terça-feira, julho 21, 2009

A classe média portuguesa

A classe média anda na boca de toda a gente. Com o aproximar das eleições, os partidos escolheram-na como prioridade social.

Há razões objectivas para que as prioridades políticas tenham mudado, mas há também dificuldades em se definir do que é que se fala quando se fala de classe média e para se encontrar respostas políticas para este grupo social.

Se é hoje possível evoluir da prioridade à pobreza para as respostas sociais às classes médias é porque o país se dotou, com assinalável atraso, de uma rede de mínimos sociais dirigida às formas mais severas de pobreza. Com o Rendimento Mínimo e com o Complemento Solidário para Idosos foi possível aumentar a selectividade das respostas sociais e assegurar um mínimo de recursos materiais a todos os cidadãos, tornando-nos numa sociedade mais decente. Os dados do INE divulgados a semana passada provam-no: uma diminuição da taxa de pobreza entre os idosos (22%) de 4 pontos percentuais em relação ao ano anterior e 7 pontos percentuais se compararmos com 2004. Estes resultados revelam que abandonar a opção de fazer convergir as pensões mínimas com o s.m.n. e optar por conceder um complemento, com a linha de pobreza como referencial, apenas aos pensionistas com pensões baixas em condição de necessidade, revelou-se uma estratégia eficaz.

Mas o sucesso relativo no combate à pobreza serve também para revelar um falhanço: uma fatia muito significativa das famílias portuguesas está fora da rede de apoios sociais de combate à pobreza, mas não deixa por isso de ser pobre, muito por força dos baixos salários dos adultos. São o que chamei aqui há umas semanas - recorrendo à denominação de um estudo elaborado pela TESE - de "famílias sanduíche".

Frequentemente, quando se fala de classes médias em Portugal julgamos estar a falar de agregados com rendimentos em redor dos 2 mil euros mensais. Convém, no entanto, ter presente que a mediana salarial no sector privado encontra-se em redor dos 700 euros, ou seja, 50% da população portuguesa ganha até 700 euros (valor que aumenta se considerarmos o emprego no sector público). Ora são estas famílias que compõem o grosso da classe média. Para aliviar a sua situação material não podemos recorrer às políticas de protecção social, ao mesmo tempo que não podemos ficar à espera que o padrão de especialização da economia portuguesa se modernize o suficiente para permitir ganhos salariais significativos. Qual é o caminho que resta? Recorrer a instrumentos fiscais que redistribuam a favor das "famílias sanduíche", naturalmente retirando benefícios a quem tem rendimentos bem acima da mediana. Pode ser impopular dizê-lo, mas se nada for feito, estamos condenados a ter um conjunto crescente de famílias para as quais a ausência de expectativas sociais se transformará inevitavelmente numa desafectação face ao sistema político.

publicado no Diário Económico.