A Lição de Obama
Quando hoje à noite se realizarem as primárias do Ohio e do Texas, a escolha do candidato democrata ficará encerrada. Contudo, independentemente do resultado, estas eleições já tiveram um vencedor: Barack Obama. O Senador do Illinois marcou a campanha e, acima de tudo, definiu os termos do debate.
O aspecto mais relevante da campanha de Obama – e que explica muito do entusiasmo gerado – não se prende com a apresentação de políticas assentes em soluções técnicas inovadoras. Pelo contrário, é difícil encontrar na primeira linha da sua argumentação propostas políticas concretas. Mas o que poderia ser visto como uma fragilidade é substituído por aquilo que é a sua principal força: a capacidade de mobilização pela palavra através da construção de uma narrativa sobre o passado dos EUA, mas que se projecta no futuro.
Desse ponto de vista, a campanha de Obama veio relembrar o que tem sido frequentemente esquecido: a política é uma conversa colectiva dos cidadãos sobre a coisa pública. Ora, como tem acontecido um pouco por todo o lado, quanto mais esta dimensão é desvalorizada e substituída por uma disputa entre soluções técnicas alternativas, menos relevantes se tornam as clivagens políticas – o que, por sua vez, faz crescer a tendência para o afastamento dos cidadãos da política. Quando a diferença é ténue, a propensão para participar enfraquece.
O discurso de Obama assenta em dois grandes pilares: por um lado, o envolvimento cívico e o espírito de comunidade – ou seja, a ideia de que o bem comum não depende necessariamente de mais governo, mas, sim, da participação de todos; por outro, o que pode ser classificado como optimismo realista – uma visão do futuro que não é cega face às dificuldades. Pelo contrário, reconhece que a dimensão das resistências à mudança implica a mobilização colectiva de vontades, baseada numa narrativa optimista quanto ao futuro.
Robert Reich, que foi ministro do Trabalho da primeira administração Clinton e que conhece o ex-presidente desde a juventude, num texto no seu ‘blog’, chama precisamente a atenção para o modo como na campanha de Obama ecoam as campanhas de John e Robert Kennedy. Reich sublinha contudo que, tal como Obama, nem John nem Robert Kennedy eram idealistas. Eram sim realistas que reconheciam a importância do idealismo para servir o realismo, que percebiam que as aspirações morais ajudam a mobilizar politicamente as nações.
Num notável discurso depois da derrota nas primárias do New Hampshire – entretanto musicado e tornado num dos videos mais vistos do YouTube – Obama antecipou que a sua campanha seria tratada por hordas de cínicos apenas como um exercício de retórica superficial, baseado num romantismo ingénuo. Mas, como lembra ainda Reich, convém recordar a inspiração que subsiste da acção dos Kennedy e o modo como, ainda hoje, essa é a referência para a participação de muitos na coisa pública.
Provavelmente, desde então, ninguém tinha conseguido envolver, de modo tão intenso, tantos na “conversa sobre a política” como Obama. Os níveis de participação nas primárias democratas, o envolvimento dos jovens e de muitos outros que tendem a votar menos, são os principais sintomas de que algo de novo se está a passar. Algo que só encontra paralelo nas campanhas idealistas, mas que provaram ser capazes de transformar a coisa pública como as dos irmãos Kennedy.
Há uma lição a retirar da campanha de Obama: a política não pode ser reduzida a uma disputa entre soluções técnicas.
Naturalmente que a definição de boas políticas é importante, mas Obama está aí para demonstrar que o fundamental é a capacidade de desenvolver uma narrativa mobilizadora, que olhe para o futuro com optimismo realista. Enquanto, como acontece por exemplo em Portugal, o essencial da política assentar em sucessivos acertos de contas com o passado, combinados com discursos de passa-culpas e com meia-dúzia de metas quantificadas, a possibilidade de, de novo, mobilizar as vontades de todos será irremediavelmente diminuta. Como mostra Obama, é preciso redescobrir o papel da palavra para a política. Uma redescoberta que pode ajudar a que nos afastemos das campanhas pré-formatadas e das diferenças baseadas em pormenores. No fundo, campanhas que têm levado a uma espiral de subvalorização afectiva da política.
publicado no Diário Economico.
