de fazer evoluir o seu modelo para um padrão de maior flexibilidade formal, mas em que a prática nas relações laborais corresponda, de facto, à norma. No entanto, tal só pode ser feito se a flexibilidade for combinada com mais protecção social e maior autonomia no diálogo entre parceiros. No fundo, adaptando à sociedade portuguesa o princípio da flexigurança – que foi parte do segredo do sucesso de alguns pequenos países europeus, mais avançados económica e socialmente. Países onde os trabalhadores não são o elo fraco dos processos de adaptabilidade das empresas e onde é possível compatibilizar segurança com flexibilidade na criação de novos postos de trabalho.
Com a autonomia que resulta de uma maioria absoluta, o governo tem condições únicas para superar a tenaz e não alinhar por nenhum dos lados tradicionais, seguindo um caminho modernizador, acima das partes. É, aliás, uma responsabilidade, mas, também, um dever. Começar por mudar apenas o que é urgente mudar na legislação laboral, não cedendo nem ao imobilismo, nem ao maximalismo, é um bom passo inicial. Mas importa ter a consciência que mudanças com maior alcance no modelo de relações laborais se fazem na fase ascendente do ciclo económico. Fazê-lo agora revelaria insensatez política e serviria apenas para que o diálogo social se visse, mais uma vez, paralisado por uma conflitualidade estéril.
publicado no Diário Económico
Na anterior legislatura, o Código do Trabalho foi, simultaneamente, arma de arremesso ideológico e panaceia para quase todos os males da competitividade nacional. Hoje, os seus resultados são, em alguma medida, conhecidos. Para além da propaganda, o número de transformações consequentes foi reduzido. Antes de mais porque, como lembrou ainda recentemente a OCDE, nem sequer foi cumprido o seu propósito primeiro, tantas vezes proclamado: na verdade, a redução da rigidez laboral foi marginal.
Ainda assim, enquanto, em algumas áreas, o Código do Trabalho mudou menos do que apregoava, noutras levou a cabo uma ofensiva estéril, motivada apenas por um desgastante combate ideológico, que a ninguém serviu e que não interveio junto dos factores relevantes para a modernização do mercado de trabalho. Mas houve, de facto, uma área onde o Código do Trabalho mudou alguma coisa: na contratação colectiva. Em 2004 o número de convenções publicadas diminui para metade face ao ano anterior. Ora, é sabido que grande parte das experiências inovadoras ao nível das relações de trabalho assenta na valorização da contratação colectiva. Em Portugal, assistiu-se exactamente ao contrário, a um desmantelar da contratação colectiva.
Em 2005, com uma nova maioria parlamentar, o debate regressou. E regressou em moldes semelhantes. De um lado, estão aqueles que acham que todo o trabalho deve ser deitado fora e, por isso, pedem a revogação do Código. De outro, estão os que acham que tudo vai bem, e que nada deve ser mudado. No entanto, no meio, persistem os problemas do nosso mercado de trabalho. Uma forte rigidez da legislação que coexiste com uma prática de significativa flexibilidade, acompanhada de fraca protecção social e, ainda, de baixa autonomia do diálogo social. Na prática, este quadro traduz-se em ilegalidade e precariedade.
Neste contexto, o caminho para uma terceira via, que se demarque do imobilismo da velha esquerda e do voluntarismo preconceituoso da direita, é estreito. Em Portugal, nesta como em muitas outras áreas, há uma tenaz que aperta aqueles que querem seguir um caminho modernizador, de compatibilização de direitos de cidadania de quem trabalha com as necessidades de adaptação das empresas às novas exigências da competitividade. A inexistência de uma coligação político-social que supere a dicotomia entre os que querem preservar os empregos tal como eles existem (algo que o tempo se encarregará de demonstrar impossível) e aqueles que querem que o mercado, por si só, seja a força motriz por detrás das transformações necessárias, é um importante bloqueio à mudança.
E Portugal precisa de fazer evoluir o seu modelo para um padrão de maior flexibilidade formal, mas em que a prática nas relações laborais corresponda, de facto, à norma. No entanto, tal só pode ser feito se a flexibilidade for combinada com mais protecção social e maior autonomia no diálogo entre parceiros. No fundo, adaptando à sociedade portuguesa o princípio da flexigurança – que foi parte do segredo do sucesso de alguns pequenos países europeus, mais avançados económica e socialmente. Países onde os trabalhadores não são o elo fraco dos processos de adaptabilidade das empresas e onde é possível compatibilizar segurança com flexibilidade na criação de novos postos de trabalho.
Com a autonomia que resulta de uma maioria absoluta, o governo tem condições únicas para superar a tenaz e não alinhar por nenhum dos lados tradicionais, seguindo um caminho modernizador, acima das partes. É, aliás, uma responsabilidade, mas, também, um dever. Começar por mudar apenas o que é urgente mudar na legislação laboral, não cedendo nem ao imobilismo, nem ao maximalismo, é um bom passo inicial. Mas importa ter a consciência que mudanças com maior alcance no modelo de relações laborais se fazem na fase ascendente do ciclo económico. Fazê-lo agora revelaria insensatez política e serviria apenas para que o diálogo social se visse, mais uma vez, paralisado por uma conflitualidade estéril.
publicado no Diário Económico
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