O espelho do BPN
Há seis meses, escrevi aqui que tinha reservas quanto à criação da comissão de inquérito ao BPN. Acima de tudo, porque, por um lado, podia estar apenas a ser aberto um circo mediático e, por outro, porque os trabalhos da comissão não se centrariam nos motivos invocados para a sua constituição - a avaliação do papel da supervisão e as razões para a nacionalização do BPN -, mas, evoluiriam para uma apreciação dos actos de gestão praticados no banco. Ora, se assim fosse, estaríamos perante uma sobreposição entre a investigação que deveria decorrer na justiça e a actividade parlamentar. Além do mais, os deputados colocar-se-iam numa posição desigual face à do Ministério Público, pois não só os depoentes não seriam obrigados a dizer o que quer que fosse, como os deputados não tinham poderes especiais de investigação.
Seis meses passados, é evidente que os trabalhos da comissão se têm centrado na gestão do BPN e têm servido para revelar que a realidade do funcionamento do banco ultrapassava as mais delirantes suposições. Contabilidade paralela, balcões virtuais, ilegalidade puras, negócios ruinosos, desconhecimento pelos accionistas do que era feito na gestão, temos ouvido descrições de tudo. Essencialmente, tem sido espantosa a candura com que alguns dos depoentes descrevem o seu papel em todo o processo. Sobre muitos dos que têm ido depor, fica, até agora, uma dúvida: ou estamos perante campeões da ingenuidade ou vigaristas encartados. Ao contrário do que eu esperava, se bem que se tenha desviado do que era o seu propósito inicial, a comissão de inquérito tem sido muito útil na revelação do caos que imperava no BPN. No entanto, o sucesso da comissão de inquérito ao BPN, apesar de exemplar das virtudes do parlamentarismo, não é motivo para satisfação. Pelo contrário, ele revela, uma vez mais, o falhanço do sistema de Justiça em Portugal.
A menos que algo de surpreendente se esteja a passar na discrição da investigação (algo improvável tendo em conta o tratamento de que é alvo o segredo de justiça entre nós), há sinais de que, em seis meses, se progrediu mais numa comissão de inquérito do que no processo que decorre na Justiça. Agora, o mínimo que se pode esperar é que a Justiça seja capaz de aproveitar o trabalho parlamentar e produzir prova a partir dos factos relatados na comissão.
Neste contexto, aquilo a que vamos assistir hoje com o depoimento de Oliveira e Costa não vai ser certamente bonito. Acareações em público, em que se trocam acusações mútuas, podem servir para ajudar a apurar as responsabilidade do que ocorreu no BPN, mas seria preferível que elas ocorressem no recato dos depoimentos prestados no Ministério Público. Mas convém ter cuidado, porque pedir à Justiça que faça o seu trabalho e em tempo útil é capaz de ser interpretado como uma pressão sobre o sistema judicial.
publicado no Diário Económico.
Seis meses passados, é evidente que os trabalhos da comissão se têm centrado na gestão do BPN e têm servido para revelar que a realidade do funcionamento do banco ultrapassava as mais delirantes suposições. Contabilidade paralela, balcões virtuais, ilegalidade puras, negócios ruinosos, desconhecimento pelos accionistas do que era feito na gestão, temos ouvido descrições de tudo. Essencialmente, tem sido espantosa a candura com que alguns dos depoentes descrevem o seu papel em todo o processo. Sobre muitos dos que têm ido depor, fica, até agora, uma dúvida: ou estamos perante campeões da ingenuidade ou vigaristas encartados. Ao contrário do que eu esperava, se bem que se tenha desviado do que era o seu propósito inicial, a comissão de inquérito tem sido muito útil na revelação do caos que imperava no BPN. No entanto, o sucesso da comissão de inquérito ao BPN, apesar de exemplar das virtudes do parlamentarismo, não é motivo para satisfação. Pelo contrário, ele revela, uma vez mais, o falhanço do sistema de Justiça em Portugal.
A menos que algo de surpreendente se esteja a passar na discrição da investigação (algo improvável tendo em conta o tratamento de que é alvo o segredo de justiça entre nós), há sinais de que, em seis meses, se progrediu mais numa comissão de inquérito do que no processo que decorre na Justiça. Agora, o mínimo que se pode esperar é que a Justiça seja capaz de aproveitar o trabalho parlamentar e produzir prova a partir dos factos relatados na comissão.
Neste contexto, aquilo a que vamos assistir hoje com o depoimento de Oliveira e Costa não vai ser certamente bonito. Acareações em público, em que se trocam acusações mútuas, podem servir para ajudar a apurar as responsabilidade do que ocorreu no BPN, mas seria preferível que elas ocorressem no recato dos depoimentos prestados no Ministério Público. Mas convém ter cuidado, porque pedir à Justiça que faça o seu trabalho e em tempo útil é capaz de ser interpretado como uma pressão sobre o sistema judicial.
publicado no Diário Económico.
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