Já desistiu
Os 35 anos de democracia revelam que Portugal tem um problema sério de governabilidade.
Nenhum Governo de coligação resistiu uma legislatura inteira e apenas um Governo de maioria relativa durou quatro anos. Aliás, dois anos parece ser o limite máximo de vida para uma coligação em Portugal (foi o que durou a AD, o Bloco Central e a coligação Durão/Portas). Já em maioria relativa, apenas António Guterres conseguiu cumprir uma legislatura. Contudo, a resistência do primeiro governo Guterres é explicável por um crescimento do PIB de 4%, pela criação de 400 mil empregos e por se tratar do início de um ciclo político.
Vale por isso a pena ter presente o nosso passado político quando pensamos nos desafios do próximo ciclo. Se num contexto económico bem menos adverso, nenhum Governo sem maioria absoluta resistiu à turbulência política, podemos bem imaginar o que se irá passar com o PIB a variar entre o crescimento negativo e o medíocre e com o desemprego a rondar os dois dígitos. Não tenhamos dúvidas, se tivermos um Governo que não dure uma legislatura inteira, demoraremos ainda mais a sair da crise e fá-lo-emos em condições bem mais precárias. E pensar que, perante um cenário de grandes dificuldades, os partidos portugueses vão ter o assomo de responsabilidade que não tiveram no passado e se vão entender é ter uma visão lírica da política nacional.
Este fim-de-semana, Sócrates e Ferreira Leite fixaram, em duas entrevistas, a doutrina de cada um sobre as condições de governabilidade. As respostas são bem diferentes: para Sócrates, a melhor forma de garantir a estabilidade é uma maioria absoluta do PS; para Ferreira Leite, não haver uma maioria absoluta não quer dizer que haja uma crise política, até porque o que é preciso é que a oposição seja responsável.
O que a declaração de Ferreira Leite esconde é que o PSD incorporou a ideia de que não pode vencer e desistiu de lutar pela maioria absoluta. O problema é que essa desistência diminui a propensão para a bipolarização e, logo, as condições de governabilidade futuras do país. A percepção de que o PSD não pode ganhar tem ajudado à dispersão de voto à esquerda e à criação de um terceiro bloco, com cerca de 20% das intenções de voto, mas que se exclui de qualquer solução de governabilidade. Se o PSD não compete, de facto, pela vitória com o PS, os custos de votar à esquerda como forma de protesto são aparentemente baixos.Tendo em conta que o país vai precisar de um Governo que dure uma legislatura e que PS e PSD estão relativamente próximos em questões centrais, o melhor cenário é um Governo de maioria absoluta do PS ou do PSD, até porque a alternativa é uma pulverização eleitoral, que só produzirá instabilidade política. Que Ferreira Leite já tenha desistido deste objectivo é, por isso, incompreensível para o PSD e prejudicial para o país.
publicado no Diário Económico.
Nenhum Governo de coligação resistiu uma legislatura inteira e apenas um Governo de maioria relativa durou quatro anos. Aliás, dois anos parece ser o limite máximo de vida para uma coligação em Portugal (foi o que durou a AD, o Bloco Central e a coligação Durão/Portas). Já em maioria relativa, apenas António Guterres conseguiu cumprir uma legislatura. Contudo, a resistência do primeiro governo Guterres é explicável por um crescimento do PIB de 4%, pela criação de 400 mil empregos e por se tratar do início de um ciclo político.
Vale por isso a pena ter presente o nosso passado político quando pensamos nos desafios do próximo ciclo. Se num contexto económico bem menos adverso, nenhum Governo sem maioria absoluta resistiu à turbulência política, podemos bem imaginar o que se irá passar com o PIB a variar entre o crescimento negativo e o medíocre e com o desemprego a rondar os dois dígitos. Não tenhamos dúvidas, se tivermos um Governo que não dure uma legislatura inteira, demoraremos ainda mais a sair da crise e fá-lo-emos em condições bem mais precárias. E pensar que, perante um cenário de grandes dificuldades, os partidos portugueses vão ter o assomo de responsabilidade que não tiveram no passado e se vão entender é ter uma visão lírica da política nacional.
Este fim-de-semana, Sócrates e Ferreira Leite fixaram, em duas entrevistas, a doutrina de cada um sobre as condições de governabilidade. As respostas são bem diferentes: para Sócrates, a melhor forma de garantir a estabilidade é uma maioria absoluta do PS; para Ferreira Leite, não haver uma maioria absoluta não quer dizer que haja uma crise política, até porque o que é preciso é que a oposição seja responsável.
O que a declaração de Ferreira Leite esconde é que o PSD incorporou a ideia de que não pode vencer e desistiu de lutar pela maioria absoluta. O problema é que essa desistência diminui a propensão para a bipolarização e, logo, as condições de governabilidade futuras do país. A percepção de que o PSD não pode ganhar tem ajudado à dispersão de voto à esquerda e à criação de um terceiro bloco, com cerca de 20% das intenções de voto, mas que se exclui de qualquer solução de governabilidade. Se o PSD não compete, de facto, pela vitória com o PS, os custos de votar à esquerda como forma de protesto são aparentemente baixos.Tendo em conta que o país vai precisar de um Governo que dure uma legislatura e que PS e PSD estão relativamente próximos em questões centrais, o melhor cenário é um Governo de maioria absoluta do PS ou do PSD, até porque a alternativa é uma pulverização eleitoral, que só produzirá instabilidade política. Que Ferreira Leite já tenha desistido deste objectivo é, por isso, incompreensível para o PSD e prejudicial para o país.
publicado no Diário Económico.
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