Há três anos a queimar dinheiro
Num
dos derradeiros artigos que escreveu no Jornal de Negócios, pouco tempo antes
de nos abandonar, o economista João Pinto e Castro resumia com precisão a obra
política de Vítor Gaspar: “queimar dinheiro na praça pública”.
Em
2012 e 2013, o Governo português retirou da economia 15 mil milhões de euros,
através da combinação de um brutal aumento de impostos com cortes na despesa.
Os resultados são os que conhecemos: um corte desta ordem de grandeza
traduziu-se numa diminuição efetiva do défice de 3 mil milhões de euros. Pelo
caminho queimaram-se 12 mil milhões de euros. Talvez esta seja a forma mais
clara de revelar o carácter autodestrutivo de doses massivas e descontroladas
de austeridade. A receita cai, a despesa com proteção social cresce, a economia
colapsa e a dívida e o desemprego não param de subir.
Podemos,
sem dificuldade, atualizar o projeto de queima de dinheiro na praça pública
iniciado em 2011. Os mais de 5 mil milhões de austeridade de 2013 (que
diminuíram para perto de 4 mil milhões por força da decisão economicamente
positiva do Tribunal Constitucional) traduziram-se numa consolidação residual.
A austeridade de 2013 foi toda perdida para a recessão e o défice que transita
para 2014 é, imagine-se, o mesmo que transitou de 2012. Continuou a queimar-se
dinheiro a um ritmo assinalável com as consequências económicas e sociais que
conhecemos.
Muitos
leitores conhecerão um sério aviso epistemológico deixado por Albert Einstein:
“não há nada que seja maior evidência de insanidade do que
fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes”. É esse, no
essencial, o objectivo do Orçamento do Estado para 2014. Depois do que
aconteceu em 2012 e 2013, o Governo prepara-se para fazer a mesma coisa em 2014
mas espera obter resultados diferentes. Partindo de um défice de 5,8%, o
Governo estima reduzir o desequilíbrio orçamental em 2 pontos percentuais, para
4%, com 4 mil milhões de austeridade. Como e porquê? Ninguém sabe. A loucura
prossegue, enquanto assistimos ao espantoso exercício que é queimar dinheiro na
praça pública para satisfazer os desejos sado-masoquistas dos credores.
O
mais provável é estarmos perante uma enorme farsa política. A troika não
aceitou rever as metas do défice, como ambicionava a parte irrevogável do
Governo, mas o Governo age como se isso tivesse acontecido. A meta do défice
será superior à acordada (4%) e, mesmo num cenário otimista, acima da que o
próprio Governo quis que fosse a meta revista (4,5%).
Não
sei se é a troika que gosta de ser enganada ou se é o Governo que pensa que
alguém acredita nesta farsa. Em todo o caso, talvez não fosse má ideia que se
ensaiasse uma explicação para justificar este desvario. Até prova em contrário,
estamos apenas perante um pretexto – que aliás surgiu no decorrer da 5ª
avaliação do memorando – para cortar 5 mil milhões de euros no Estado Social.
No fundo, um Governo incompetente mas eficaz naquilo que é o seu verdadeiro
propósito.
publicado no Expresso de 18 de Outubro
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