paradoxos sindicais
A manifestação da passada sexta-feira deu azo às habituais acusações de manipulação política do movimento sindical. Mas haverá algo de novo nas últimas contestações? Estamos a assistir a um alargamento da base de apoio do movimento sindical ou, pelo contrário, é uma história com trinta anos?
O mundo sindical português é feito de paradoxos. Enquanto os trabalhadores portugueses atribuem muita importância aos sindicatos na defesa das condições de trabalho, mais de 2/3 não se encontram sindicalizados. Estes dados coexistem com valores muito baixos para a conflitualidade laboral: quando questionados se já fizeram uma greve, mais de 80% dos trabalhadores portugueses afirmam nunca o ter feito. Não por acaso, este padrão tem levado a que, com a excepção da administração pública, se tenha verificado uma diminuição acentuada do número de greves, combinada com uma segmentação crescente dos sectores onde ocorrem (metade das greves são na indústria transformadora). Ainda que seja avisado ter algumas precauções quanto à comparabilidade dos dados europeus, este contexto explica que, quando analisados os dias de trabalho perdidos por conflito laboral, Portugal apresente dos valores mais baixos da União Europeia.
Contudo, como ficou demonstrado mais uma vez na sexta-feira, a aparente baixa relevância dos sindicatos no mundo laboral coexiste com uma muito significativa capacidade de mobilização política do movimento sindical. Enquanto a conflitualidade laboral não é vista como a melhor forma de superar os problemas no mundo do trabalho, a contestação política de base sindical tem uma grande capacidade de mobilização de massas.
A manifestação da CGTP é um exemplo paradigmático: não dependeu de convocação de greves, nem assentou em reivindicações do tipo laboral. A resolução que convocava a manifestação apontava para um "mudar de rumo: mais emprego, salários e direitos". Um programa político que, ao mesmo tempo que implica uma mudança radical, não passa de um enunciar vago de princípios. Aliás, no que é mais um paradoxo, a CGTP tem revelado uma capacidade de mobilização superior em torno de programas políticos amplos do que quando o faz em torno de reivindicações concretas. Basta recordar que quer a nova lei de bases da segurança social, quer o novo código do trabalho, foram muito criticados pela CGTP mas não foram alvo de manifestações populares tão intensas.
Este tipo de afirmação do movimento sindical é arriscado. Ao mesmo tempo que desvaloriza o papel dos sindicatos na defesa concreta dos direitos laborais, politiza a sua acção a níveis que, aumentando a sua capacidade de mobilização, circunscrevem-na a uma base de recrutamento estanque. Independentemente do número de manifestantes que esteve presente em Lisboa, a politização da mobilização sindical restringe este movimento a uma contestação de base política, com efeitos perversos para a afirmação sindical. Aliás, Ulisses Garrido e Carlos Trindade, dois dirigentes não-comunistas da CGTP, chamavam a atenção há meses num artigo no Público para os riscos de uma afirmação sindical baseada num "activismo radical de fracos resultados" e da necessidade da "vida sindical obter sucessos, de infundir confiança aos trabalhadores através da resolução dos seus problemas concretos", (...) "acordando soluções, compromissos, entendimentos".
Dá-se o caso de que, com o aproximar de várias eleições, se intensificará a mobilização sindical através de um activismo radical. Terá esta estratégia resultados? Do ponto de vista eleitoral, certamente que sim. Tendo em conta que os bons resultados eleitorais dependem mais da capacidade de mobilizar o próprio campo do que de captar votos noutros partidos, os partidos que cavalgam esta contestação não deixarão de beneficiar da transformação de movimentações sindicais em mobilização política.
Será isto bom para a promoção de um movimento sindical autónomo em Portugal, apostado na negociação? Claramente não. Mas convém perceber que a contestação a que assistimos, sendo resultado imediato da crise económica e social, tem raízes bem mais profundas. Entre estas, a convergência entre o acantonamento de tutela política da CGTP e o desenvolvimento de um clima anti-sindical, em parte fruto de uma confrangedora ausência de estratégia sobre o papel dos sindicatos em Portugal da parte do PS. Na verdade, nada de significativo está a mudar no mundo sindical português. Estão sim a cristalizar-se tendências de trinta anos que limitam a busca de soluções negociadas para a regulação da economia política portuguesa.
publicado no Diário Económico.
