terça-feira, março 03, 2009

Olhar para a frente

Há uma asserção que nos diz que o resultado das eleições legislativas depende da avaliação retrospectiva que é feita. Quando se escolhe o Governo avalia-se o que se passou e só em parte se escolhe o programa político para o próximo ciclo.

Não por acaso, tirando a excepção Santana Lopes, nunca um primeiro-ministro perdeu eleições legislativas em Portugal. A posição de primeiro-ministro candidato à reeleição tende a dar, por si só, um capital que serve para formatar os termos do debate. Será este o caso das próximas eleições legislativas? Bastará a José Sócrates para garantir a reeleição pedir aos portugueses que olhem para trás, projectando o futuro? Há sinais manifestos que tal não será suficiente.

Como tem sido repetido, a crise que enfrentamos é importada. Este facto inviabiliza uma responsabilização directa do Governo pelas suas manifestações domésticas. Contudo, a dimensão da crise é de tal modo avassaladora que tende a limpar os históricos políticos domésticos. Perante uma crise desta dimensão, o que os eleitores vão querer saber não é tanto o que foi feito até aqui, mas, sim, o que os projectos políticos em competição pretendem fazer no futuro. As próximas eleições não assentarão por isso, como tenderia a acontecer num contexto normal, essencialmente numa avaliação da actual governação anterior às respostas de emergência à crise, mas, sim, no que será sugerido como nova narrativa para o tempo novo que agora começa.

O tema da governabilidade é um bom observatório dos dilemas que o PS enfrenta. Ninguém questiona que somar instabilidade política à instabilidade económica e social é a última coisa que o país precisa. Mas como é que se transforma esta necessidade num discurso político mobilizador? Tanto mais que estamos perante um quadro de distribuição de intenção de votos atípico, que ameaça reconfigurar o espectro partidário.

Ao contrário do que acontecia, não estamos perante uma bipolarização pura. Como demonstra a última sondagem do Semanário Económico, tem-se consolidado a existência de três blocos. Um bloco à direita que, desde as europeias de 2005, tem dificuldade em ultrapassar os 35%, apresentando apenas flutuações internas entre PSD e CDS; um bloco à esquerda com intenções de voto em redor dos 20%, mas revelando uma tendência de crescimento (nesta sondagem, BE e PCP juntos têm 24.6%); e o PS com uma diferença de cerca de 10% para o segundo partido mais votado e a cerca de 5 pontos percentuais da maioria absoluta. Perante este contexto, o PS tem de fazer três coisas ao mesmo tempo, que ameaçam ser contraditórias: mobilizar o seu próprio campo eleitoral (aspecto decisivo para ganhar eleições); garantir que a direita se mantém fixa em redor dos 35%; e estancar as perdas à esquerda.

O caminho que foi consolidado no Congresso do PS assenta em dois argumentos: o PS como referencial de estabilidade e José Sócrates, de facto, único candidato a primeiro-ministro nas próximas eleições (até porque os partidos à direita aparentam ter como objectivo apenas retirar a maioria absoluta ao PS); "malhar" nos partidos à esquerda dos socialistas para estancar o seu crescimento eleitoral.

Enquanto o argumento da governabilidade e estabilidade serve para conter a direita, a ostracização dos partidos à esquerda visa desmobilizar o voto de eleitores tradicionalmente socialistas no BE e no PCP. Este caminho assenta num equilíbrio de filigrana.

Desde logo porque o que justifica hoje uma maioria absoluta não é a memória recente da instabilidade com Santana Lopes. O que está em jogo não é uma avaliação do candidato incumbente, mas, sim uma projecção de uma situação de ingovernabilidade futura, quando o que os eleitores hoje têm presente é a experiência recente de uma legislatura inteira de maioria absoluta. Depois, porque se os ataques ao BE e à sua repulsa compulsiva em relação ao poder são eficazes na mobilização do campo socialista, a verdade é que é duvidoso que, por si só, sirvam para recuperar o voto de protesto de eleitores tradicionalmente PS.

Se a isto somarmos que dificilmente as eleições se podem transformar numa avaliação das reformas dos últimos anos, parece-me incontornável que o aspecto decisivo será a capacidade de tornar a estabilidade política uma necessidade do futuro e, acima de tudo, uma discussão sobre quem tem melhores respostas para enfrentar a crise. Uma crise tão diferente que o histórico recente tenderá a ser apagado. Espera-se, por isso, que os partidos sejam capazes de olhar para a frente. Serão?

publicado no Diário Económico.