Lisboa como antecâmara
Pulverização das candidaturas, uma campanha de insinuações, abstenção elevada e, no fim, dificuldade em criar uma maioria que garanta a governabilidade. Esta é parte da história das eleições intercalares de Lisboa. Uma história que pode antecipar o pior dos cenários para as próximas eleições legislativas, mas que trouxe também elementos de novidade, que podem servir para contrariar tendências mais pessimistas.
A uma escala diferente, os problemas da Câmara de Lisboa têm semelhanças com os do País. Desde logo porque não têm resolução fácil e muito menos imediata. E porque, em ambos os casos, a principal dificuldade é financeira. E sem solidez financeira não há nenhuma outra reforma que avance. Ora, para que haja resultados visíveis nesta frente é preciso tempo. E, na política, tempo é sinónimo de estabilidade. A autarquia de Lisboa tem tido um sério problema de estabilidade política e o Governo do País, sem maiorias absolutas, atravessou dez anos de instabilidade, vivendo agora um período de sinal contrário, mas que pode não ter continuidade.
Podemos ter muitas simpatias por formas mais participativas de decisão ou por privilegiar a representatividade em vez da formação de maiorias, mas não há volta a dar: a desconcentração excessiva do poder e a dispersão de pontos de veto são obstáculos à estabilidade e, por arrasto, à governabilidade. É que em Lisboa, como no Governo do País, a estabilidade não é condição suficiente para, de facto, governar, mas é certamente condição necessária.
E deste ponto de vista há várias lições que podem ser extraídas das intercalares.
Em primeiro lugar, esperar-se-ia que uma maior oferta eleitoral implicasse um aumento na participação, se nada mais porque à existência de mais alternativas deveria corresponder uma maior representatividade dos vários nichos eleitorais. Deveria mas não corresponde, como ficou provado com a elevada abstenção em Lisboa.
Em segundo lugar, a eleição de vários grupos ou partidos não deveria significar uma maior dificuldade em promover a governabilidade. O que seria expectável é que, até às eleições, cada uma das candidaturas apresentasse o seu programa; depois estes seriam sufragados e as partes chegariam a compromissos equilibrados, dentro de grandes áreas ideológicas e sempre com a consciência de que o vencedor não poderia desvirtuar o essencial do seu programa eleitoral. Mas, por uma combinação bizarra de tacticismo político com um discurso que vê no exercício do poder a raiz de todos os males, tornou-se aceitável que os eleitos ajam de modo irresponsável, não se sentindo obrigados a criar condições efectivas para que seja possível a quem ganhou governar. Ou seja, a pulverização dos partidos eleitos significa uma diminuição da governabilidade.
Acontece que em Lisboa e no País, a possibilidade de existirem maiorias de um só partido pode ser cada vez menor, pelo que talvez passe por uma cultura de coligações a possibilidade institucional de ultrapassar os bloqueios persistentes que enfrentamos. Como se viu mais uma vez, a ausência desta cultura faz-se sentir de modo bem mais premente à esquerda do que à direita. As razões para que isso aconteça são bem conhecidas: a combinação de conservadorismo com maximalismo que coexistem, em tipos e graus diferentes, no PCP e no BE e um PS que – no que é uma idiossincrasia comparado com os seus congéneres europeus – se afirmou em importante medida “contra” o espaço político à sua esquerda.
Neste contexto, a disponibilidade revelada pelo BE para entrar na coligação que vai governar Lisboa representa uma nova fase do diálogo entre os partidos de esquerda. Mas uma nova fase que ao mesmo tempo que torna possível ao PS governar sem maiorias absolutas servirá para pôr à prova os equilíbrios internos do próprio BE. Visto de fora, tudo aparenta que o BE ficou dividido entre os que querem fazer de Lisboa o trampolim para a institucionalização do Bloco como partido de poder e os que esperam que Lisboa sirva de vacina para o Bloco como partido de poder (mantendo-se portanto como “alternativa socialista”, seja lá o que isso quer dizer no século XXI). Trata-se de uma disputa interna a um partido e que pode parecer marginal, mas pode vir a contar muito mais do que aparenta no pós-eleições de 2009.
publicado no Diário Económico.
