Um ciclo longo?
A diferença de lugares serve para explicar o essencial da distância que vai da mensagem mais optimista do primeiro-ministro no Natal para a mais realista do Presidente da República no Ano Novo. Até porque, no fim, o que sobra é um subtexto que tem sido partilhado por Presidência e Governo: a prioridade à consolidação orçamental e a necessidade de estabilidade política para a alcançar. As vantagens para o país desta convergência genuinamente estratégica são por demais evidentes, mas não devem servir para diluir diferenças entre projectos políticos.
A disciplina orçamental e a estabilidade política são condições necessárias para que, desde já, possamos contrariar a trajectória de pauperização sucessiva que sobre nós paira. Hoje, depois de décadas em que à exigência de sacrifícios correspondia, no curto prazo, uma melhoria significativa das condições sociais, o objectivo mais realista começa a ser evitar uma degradação progressiva dos padrões de vida. Com uma conjuntura externa adversa e com os bloqueios estruturais internos, quem prometer um futuro risonho no curto prazo limitar-se-á a ser vítima das suas próprias promessas.
Mas não basta consolidação e estabilidade. Há dois obstáculos à espreita: o conservadorismo e o populismo. Enquanto o primeiro, quer vindo da esquerda, quer da direita, vislumbra num passado mitificado a solução para o futuro, o segundo, em exercícios frequentemente contraditórios, acena com panaceias para todos os males.
No fundo, com ligeiros deslizes de parte a parte, Presidência e Governo encontram-se na consolidação, na estabilidade e na recusa do conservadorismo e do populismo. Contudo, do mesmo modo que é fundamental que haja este chão comum, é igualmente negativo que nada reste para além dele. Como se estivéssemos a viver um ciclo longo e indistinto de prioridade absoluta à consolidação orçamental, iniciado com Barroso e Ferreira Leite e que, após o curto interregno com Santana e Bagão, tivesse sido retomado por Sócrates e Teixeira dos Santos. Ciclo este que decorreria sob a tutela da Presidência da República e do qual aparenta estar fora o PSD de Menezes e de Santana. O facto do Governo encontrar respaldo na Presidência pode, aliás, servir para tornar a ideia atractiva. Contudo, não só esta não corresponde à verdade, como acabará por ter custos elevados no médio prazo.
Desde logo porque, independentemente das considerações que possamos fazer sobre o sentido ou a eficácia das reformas, há uma diferença substancial entre a segunda e a primeira parte do ciclo. Na primeira fase não só os resultados efectivos em termos de consolidação foram mais escassos, como também a capacidade de ter acção política para além do défice foi reduzida. Já na segunda, o objectivo equilíbrio das contas públicas foi acompanhado de mudanças na segurança social, saúde, administração pública ou educação. Aliás, no que tem sido um elemento virtuoso, o défice serviu como pretexto para capacitar o Governo para iniciar reformas que, de outro modo, dificilmente seria capaz de levar a cabo.
Ainda assim, o executivo, mesmo quando se distingue ideologicamente dos seus antecessores e mais ainda das linhas programáticas actuais do centro-direita, tende a sobrevalorizar a dimensão eficácia e capacidade técnica em detrimento da divergência política. O que tem um problema: ao consolidar-se o esbatimento das diferenças entre projectos, está a diluir-se a identificação dos indivíduos com as marcas políticas, aumentando quer a volatilidade do voto, quer, no que é mais grave, o distanciamento face à política, logo a abstenção. É por isso que não deixa de ser paradoxal que seja o actual Presidente a recordar ao Governo que é necessário reinvestir na concertação social e trazer o combate à pobreza e às desigualdades para a primeira linha da actividade governativa. No fundo, a lembrar ao Governo que é preciso valorizar as marcas que no passado distinguiram os Governos socialistas.
publicado no Diário Económico.
A disciplina orçamental e a estabilidade política são condições necessárias para que, desde já, possamos contrariar a trajectória de pauperização sucessiva que sobre nós paira. Hoje, depois de décadas em que à exigência de sacrifícios correspondia, no curto prazo, uma melhoria significativa das condições sociais, o objectivo mais realista começa a ser evitar uma degradação progressiva dos padrões de vida. Com uma conjuntura externa adversa e com os bloqueios estruturais internos, quem prometer um futuro risonho no curto prazo limitar-se-á a ser vítima das suas próprias promessas.
Mas não basta consolidação e estabilidade. Há dois obstáculos à espreita: o conservadorismo e o populismo. Enquanto o primeiro, quer vindo da esquerda, quer da direita, vislumbra num passado mitificado a solução para o futuro, o segundo, em exercícios frequentemente contraditórios, acena com panaceias para todos os males.
No fundo, com ligeiros deslizes de parte a parte, Presidência e Governo encontram-se na consolidação, na estabilidade e na recusa do conservadorismo e do populismo. Contudo, do mesmo modo que é fundamental que haja este chão comum, é igualmente negativo que nada reste para além dele. Como se estivéssemos a viver um ciclo longo e indistinto de prioridade absoluta à consolidação orçamental, iniciado com Barroso e Ferreira Leite e que, após o curto interregno com Santana e Bagão, tivesse sido retomado por Sócrates e Teixeira dos Santos. Ciclo este que decorreria sob a tutela da Presidência da República e do qual aparenta estar fora o PSD de Menezes e de Santana. O facto do Governo encontrar respaldo na Presidência pode, aliás, servir para tornar a ideia atractiva. Contudo, não só esta não corresponde à verdade, como acabará por ter custos elevados no médio prazo.
Desde logo porque, independentemente das considerações que possamos fazer sobre o sentido ou a eficácia das reformas, há uma diferença substancial entre a segunda e a primeira parte do ciclo. Na primeira fase não só os resultados efectivos em termos de consolidação foram mais escassos, como também a capacidade de ter acção política para além do défice foi reduzida. Já na segunda, o objectivo equilíbrio das contas públicas foi acompanhado de mudanças na segurança social, saúde, administração pública ou educação. Aliás, no que tem sido um elemento virtuoso, o défice serviu como pretexto para capacitar o Governo para iniciar reformas que, de outro modo, dificilmente seria capaz de levar a cabo.
Ainda assim, o executivo, mesmo quando se distingue ideologicamente dos seus antecessores e mais ainda das linhas programáticas actuais do centro-direita, tende a sobrevalorizar a dimensão eficácia e capacidade técnica em detrimento da divergência política. O que tem um problema: ao consolidar-se o esbatimento das diferenças entre projectos, está a diluir-se a identificação dos indivíduos com as marcas políticas, aumentando quer a volatilidade do voto, quer, no que é mais grave, o distanciamento face à política, logo a abstenção. É por isso que não deixa de ser paradoxal que seja o actual Presidente a recordar ao Governo que é necessário reinvestir na concertação social e trazer o combate à pobreza e às desigualdades para a primeira linha da actividade governativa. No fundo, a lembrar ao Governo que é preciso valorizar as marcas que no passado distinguiram os Governos socialistas.
publicado no Diário Económico.
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