Um partido desconhecido
Ninguém previu o resultado das eleições internas do PSD. Nem as próprias candidaturas esperavam este desfecho. Os indícios eram claros: enquanto Marques Mendes controlava o processo eleitoral, Menezes, numa postura típica de ‘challenger’, criava incidentes em torno do pagamento de quotas. Mas, e arrisco escrevê-lo, para surpresa de todos (incluindo os candidatos), Menezes ganhou. Aliás, o desfecho surpreendente das directas serve para demonstrar que, com a vitória do autarca de Gaia, quem ganhou foi um partido desconhecido, que existe fora dos círculos mediáticos, longe do poder central e que viu em Menezes um porta-voz adequado para expressar o seu ressentimento face aos que estão “em cima”. É natural que perante o desconhecido as previsões tendam a falhar. E a partir de agora, como vai ser?
Vale a pena recuar um pouco no tempo, para que se perceba como o PSD que aí vem é diferente de todos os outros que já passaram.
É verdade que desde a sua formação, o PSD foi sempre um partido abrangente, caracterizado pelo ecletismo, abarcando desde alguma da oposição ao antigo regime até sectores sociais claramente de direita. Aliás, foi o facto de não reproduzir linearmente clivagens cristalizadas na sociedade que permitiu ao PSD abarcar diversos sectores, muitos deles de natureza contraditória. Daí que no PPD e no PSD tenham coexistido liberais, conservadores, social-democratas e populares. Não por acaso, evitando a definição ideológica que naturalmente limitava a sua plasticidade programática e adequação aos ciclos políticos, o PSD escolheu sempre afirmar-se como o mais português dos partidos portugueses, ou seja, um partido desideologizado, capaz de fazer a síntese entre vários quadrantes políticos. O que aparentava ser uma debilidade, transformou-se numa mais-valia. Contudo, tal só aconteceu enquanto houve poder para distribuir e um líder que estava acima dos “vários partidos”. Com estas duas condições presentes, foi sendo possível manter a unidade do Partido e ser competitivo eleitoralmente. Assim que se viu afastado do poder, o que passou a prevalecer foi a desagregação e a coexistência de vários grupos, que se toleravam de forma pouco pacífica.
E o que é que esta história tem a ver com a vitória de Menezes? Diria que tudo. Enquanto no passado coexistiam verticalmente vários partidos, com o poder nacional a unir os vários pilares (os conservadores, os sociais-democratas, os liberais), o que a vitória de Menezes indicia é que há um “partido de cima”, de que fazem parte as elites das várias tendências e um “partido de baixo”, que une as bases, cada vez mais distantes das elites que, mal ou bem, as enquadravam ideologicamente. Enquanto o primeiro “existe” nos ‘media’ e é reconhecível nacionalmente, o segundo “existe” nos círculos do poder local e nas estruturas do aparelho. Chegados a 2007, depois do abandono de Durão e do desastre político de Marques Mendes, o “partido de baixo” vingou-se do menosprezo a que os de “cima” o votaram.
As vitórias internas baseiam-se em poder, ou pelo menos numa promessa deste. E a vitória de Menezes é claramente uma vitória da soma dos micro-poderes locais, dos poderes autárquicos que vão desde as juntas de freguesia até às grandes autarquias. O problema é que uma coisa é federar micro-poderes descontentes, outra, bem mais improvável, é fazê-los convergir para uma afirmação estratégica comum. Não é, por exemplo, a mesma coisa mobilizar os autarcas do partido para derrubar a liderança interna e uni-los em torno de objectivos partilhados. Até porque o partido autárquico obedece a uma racionalidade nas escolhas que não é compaginável com o interesse de um partido nacional – a prioridade do partido autárquico é garantir o poder local e não assegurar vitórias nacionais. É por isso que a discussão do próximo Orçamento de Estado vai ser o primeiro grande teste a Menezes. A equação é simples: enquanto o “partido de baixo” fará as suas reivindicações parcelares, Menezes tem de revelar capacidade para as contrariar, mantendo o PSD dentro da razoabilidade orçamental e na fidelidade à consolidação das contas públicas.