A uma escala diferente, os problemas da Câmara de Lisboa têm semelhanças com os do País. Desde logo porque não têm resolução fácil e muito menos imediata. E porque, em ambos os casos, a principal dificuldade é financeira. E sem solidez financeira não há nenhuma outra reforma que avance. Ora, para que haja resultados visíveis nesta frente é preciso tempo. E, na política, tempo é sinónimo de estabilidade. A autarquia de Lisboa tem tido um sério problema de estabilidade política e o Governo do País, sem maiorias absolutas, atravessou dez anos de instabilidade, vivendo agora um período de sinal contrário, mas que pode não ter continuidade.
Podemos ter muitas simpatias por formas mais participativas de decisão ou por privilegiar a representatividade em vez da formação de maiorias, mas não há volta a dar: a desconcentração excessiva do poder e a dispersão de pontos de veto são obstáculos à estabilidade e, por arrasto, à governabilidade. É que em Lisboa, como no Governo do País, a estabilidade não é condição suficiente para, de facto, governar, mas é certamente condição necessária.
E deste ponto de vista há várias lições que podem ser extraídas das intercalares.
Em primeiro lugar, esperar-se-ia que uma maior oferta eleitoral implicasse um aumento na participação, se nada mais porque à existência de mais alternativas deveria corresponder uma maior representatividade dos vários nichos eleitorais. Deveria mas não corresponde, como ficou provado com a elevada abstenção em Lisboa.
Em segundo lugar, a eleição de vários grupos ou partidos não deveria significar uma maior dificuldade em promover a governabilidade. O que seria expectável é que, até às eleições, cada uma das candidaturas apresentasse o seu programa; depois estes seriam sufragados e as partes chegariam a compromissos equilibrados, dentro de grandes áreas ideológicas e sempre com a consciência de que o vencedor não poderia desvirtuar o essencial do seu programa eleitoral. Mas, por uma combinação bizarra de tacticismo político com um discurso que vê no exercício do poder a raiz de todos os males, tornou-se aceitável que os eleitos ajam de modo irresponsável, não se sentindo obrigados a criar condições efectivas para que seja possível a quem ganhou governar. Ou seja, a pulverização dos partidos eleitos significa uma diminuição da governabilidade.
Acontece que em Lisboa e no País, a possibilidade de existirem maiorias de um só partido pode ser cada vez menor, pelo que talvez passe por uma cultura de coligações a possibilidade institucional de ultrapassar os bloqueios persistentes que enfrentamos. Como se viu mais uma vez, a ausência desta cultura faz-se sentir de modo bem mais premente à esquerda do que à direita. As razões para que isso aconteça são bem conhecidas: a combinação de conservadorismo com maximalismo que coexistem, em tipos e graus diferentes, no PCP e no BE e um PS que – no que é uma idiossincrasia comparado com os seus congéneres europeus – se afirmou em importante medida “contra” o espaço político à sua esquerda.
Neste contexto, a disponibilidade revelada pelo BE para entrar na coligação que vai governar Lisboa representa uma nova fase do diálogo entre os partidos de esquerda. Mas uma nova fase que ao mesmo tempo que torna possível ao PS governar sem maiorias absolutas servirá para pôr à prova os equilíbrios internos do próprio BE. Visto de fora, tudo aparenta que o BE ficou dividido entre os que querem fazer de Lisboa o trampolim para a institucionalização do Bloco como partido de poder e os que esperam que Lisboa sirva de vacina para o Bloco como partido de poder (mantendo-se portanto como “alternativa socialista”, seja lá o que isso quer dizer no século XXI). Trata-se de uma disputa interna a um partido e que pode parecer marginal, mas pode vir a contar muito mais do que aparenta no pós-eleições de 2009.
publicado no Diário Económico.
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