A indefinição do PSD
Há duas semanas, escrevi aqui que o não posicionamento ideológico tinha sido, durante muito tempo, uma vantagem comparativa para o PSD. Isto porque plasticidade ideológica combinada com prática de poder fez do PSD “o mais português dos partidos portugueses”. Mas o que foi vantagem deixou de o ser. Sem poder nacional desde 1995 – exceptuando a traumática experiência Durão/Portas/Santana – e com o PS de Sócrates a ocupar o espaço da eficácia reformista e da cultura de poder outrora associada aos sociais democratas, o PSD deveria procurar pôr fim ao tempo da indefinição e procurar diferenciar a sua oferta eleitoral da do PS. Contudo, os sinais das primeiras semanas de campanha interna não apontam nesse sentido.
Desde logo porque a diferenciação programática e de políticas tem estado ausente da discussão entre candidatos.
Manuela Ferreira Leite, enquanto evita a todo o custo dizer o que quer que seja sobre o que quer que seja, afirma-se pela credibilidade e pelo rigor. Conceitos que se tornaram muito populares, mas que, convenhamos, não têm nada de estratégico ou ideológico. Ainda assim, visam uma dupla diferenciação: antes de mais, face aos últimos tempos de liderança do PSD e depois por comparação com José Sócrates. Como a própria afirmou em entrevista ao Expresso, “não vai encontrar uma única pessoa que diga que alguma vez a enganei. Essa é uma diferença entre mim e o eng. Sócrates.”. O problema é que Ferreira Leite, ao contrário do que quer fazer crer, não tem, a este nível, um curriculum isento de mácula. Afinal, foi ministra das Finanças de um Governo que ganhou as eleições com a promessa de um “choque fiscal”, com baixa de impostos e que, uma vez no poder, promoveu a sua subida. Enquanto Ferreira Leite não assumir qual é a sua plataforma eleitoral para o futuro, o que lhe resta é a imagem construída no passado. E essa imagem está muito associada à prioridade (justa) dada à consolidação orçamental, que, contudo, ficou muito longe dos resultados alcançados por Teixeira dos Santos. E, pior, a percepção que fica é que enquanto Sócrates terá dito “mata” para conter a despesa pública, Ferreira Leite acrescentaria “esfola”. Convenhamos que não se trata de um grande capital eleitoral.
Passos Coelho tem tentado diferenciar-se pelo combate ideológico, procurando afirmar-se através de um projecto liberal, que não se circunscreve às questões materiais e económicas (ex. privatização da CGD e da RTP), mas que se estende também aos temas pós-materiais e de costumes (veja-se a sua abertura quanto ao casamento entre homossexuais – uma posição absolutamente inédita entre a direita portuguesa e que há que saudar). Acontece que o espaço para o crescimento eleitoral de uma postura liberal é, entre nós, escasso. Não apenas o liberalismo nos costumes não é mobilizador, como a cultura intervencionista e a sombra protectora do Estado fazem parte do caldo de cultura em que se formou a direita portuguesa. Para além do mais, numa altura em que as ondas de choque de mais de duas décadas de desregulação do capitalismo global começam a fazer-se sentir quotidianamente (da crise do sub-prime ao descontrolo de preços nos bens agrícolas), a agenda política nos próximos tempos será marcada pelo combate às desigualdades acumuladas e não por um reforço do liberalismo económico.
Finalmente, Santana Lopes: o ex-primeiro-ministro pouco tem para oferecer além da sua versão de peronismo à portuguesa e um acerto de contas (em que tem razão) com todos os que no PSD o apoiaram entusiasticamente mas que agora se entretêm a criticá-lo. Contudo, a marca que ainda perdura da sua passagem pelo poder faz com que a sua candidatura não possa ser vista como mais que uma tentativa de sobrevivência do seu espaço político interno.
Em última análise, enquanto a candidata pré-anunciada como vencedora (apesar dos sinais de sentido contrário: vejam-se com atenção os apoios internos e as sondagens) pode conseguir estancar o declínio eleitoral do PSD e contrariar a degradação da imagem do partido, mas tem pouco para oferecer de diferente do PS de Sócrates; o candidato que surge como novo e com uma agenda política mais afirmativa, enfrenta claros limites à sua afirmação eleitoral. Se a isto juntarmos a pulverização de votos internos, há muitos sinais de que a indefinição continuará a ser o regime no PSD. A menos que a situação económica (e o emprego) se deteriore de tal modo que o PS e Sócrates iniciem um declínio eleitoral que, até agora, teima em não se reflectir nas sondagens.
publicado no Diário Económico.
