Um novo ciclo
Desde que, há três semanas, Pedro Santana Lopes, saído de uma entrevista televisiva, voltou à ribalta, tornou-se comum dizer que o PSD tem uma direcção bicéfala. De um lado, um líder parlamentar pleno de magnetismo mediático; do outro, um presidente do partido, em Gaia, distante de Lisboa e afastado da agenda dos media. A crer no que se tem dito e escrito, Menezes, ao entregar a direcção da bancada parlamentar, ofuscou as suas possibilidades de afirmação, ao mesmo tempo que alienou uma quota parte do poder que havia conquistado a favor de Santana Lopes. Acontece que esse não é o problema essencial do “acordo institucional” entre Menezes e Santana Lopes.
Na verdade, Menezes poderia retirar vantagens desta coligação: protegia-se do debate parlamentar e construía uma pose de estadista, enquanto Santana Lopes se desgastava no jogo de ataques e respostas ao Governo. Com as miras todas apontadas ao líder parlamentar (basta pensar no que tem acontecido nos últimos dias, com notícias sobre Santana, as dívidas de campanha e relacionadas com a Câmara de Lisboa), Menezes teria espaço para respirar e para aparecer, em 2009, como uma alternativa a José Sócrates. Acontece que estas três semanas não têm revelado uma liderança bicéfala, mas sim um processo de contaminação de Luís Filipe Menezes por aquilo que são as principais características políticas de Santana Lopes.
Os sinais, aliás, começaram no próprio Congresso. Desde logo, com os indícios de que o que então começava era um novo partido, que esquecia o património recente. Enquanto Menezes fazia um discurso de união, era apresentada uma lista que se circunscrevia aos seus apoiantes na disputa interna. Depois, ainda veio a substituição, de modo inusitado e por razões de conveniência da nova direcção, dos presidentes das comissões parlamentares a meio da legislatura; já no Congresso, a vontade de dar voz aos problemas dos portugueses cruzava-se com a ideia peregrina não de rever a Constituição, mas de fazer uma nova.
O que as últimas semanas do PSD nos têm revelado é instabilidade combinada com descoincidência entre o discurso e a prática. A consequência tem sido só uma e recorda-nos os tempos de Santana Lopes líder: a marcação da agenda através de incidentes, em lugar da afirmação através da diferenciação política.
Esta tendência é tanto mais preocupante quanto Menezes chegou à liderança com um duplo estigma: o de ser populista e de ter ganho assentando numa plataforma aparelhística, liderada por um núcleo restrito de próximos. Ora a sua prioridade deveria ser contrariar estas duas ideias, mas, ao coligar-se com Santana Lopes, o que tem feito é exactamente o contrário: associa-se desnecessariamente ao pior momento da história do PSD; reforça a inconstância e sublinha a sua natureza emocional e fragiliza a sua capacidade de ganhar peso institucional. Tudo aspectos que tendem a ser prejudiciais em eleições de primeira ordem, nas quais as escolhas se fazem mais com base na ‘gravitas’ institucional e na percepção de que há uma alternativa clara e coerente e menos porque a oposição é particularmente enérgica e capaz de irritar o primeiro-ministro.
Mas não se julgue que este reposicionamento do PSD não acarreta problemas para o Governo. Pelo contrário, tal como no passado com a liderança de Santana Lopes, o PS será empurrado para o espaço político da estabilidade institucional, procurando também mobilizar muitos eleitores de centro-direita que nunca foram seus. Uma estratégia que funciona para um ‘challenger’ mas que é de mais difícil concretização quando se está no Governo acompanhado por sinais de descontentamento que começam a tornar-se estruturais e abrem a porta para o crescimento eleitoral à esquerda dos socialistas.
