Lisboa e as marcas partidárias
A poucos dias das eleições em Lisboa, o essencial do que fica da campanha está definido. Com consequências que vão bem para além da governação da capital.
Numa altura em que as eleições têm cada vez menor saliência, tende a sair vitorioso quem consegue definir a gramática da campanha. Nestas eleições existiram, no essencial, duas linhas em competição. Uma procurou fazer da campanha um momento de avaliação do Governo; outra centrou-se na avaliação dos dois últimos anos de executivo camarário.
Neste contexto, todos os sinais são convergentes: a avaliação do que se passou na Câmara sobrepôs-se à avaliação do Governo como tema de campanha. Mesmo sem competição à direita vinda do CDS, a soma das indicações de voto em Carmona Rodrigues e no PSD é cerca de dez pontos inferior ao resultado de há dois anos do PSD, enquanto António Costa, mesmo com a candidatura de Helena Roseta, progride cerca de dez pontos em relação ao resultado de Carrilho.
Estes indicadores são relativamente surpreendentes. A meio do mandato do Governo seria de esperar que o voto de protesto fosse mais visível, até porque os seus custos para a estabilidade governativa seriam marginais. Aliás, uma importante fatia do eleitorado crítico do governo concentra-se em Lisboa – onde vivem muitos funcionários públicos (um grupo que tem sido particularmente afectado pelas medidas do executivo). Com uma grande oferta eleitoral à esquerda do PS, a expectativa seria de um mau resultado socialista. Tal parece não ir acontecer.
É possível encontrar várias causas para uma ‘performance’ melhor do que seria de esperar do partido do Governo e a baixíssima expectativa em relação ao resultado do maior partido da oposição.
Uma prende-se com a capacidade dos eleitores para distinguirem entre actos eleitorais. A maneira como os dois principais partidos geriram o processo eleitoral serviu, aliás, para consolidar os termos em que os eleitores olharam para estas eleições e criou incentivos ao voto no PS e à desmobilização do eleitorado PSD.
Com a candidatura do número dois do Governo, o PS mostrou, por um lado, a importância que atribuía a estas eleições e, por outro, chamou a atenção para a situação de emergência que se vivia na Câmara. Já o PSD deu vários sinais de desvalorização das eleições: primeiro, pelo histórico de trapalhadas dos dois últimos anos; depois, pela forma atabalhoada como geriu a escolha de candidato; e, finalmente, com a opção por alguém que combinou fraca notoriedade com a mesma teia de compromissos internos que tinha feito cair a vereação.
Este quadro aponta para a confirmação de uma tendência que já tem algum lastro e que tem a ver com a importância das marcas partidárias. Mais do que do resultado em Lisboa, é da definição dessa marca partidária que depende a competitividade eleitoral dos dois principais partidos nas próximas eleições legislativas.
Marques Mendes foi eleito líder do PSD como o oposto de Santana Lopes. A verdade é que o PSD tem dado mais sinais de continuidade do que de ruptura. Nas autárquicas em Lisboa, o que temos visto é o Santanismo por outros meios. Uma campanha com propaganda agressiva, com uma linguagem - por exemplo nos outdoors - longe de um partido com peso institucional e sentido de Estado. Uma campanha própria de um ‘challenger’ com fracas expectativas de vitória. A sucessão de ‘gaffes’ de Negrão foi um equivalente funcional das trapalhadas e fortaleceu esta tendência. Ao mesmo tempo, o PS fez uma campanha contrastante, quase decalcada da das últimas legislativas, não se afastando de um guião predefinido e procurando consolidar uma marca centrada no rigor (com naturais custos eleitorais à esquerda, mas que oferece um reposicionamento que é competitivo junto do eleitorado PSD).
Independentemente de juízos ideológicos, nestas eleições o PSD reforçou uma marca que eleitoralmente só tem dado maus resultados. Convém, aliás, recordar que a última vitória eleitoral no seu espaço político foi com Cavaco Silva nas presidenciais.
Não por acaso, numa campanha com uma linguagem próxima da do PS de hoje e distante da do PSD dos últimos anos. O que ajuda a compreender os sinais de preocupação no PSD, que levam a que se fale insistentemente numa terceira-via, capaz de ultrapassar a situação de bloqueio em que o partido se encontra, dividido entre os despojos do Santanismo e a ausência de rumo do Mendismo.
publicado no Diário Económico.
