A classe média portuguesa
A classe média anda na boca de toda a gente. Com o aproximar das eleições, os partidos escolheram-na como prioridade social.
Há razões objectivas para que as prioridades políticas tenham mudado, mas há também dificuldades em se definir do que é que se fala quando se fala de classe média e para se encontrar respostas políticas para este grupo social.
Se é hoje possível evoluir da prioridade à pobreza para as respostas sociais às classes médias é porque o país se dotou, com assinalável atraso, de uma rede de mínimos sociais dirigida às formas mais severas de pobreza. Com o Rendimento Mínimo e com o Complemento Solidário para Idosos foi possível aumentar a selectividade das respostas sociais e assegurar um mínimo de recursos materiais a todos os cidadãos, tornando-nos numa sociedade mais decente. Os dados do INE divulgados a semana passada provam-no: uma diminuição da taxa de pobreza entre os idosos (22%) de 4 pontos percentuais em relação ao ano anterior e 7 pontos percentuais se compararmos com 2004. Estes resultados revelam que abandonar a opção de fazer convergir as pensões mínimas com o s.m.n. e optar por conceder um complemento, com a linha de pobreza como referencial, apenas aos pensionistas com pensões baixas em condição de necessidade, revelou-se uma estratégia eficaz.
Mas o sucesso relativo no combate à pobreza serve também para revelar um falhanço: uma fatia muito significativa das famílias portuguesas está fora da rede de apoios sociais de combate à pobreza, mas não deixa por isso de ser pobre, muito por força dos baixos salários dos adultos. São o que chamei aqui há umas semanas - recorrendo à denominação de um estudo elaborado pela TESE - de "famílias sanduíche".
Frequentemente, quando se fala de classes médias em Portugal julgamos estar a falar de agregados com rendimentos em redor dos 2 mil euros mensais. Convém, no entanto, ter presente que a mediana salarial no sector privado encontra-se em redor dos 700 euros, ou seja, 50% da população portuguesa ganha até 700 euros (valor que aumenta se considerarmos o emprego no sector público). Ora são estas famílias que compõem o grosso da classe média. Para aliviar a sua situação material não podemos recorrer às políticas de protecção social, ao mesmo tempo que não podemos ficar à espera que o padrão de especialização da economia portuguesa se modernize o suficiente para permitir ganhos salariais significativos. Qual é o caminho que resta? Recorrer a instrumentos fiscais que redistribuam a favor das "famílias sanduíche", naturalmente retirando benefícios a quem tem rendimentos bem acima da mediana. Pode ser impopular dizê-lo, mas se nada for feito, estamos condenados a ter um conjunto crescente de famílias para as quais a ausência de expectativas sociais se transformará inevitavelmente numa desafectação face ao sistema político.
publicado no Diário Económico.
Há razões objectivas para que as prioridades políticas tenham mudado, mas há também dificuldades em se definir do que é que se fala quando se fala de classe média e para se encontrar respostas políticas para este grupo social.
Se é hoje possível evoluir da prioridade à pobreza para as respostas sociais às classes médias é porque o país se dotou, com assinalável atraso, de uma rede de mínimos sociais dirigida às formas mais severas de pobreza. Com o Rendimento Mínimo e com o Complemento Solidário para Idosos foi possível aumentar a selectividade das respostas sociais e assegurar um mínimo de recursos materiais a todos os cidadãos, tornando-nos numa sociedade mais decente. Os dados do INE divulgados a semana passada provam-no: uma diminuição da taxa de pobreza entre os idosos (22%) de 4 pontos percentuais em relação ao ano anterior e 7 pontos percentuais se compararmos com 2004. Estes resultados revelam que abandonar a opção de fazer convergir as pensões mínimas com o s.m.n. e optar por conceder um complemento, com a linha de pobreza como referencial, apenas aos pensionistas com pensões baixas em condição de necessidade, revelou-se uma estratégia eficaz.
Mas o sucesso relativo no combate à pobreza serve também para revelar um falhanço: uma fatia muito significativa das famílias portuguesas está fora da rede de apoios sociais de combate à pobreza, mas não deixa por isso de ser pobre, muito por força dos baixos salários dos adultos. São o que chamei aqui há umas semanas - recorrendo à denominação de um estudo elaborado pela TESE - de "famílias sanduíche".
Frequentemente, quando se fala de classes médias em Portugal julgamos estar a falar de agregados com rendimentos em redor dos 2 mil euros mensais. Convém, no entanto, ter presente que a mediana salarial no sector privado encontra-se em redor dos 700 euros, ou seja, 50% da população portuguesa ganha até 700 euros (valor que aumenta se considerarmos o emprego no sector público). Ora são estas famílias que compõem o grosso da classe média. Para aliviar a sua situação material não podemos recorrer às políticas de protecção social, ao mesmo tempo que não podemos ficar à espera que o padrão de especialização da economia portuguesa se modernize o suficiente para permitir ganhos salariais significativos. Qual é o caminho que resta? Recorrer a instrumentos fiscais que redistribuam a favor das "famílias sanduíche", naturalmente retirando benefícios a quem tem rendimentos bem acima da mediana. Pode ser impopular dizê-lo, mas se nada for feito, estamos condenados a ter um conjunto crescente de famílias para as quais a ausência de expectativas sociais se transformará inevitavelmente numa desafectação face ao sistema político.
publicado no Diário Económico.
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