O Pai Natal dos partidos
A democracia, como os almoços, não é grátis. Tem custos, alguns deles bem elevados. Como não há democracia sem partidos, desde logo é preciso pagar o funcionamento destes. Não há, a este propósito, pólvora por inventar: ou os partidos são financiados através de uma subvenção pública, assente no esforço contributivo de todos, ou, em alternativa, recolhem fundos privados.
Num país com as nossas tradições, o financiamento público é a melhor forma de, por um lado, impedir a captura do interesse público, mediado pelos partidos, pelos interesses privados financiadores e, por outro, de dificultar a corrupção e a apropriação ilícita por parte de intermediários de fundos destinados aos partidos. Em todos os partidos se contam histórias suficientemente verosímeis que atestam estes dois fenómenos.
Nos últimos anos, deram-se passos correctos: avançou-se para o financiamento com uma subvenção pública que parecia ser suficiente; aumentou-se a fiscalização e a consolidação das contas partidárias e, não menos importante, tudo com o objectivo de economizar nos gastos com campanhas.
Contudo, a semana passada, os deputados reuniram-se para, de surpresa e após todas as audições públicas, darem um passo ao arrepio do que havia sido feito nos últimos anos: aprovaram um aumento em mais de um milhão de euros do limite das entradas em dinheiro vivo nas contas dos partidos, sem necessidade de prestar contas. Ou seja, o que era um limite razoável para acomodar algumas contribuições de militantes e angariações de fundos pagas em numerário, subiu de um tecto de 22 mil euros para mais de 1 milhão de euros. Ao mesmo tempo que a subvenção pública se manteve inalterada, tendo inclusivamente sido aprovada uma derrogação da indexação ao IAS. Mais, ficámos a saber que os orçamentos para campanhas eleitorais vão também subir.
O que os deputados todos, com uma excepção, nos quiseram dizer, em memória do mártir, doador anónimo do CDS/PP, é claro: “que mil Jacintos Capelo Rego floresçam”. Doravante, os partidos voltam a poder ficcionar uma angariação de fundos como forma de dividir montantes não enquadráveis pela lei. Que a necessidade de regularizar as contas da Festa do Avante! – esse momento em que um número de beneméritos da área metropolitana de Lisboa se junta para celebrar a Revolução de Outubro fazendo oferendas em dinheiro vivo – seja invocada é, aliás, do domínio do anedotário nacional.
Bem sei que a expressão autismo foi banida do debate parlamentar. Mas, depois do que se passou na semana passada, e quando deviam estar a ser dados passos para consolidar o financiamento público, aumentar a prestação de contas e para conter os gastos com campanhas, autismo é a única forma de classificar o modo como os deputados lêem os sinais que os portugueses vão dando sobre os partidos portugueses. No fim, fica uma certeza. Para os partidos, Natal é mesmo quando os deputados querem.
publicado no Diário Económico.
Num país com as nossas tradições, o financiamento público é a melhor forma de, por um lado, impedir a captura do interesse público, mediado pelos partidos, pelos interesses privados financiadores e, por outro, de dificultar a corrupção e a apropriação ilícita por parte de intermediários de fundos destinados aos partidos. Em todos os partidos se contam histórias suficientemente verosímeis que atestam estes dois fenómenos.
Nos últimos anos, deram-se passos correctos: avançou-se para o financiamento com uma subvenção pública que parecia ser suficiente; aumentou-se a fiscalização e a consolidação das contas partidárias e, não menos importante, tudo com o objectivo de economizar nos gastos com campanhas.
Contudo, a semana passada, os deputados reuniram-se para, de surpresa e após todas as audições públicas, darem um passo ao arrepio do que havia sido feito nos últimos anos: aprovaram um aumento em mais de um milhão de euros do limite das entradas em dinheiro vivo nas contas dos partidos, sem necessidade de prestar contas. Ou seja, o que era um limite razoável para acomodar algumas contribuições de militantes e angariações de fundos pagas em numerário, subiu de um tecto de 22 mil euros para mais de 1 milhão de euros. Ao mesmo tempo que a subvenção pública se manteve inalterada, tendo inclusivamente sido aprovada uma derrogação da indexação ao IAS. Mais, ficámos a saber que os orçamentos para campanhas eleitorais vão também subir.
O que os deputados todos, com uma excepção, nos quiseram dizer, em memória do mártir, doador anónimo do CDS/PP, é claro: “que mil Jacintos Capelo Rego floresçam”. Doravante, os partidos voltam a poder ficcionar uma angariação de fundos como forma de dividir montantes não enquadráveis pela lei. Que a necessidade de regularizar as contas da Festa do Avante! – esse momento em que um número de beneméritos da área metropolitana de Lisboa se junta para celebrar a Revolução de Outubro fazendo oferendas em dinheiro vivo – seja invocada é, aliás, do domínio do anedotário nacional.
Bem sei que a expressão autismo foi banida do debate parlamentar. Mas, depois do que se passou na semana passada, e quando deviam estar a ser dados passos para consolidar o financiamento público, aumentar a prestação de contas e para conter os gastos com campanhas, autismo é a única forma de classificar o modo como os deputados lêem os sinais que os portugueses vão dando sobre os partidos portugueses. No fim, fica uma certeza. Para os partidos, Natal é mesmo quando os deputados querem.
publicado no Diário Económico.
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