O mundo sindical português é feito de paradoxos. Enquanto os trabalhadores portugueses atribuem muita importância aos sindicatos na defesa das condições de trabalho, mais de 2/3 não se encontram sindicalizados. Estes dados coexistem com valores muito baixos para a conflitualidade laboral: quando questionados se já fizeram uma greve, mais de 80% dos trabalhadores portugueses afirmam nunca o ter feito. Não por acaso, este padrão tem levado a que, com a excepção da administração pública, se tenha verificado uma diminuição acentuada do número de greves, combinada com uma segmentação crescente dos sectores onde ocorrem (metade das greves são na indústria transformadora). Ainda que seja avisado ter algumas precauções quanto à comparabilidade dos dados europeus, este contexto explica que, quando analisados os dias de trabalho perdidos por conflito laboral, Portugal apresente dos valores mais baixos da União Europeia.
Contudo, como ficou demonstrado mais uma vez na sexta-feira, a aparente baixa relevância dos sindicatos no mundo laboral coexiste com uma muito significativa capacidade de mobilização política do movimento sindical. Enquanto a conflitualidade laboral não é vista como a melhor forma de superar os problemas no mundo do trabalho, a contestação política de base sindical tem uma grande capacidade de mobilização de massas.
A manifestação da CGTP é um exemplo paradigmático: não dependeu de convocação de greves, nem assentou em reivindicações do tipo laboral. A resolução que convocava a manifestação apontava para um "mudar de rumo: mais emprego, salários e direitos". Um programa político que, ao mesmo tempo que implica uma mudança radical, não passa de um enunciar vago de princípios. Aliás, no que é mais um paradoxo, a CGTP tem revelado uma capacidade de mobilização superior em torno de programas políticos amplos do que quando o faz em torno de reivindicações concretas. Basta recordar que quer a nova lei de bases da segurança social, quer o novo código do trabalho, foram muito criticados pela CGTP mas não foram alvo de manifestações populares tão intensas.
Este tipo de afirmação do movimento sindical é arriscado. Ao mesmo tempo que desvaloriza o papel dos sindicatos na defesa concreta dos direitos laborais, politiza a sua acção a níveis que, aumentando a sua capacidade de mobilização, circunscrevem-na a uma base de recrutamento estanque. Independentemente do número de manifestantes que esteve presente em Lisboa, a politização da mobilização sindical restringe este movimento a uma contestação de base política, com efeitos perversos para a afirmação sindical. Aliás, Ulisses Garrido e Carlos Trindade, dois dirigentes não-comunistas da CGTP, chamavam a atenção há meses num artigo no Público para os riscos de uma afirmação sindical baseada num "activismo radical de fracos resultados" e da necessidade da "vida sindical obter sucessos, de infundir confiança aos trabalhadores através da resolução dos seus problemas concretos", (...) "acordando soluções, compromissos, entendimentos".
Dá-se o caso de que, com o aproximar de várias eleições, se intensificará a mobilização sindical através de um activismo radical. Terá esta estratégia resultados? Do ponto de vista eleitoral, certamente que sim. Tendo em conta que os bons resultados eleitorais dependem mais da capacidade de mobilizar o próprio campo do que de captar votos noutros partidos, os partidos que cavalgam esta contestação não deixarão de beneficiar da transformação de movimentações sindicais em mobilização política.
Será isto bom para a promoção de um movimento sindical autónomo em Portugal, apostado na negociação? Claramente não. Mas convém perceber que a contestação a que assistimos, sendo resultado imediato da crise económica e social, tem raízes bem mais profundas. Entre estas, a convergência entre o acantonamento de tutela política da CGTP e o desenvolvimento de um clima anti-sindical, em parte fruto de uma confrangedora ausência de estratégia sobre o papel dos sindicatos em Portugal da parte do PS. Na verdade, nada de significativo está a mudar no mundo sindical português. Estão sim a cristalizar-se tendências de trinta anos que limitam a busca de soluções negociadas para a regulação da economia política portuguesa.
publicado no Diário Económico.
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