Parece por isso, cada vez mais, que estamos a viver um novo ciclo na política portuguesa. Um ciclo em que a volatilidade do sistema partidário é crescente, com os principais partidos a serem, cada um à sua maneira, algo de diferente do que sempre foram e com uma crise social que se tem tornado estrutural, não poupando a confiança dos portugueses nas instituições. Neste contexto, o que o país precisava era de bom senso da parte dos actores políticos e encastramento social dos partidos. O que é oferecido é exactamente o contrário: instabilidade na oposição e desenraizamento do lado do poder.
publicado no Diário Económico.
Na verdade, Menezes poderia retirar vantagens desta coligação: protegia-se do debate parlamentar e construía uma pose de estadista, enquanto Santana Lopes se desgastava no jogo de ataques e respostas ao Governo. Com as miras todas apontadas ao líder parlamentar (basta pensar no que tem acontecido nos últimos dias, com notícias sobre Santana, as dívidas de campanha e relacionadas com a Câmara de Lisboa), Menezes teria espaço para respirar e para aparecer, em 2009, como uma alternativa a José Sócrates. Acontece que estas três semanas não têm revelado uma liderança bicéfala, mas sim um processo de contaminação de Luís Filipe Menezes por aquilo que são as principais características políticas de Santana Lopes.
Os sinais, aliás, começaram no próprio Congresso. Desde logo, com os indícios de que o que então começava era um novo partido, que esquecia o património recente. Enquanto Menezes fazia um discurso de união, era apresentada uma lista que se circunscrevia aos seus apoiantes na disputa interna. Depois, ainda veio a substituição, de modo inusitado e por razões de conveniência da nova direcção, dos presidentes das comissões parlamentares a meio da legislatura; já no Congresso, a vontade de dar voz aos problemas dos portugueses cruzava-se com a ideia peregrina não de rever a Constituição, mas de fazer uma nova.
O que as últimas semanas do PSD nos têm revelado é instabilidade combinada com descoincidência entre o discurso e a prática. A consequência tem sido só uma e recorda-nos os tempos de Santana Lopes líder: a marcação da agenda através de incidentes, em lugar da afirmação através da diferenciação política.
Esta tendência é tanto mais preocupante quanto Menezes chegou à liderança com um duplo estigma: o de ser populista e de ter ganho assentando numa plataforma aparelhística, liderada por um núcleo restrito de próximos. Ora a sua prioridade deveria ser contrariar estas duas ideias, mas, ao coligar-se com Santana Lopes, o que tem feito é exactamente o contrário: associa-se desnecessariamente ao pior momento da história do PSD; reforça a inconstância e sublinha a sua natureza emocional e fragiliza a sua capacidade de ganhar peso institucional. Tudo aspectos que tendem a ser prejudiciais em eleições de primeira ordem, nas quais as escolhas se fazem mais com base na ‘gravitas’ institucional e na percepção de que há uma alternativa clara e coerente e menos porque a oposição é particularmente enérgica e capaz de irritar o primeiro-ministro.
Mas não se julgue que este reposicionamento do PSD não acarreta problemas para o Governo. Pelo contrário, tal como no passado com a liderança de Santana Lopes, o PS será empurrado para o espaço político da estabilidade institucional, procurando também mobilizar muitos eleitores de centro-direita que nunca foram seus. Uma estratégia que funciona para um ‘challenger’ mas que é de mais difícil concretização quando se está no Governo acompanhado por sinais de descontentamento que começam a tornar-se estruturais e abrem a porta para o crescimento eleitoral à esquerda dos socialistas.
Parece por isso, cada vez mais, que estamos a viver um novo ciclo na política portuguesa. Um ciclo em que a volatilidade do sistema partidário é crescente, com os principais partidos a serem, cada um à sua maneira, algo de diferente do que sempre foram e com uma crise social que se tem tornado estrutural, não poupando a confiança dos portugueses nas instituições. Neste contexto, o que o país precisava era de bom senso da parte dos actores políticos e encastramento social dos partidos. O que é oferecido é exactamente o contrário: instabilidade na oposição e desenraizamento do lado do poder.
publicado no Diário Económico.
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