Desde logo porque a diferenciação programática e de políticas tem estado ausente da discussão entre candidatos.
Manuela Ferreira Leite, enquanto evita a todo o custo dizer o que quer que seja sobre o que quer que seja, afirma-se pela credibilidade e pelo rigor. Conceitos que se tornaram muito populares, mas que, convenhamos, não têm nada de estratégico ou ideológico. Ainda assim, visam uma dupla diferenciação: antes de mais, face aos últimos tempos de liderança do PSD e depois por comparação com José Sócrates. Como a própria afirmou em entrevista ao Expresso, “não vai encontrar uma única pessoa que diga que alguma vez a enganei. Essa é uma diferença entre mim e o eng. Sócrates.”. O problema é que Ferreira Leite, ao contrário do que quer fazer crer, não tem, a este nível, um curriculum isento de mácula. Afinal, foi ministra das Finanças de um Governo que ganhou as eleições com a promessa de um “choque fiscal”, com baixa de impostos e que, uma vez no poder, promoveu a sua subida. Enquanto Ferreira Leite não assumir qual é a sua plataforma eleitoral para o futuro, o que lhe resta é a imagem construída no passado. E essa imagem está muito associada à prioridade (justa) dada à consolidação orçamental, que, contudo, ficou muito longe dos resultados alcançados por Teixeira dos Santos. E, pior, a percepção que fica é que enquanto Sócrates terá dito “mata” para conter a despesa pública, Ferreira Leite acrescentaria “esfola”. Convenhamos que não se trata de um grande capital eleitoral.
Passos Coelho tem tentado diferenciar-se pelo combate ideológico, procurando afirmar-se através de um projecto liberal, que não se circunscreve às questões materiais e económicas (ex. privatização da CGD e da RTP), mas que se estende também aos temas pós-materiais e de costumes (veja-se a sua abertura quanto ao casamento entre homossexuais – uma posição absolutamente inédita entre a direita portuguesa e que há que saudar). Acontece que o espaço para o crescimento eleitoral de uma postura liberal é, entre nós, escasso. Não apenas o liberalismo nos costumes não é mobilizador, como a cultura intervencionista e a sombra protectora do Estado fazem parte do caldo de cultura em que se formou a direita portuguesa. Para além do mais, numa altura em que as ondas de choque de mais de duas décadas de desregulação do capitalismo global começam a fazer-se sentir quotidianamente (da crise do sub-prime ao descontrolo de preços nos bens agrícolas), a agenda política nos próximos tempos será marcada pelo combate às desigualdades acumuladas e não por um reforço do liberalismo económico.
Finalmente, Santana Lopes: o ex-primeiro-ministro pouco tem para oferecer além da sua versão de peronismo à portuguesa e um acerto de contas (em que tem razão) com todos os que no PSD o apoiaram entusiasticamente mas que agora se entretêm a criticá-lo. Contudo, a marca que ainda perdura da sua passagem pelo poder faz com que a sua candidatura não possa ser vista como mais que uma tentativa de sobrevivência do seu espaço político interno.
Em última análise, enquanto a candidata pré-anunciada como vencedora (apesar dos sinais de sentido contrário: vejam-se com atenção os apoios internos e as sondagens) pode conseguir estancar o declínio eleitoral do PSD e contrariar a degradação da imagem do partido, mas tem pouco para oferecer de diferente do PS de Sócrates; o candidato que surge como novo e com uma agenda política mais afirmativa, enfrenta claros limites à sua afirmação eleitoral. Se a isto juntarmos a pulverização de votos internos, há muitos sinais de que a indefinição continuará a ser o regime no PSD. A menos que a situação económica (e o emprego) se deteriore de tal modo que o PS e Sócrates iniciem um declínio eleitoral que, até agora, teima em não se reflectir nas sondagens.
publicado no Diário Económico.
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