O aspecto mais relevante da campanha de Obama – e que explica muito do entusiasmo gerado – não se prende com a apresentação de políticas assentes em soluções técnicas inovadoras. Pelo contrário, é difícil encontrar na primeira linha da sua argumentação propostas políticas concretas. Mas o que poderia ser visto como uma fragilidade é substituído por aquilo que é a sua principal força: a capacidade de mobilização pela palavra através da construção de uma narrativa sobre o passado dos EUA, mas que se projecta no futuro.
Desse ponto de vista, a campanha de Obama veio relembrar o que tem sido frequentemente esquecido: a política é uma conversa colectiva dos cidadãos sobre a coisa pública. Ora, como tem acontecido um pouco por todo o lado, quanto mais esta dimensão é desvalorizada e substituída por uma disputa entre soluções técnicas alternativas, menos relevantes se tornam as clivagens políticas – o que, por sua vez, faz crescer a tendência para o afastamento dos cidadãos da política. Quando a diferença é ténue, a propensão para participar enfraquece.
O discurso de Obama assenta em dois grandes pilares: por um lado, o envolvimento cívico e o espírito de comunidade – ou seja, a ideia de que o bem comum não depende necessariamente de mais governo, mas, sim, da participação de todos; por outro, o que pode ser classificado como optimismo realista – uma visão do futuro que não é cega face às dificuldades. Pelo contrário, reconhece que a dimensão das resistências à mudança implica a mobilização colectiva de vontades, baseada numa narrativa optimista quanto ao futuro.
Robert Reich, que foi ministro do Trabalho da primeira administração Clinton e que conhece o ex-presidente desde a juventude, num texto no seu ‘blog’, chama precisamente a atenção para o modo como na campanha de Obama ecoam as campanhas de John e Robert Kennedy. Reich sublinha contudo que, tal como Obama, nem John nem Robert Kennedy eram idealistas. Eram sim realistas que reconheciam a importância do idealismo para servir o realismo, que percebiam que as aspirações morais ajudam a mobilizar politicamente as nações.
Num notável discurso depois da derrota nas primárias do New Hampshire – entretanto musicado e tornado num dos videos mais vistos do YouTube – Obama antecipou que a sua campanha seria tratada por hordas de cínicos apenas como um exercício de retórica superficial, baseado num romantismo ingénuo. Mas, como lembra ainda Reich, convém recordar a inspiração que subsiste da acção dos Kennedy e o modo como, ainda hoje, essa é a referência para a participação de muitos na coisa pública.
Provavelmente, desde então, ninguém tinha conseguido envolver, de modo tão intenso, tantos na “conversa sobre a política” como Obama. Os níveis de participação nas primárias democratas, o envolvimento dos jovens e de muitos outros que tendem a votar menos, são os principais sintomas de que algo de novo se está a passar. Algo que só encontra paralelo nas campanhas idealistas, mas que provaram ser capazes de transformar a coisa pública como as dos irmãos Kennedy.
Há uma lição a retirar da campanha de Obama: a política não pode ser reduzida a uma disputa entre soluções técnicas.
Naturalmente que a definição de boas políticas é importante, mas Obama está aí para demonstrar que o fundamental é a capacidade de desenvolver uma narrativa mobilizadora, que olhe para o futuro com optimismo realista. Enquanto, como acontece por exemplo em Portugal, o essencial da política assentar em sucessivos acertos de contas com o passado, combinados com discursos de passa-culpas e com meia-dúzia de metas quantificadas, a possibilidade de, de novo, mobilizar as vontades de todos será irremediavelmente diminuta. Como mostra Obama, é preciso redescobrir o papel da palavra para a política. Uma redescoberta que pode ajudar a que nos afastemos das campanhas pré-formatadas e das diferenças baseadas em pormenores. No fundo, campanhas que têm levado a uma espiral de subvalorização afectiva da política.
publicado no Diário Economico.
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