Numa altura em que as eleições têm cada vez menor saliência, tende a sair vitorioso quem consegue definir a gramática da campanha. Nestas eleições existiram, no essencial, duas linhas em competição. Uma procurou fazer da campanha um momento de avaliação do Governo; outra centrou-se na avaliação dos dois últimos anos de executivo camarário.
Neste contexto, todos os sinais são convergentes: a avaliação do que se passou na Câmara sobrepôs-se à avaliação do Governo como tema de campanha. Mesmo sem competição à direita vinda do CDS, a soma das indicações de voto em Carmona Rodrigues e no PSD é cerca de dez pontos inferior ao resultado de há dois anos do PSD, enquanto António Costa, mesmo com a candidatura de Helena Roseta, progride cerca de dez pontos em relação ao resultado de Carrilho.
Estes indicadores são relativamente surpreendentes. A meio do mandato do Governo seria de esperar que o voto de protesto fosse mais visível, até porque os seus custos para a estabilidade governativa seriam marginais. Aliás, uma importante fatia do eleitorado crítico do governo concentra-se em Lisboa – onde vivem muitos funcionários públicos (um grupo que tem sido particularmente afectado pelas medidas do executivo). Com uma grande oferta eleitoral à esquerda do PS, a expectativa seria de um mau resultado socialista. Tal parece não ir acontecer.
É possível encontrar várias causas para uma ‘performance’ melhor do que seria de esperar do partido do Governo e a baixíssima expectativa em relação ao resultado do maior partido da oposição.
Uma prende-se com a capacidade dos eleitores para distinguirem entre actos eleitorais. A maneira como os dois principais partidos geriram o processo eleitoral serviu, aliás, para consolidar os termos em que os eleitores olharam para estas eleições e criou incentivos ao voto no PS e à desmobilização do eleitorado PSD.
Com a candidatura do número dois do Governo, o PS mostrou, por um lado, a importância que atribuía a estas eleições e, por outro, chamou a atenção para a situação de emergência que se vivia na Câmara. Já o PSD deu vários sinais de desvalorização das eleições: primeiro, pelo histórico de trapalhadas dos dois últimos anos; depois, pela forma atabalhoada como geriu a escolha de candidato; e, finalmente, com a opção por alguém que combinou fraca notoriedade com a mesma teia de compromissos internos que tinha feito cair a vereação.
Este quadro aponta para a confirmação de uma tendência que já tem algum lastro e que tem a ver com a importância das marcas partidárias. Mais do que do resultado em Lisboa, é da definição dessa marca partidária que depende a competitividade eleitoral dos dois principais partidos nas próximas eleições legislativas.
Marques Mendes foi eleito líder do PSD como o oposto de Santana Lopes. A verdade é que o PSD tem dado mais sinais de continuidade do que de ruptura. Nas autárquicas em Lisboa, o que temos visto é o Santanismo por outros meios. Uma campanha com propaganda agressiva, com uma linguagem - por exemplo nos outdoors - longe de um partido com peso institucional e sentido de Estado. Uma campanha própria de um ‘challenger’ com fracas expectativas de vitória. A sucessão de ‘gaffes’ de Negrão foi um equivalente funcional das trapalhadas e fortaleceu esta tendência. Ao mesmo tempo, o PS fez uma campanha contrastante, quase decalcada da das últimas legislativas, não se afastando de um guião predefinido e procurando consolidar uma marca centrada no rigor (com naturais custos eleitorais à esquerda, mas que oferece um reposicionamento que é competitivo junto do eleitorado PSD).
Independentemente de juízos ideológicos, nestas eleições o PSD reforçou uma marca que eleitoralmente só tem dado maus resultados. Convém, aliás, recordar que a última vitória eleitoral no seu espaço político foi com Cavaco Silva nas presidenciais.
Não por acaso, numa campanha com uma linguagem próxima da do PS de hoje e distante da do PSD dos últimos anos. O que ajuda a compreender os sinais de preocupação no PSD, que levam a que se fale insistentemente numa terceira-via, capaz de ultrapassar a situação de bloqueio em que o partido se encontra, dividido entre os despojos do Santanismo e a ausência de rumo do Mendismo.
publicado no Diário Económico.
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