Até 2009, Menezes vai ter um desafio: contrariar a vontade do partido desconhecido e insinuar-se junto dos de “cima”. Um equilíbrio difícil de sustentar durante dois anos.
publicado no Diário Económico.
Vale a pena recuar um pouco no tempo, para que se perceba como o PSD que aí vem é diferente de todos os outros que já passaram.
É verdade que desde a sua formação, o PSD foi sempre um partido abrangente, caracterizado pelo ecletismo, abarcando desde alguma da oposição ao antigo regime até sectores sociais claramente de direita. Aliás, foi o facto de não reproduzir linearmente clivagens cristalizadas na sociedade que permitiu ao PSD abarcar diversos sectores, muitos deles de natureza contraditória. Daí que no PPD e no PSD tenham coexistido liberais, conservadores, social-democratas e populares. Não por acaso, evitando a definição ideológica que naturalmente limitava a sua plasticidade programática e adequação aos ciclos políticos, o PSD escolheu sempre afirmar-se como o mais português dos partidos portugueses, ou seja, um partido desideologizado, capaz de fazer a síntese entre vários quadrantes políticos. O que aparentava ser uma debilidade, transformou-se numa mais-valia. Contudo, tal só aconteceu enquanto houve poder para distribuir e um líder que estava acima dos “vários partidos”. Com estas duas condições presentes, foi sendo possível manter a unidade do Partido e ser competitivo eleitoralmente. Assim que se viu afastado do poder, o que passou a prevalecer foi a desagregação e a coexistência de vários grupos, que se toleravam de forma pouco pacífica.
E o que é que esta história tem a ver com a vitória de Menezes? Diria que tudo. Enquanto no passado coexistiam verticalmente vários partidos, com o poder nacional a unir os vários pilares (os conservadores, os sociais-democratas, os liberais), o que a vitória de Menezes indicia é que há um “partido de cima”, de que fazem parte as elites das várias tendências e um “partido de baixo”, que une as bases, cada vez mais distantes das elites que, mal ou bem, as enquadravam ideologicamente. Enquanto o primeiro “existe” nos ‘media’ e é reconhecível nacionalmente, o segundo “existe” nos círculos do poder local e nas estruturas do aparelho. Chegados a 2007, depois do abandono de Durão e do desastre político de Marques Mendes, o “partido de baixo” vingou-se do menosprezo a que os de “cima” o votaram.
As vitórias internas baseiam-se em poder, ou pelo menos numa promessa deste. E a vitória de Menezes é claramente uma vitória da soma dos micro-poderes locais, dos poderes autárquicos que vão desde as juntas de freguesia até às grandes autarquias. O problema é que uma coisa é federar micro-poderes descontentes, outra, bem mais improvável, é fazê-los convergir para uma afirmação estratégica comum. Não é, por exemplo, a mesma coisa mobilizar os autarcas do partido para derrubar a liderança interna e uni-los em torno de objectivos partilhados. Até porque o partido autárquico obedece a uma racionalidade nas escolhas que não é compaginável com o interesse de um partido nacional – a prioridade do partido autárquico é garantir o poder local e não assegurar vitórias nacionais. É por isso que a discussão do próximo Orçamento de Estado vai ser o primeiro grande teste a Menezes. A equação é simples: enquanto o “partido de baixo” fará as suas reivindicações parcelares, Menezes tem de revelar capacidade para as contrariar, mantendo o PSD dentro da razoabilidade orçamental e na fidelidade à consolidação das contas públicas.
Até 2009, Menezes vai ter um desafio: contrariar a vontade do partido desconhecido e insinuar-se junto dos de “cima”. Um equilíbrio difícil de sustentar durante dois anos.
publicado no Diário Económico.
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