Para o partido, tudo
As declarações de Luís Filipe Menezes a propor a redistribuição de lugares de ‘opinion makers’ tiveram uma virtude: foram transparentes. Aliás, Menezes fala sempre com uma meridiana clareza, o que serve para o tornar algo entre o “tipo ideal” e a caricatura dos males da política partidária. O líder do PSD, contudo, está longe de deter um exclusivo. É apenas uma versão extremada, à qual estamos menos habituados.
Pode haver uma explicação singela para que Menezes tenha vindo, em público, meter uma “cunha” a favor dos seus. Ele vem de “fora” e não pertence às elites político-mediáticas de Lisboa. Faltam-lhe, por isso, os canais usualmente utilizados para tratar destas coisas. Não podendo sugerir informalmente Cadilhe para a Caixa e Ribau Esteves para a Quadratura do Círculo, fá-lo em público.
O modo como Menezes intercedeu a favor dos seus é revelador de enormes fragilidades, mas não chega para explicar tudo. Afinal, Menezes confessa, desde sempre, uma inusitada preocupação com a ocupação de lugares. No fundo, o que as suas intervenções sugerem é um modo muito particular de conceber a vida política. Um modo que, infelizmente, se tem consolidado em todos os partidos do chamado “arco da governabilidade” e no qual a organização partidária do “espaço público” desempenha um papel instrumental.
Esta preocupação não é claro uma ideia nova. Por exemplo em Itália, no estertor da I República, a tutela dos três canais de TV públicos encontrava-se equitativamente repartida: a Rai1 ficava para a DC de Andreotti, a Rai2 para o PSI de Craxi e a Rai3 para o PCI do “povo”. A história depois é conhecida: turbulência, falência do sistema e o magnata dos media privados, o inenarrável Berlusconi, a quem o “antigo regime” tinha sempre dado uma mão amiga, viria a acumular o controlo das TV públicas com o das privadas. E convém não esquecer, a Itália é normalmente um bom observatório, pois tende a antecipar o que nos acaba por acontecer. Já agora em Itália a história repetiu-se, “primeiro como tragédia, depois como farsa”.
Dirá o leitor mais céptico, “sempre foi assim”, já que uma das funções primordiais dos partidos é a ocupação do aparelho de Estado, assegurando assim o desempenho de funções institucionais. É de facto verdade. Os partidos servem para organizar a presença política nas esferas institucionais públicas. Há contudo um problema. Para que os regimes democráticos se mantenham legítimos aos olhos dos cidadãos, essa função tem de ser compensada pela representação e agregação nos partidos de interesses sociais. Ora, o problema é que enquanto os partidos continuam a desempenhar – ainda assim com alguma eficácia – as suas funções institucionais, a sua legitimidade encontra-se crescentemente fragilizada. Não só representam cada vez menos, como em lugar de se articularem com os interesses sociais organizados, procuram cada vez mais competir com eles (basta pensar no acentuar da dicotomia entre partidos e sindicatos).
O que é que isto tem a ver com Menezes? Tudo. As declarações de Menezes revelam como hoje quem queira reforçar o poder interno num partido não precisa de falar para fora, nem de articular-se com a sociedade. Basta procurar distribuir pelos seus lugares, quer no espaço público (ex. os comentadores), quer institucionais (ex. a CGD). O problema é que enquanto se consolida o poder interno, fragiliza-se ainda mais a capacidade de representação social dos partidos. Menezes talvez esteja a levar longe de mais a estratégia, mas, ainda assim, este episódio serve para reavivar a memória relativamente ao que aconteceu em Itália.
Nota: O que se passou após a morte de um bebé na Anadia é mais um exemplo dos níveis de insalubridade que atingem a política portuguesa. Uma coisa é a divergência sobre as orientações políticas, outra, a tentativa de associar esta tragédia à reforma da rede de urgências. A prosseguir-se por este caminho – espartilhados por uma coligação entre política e comunicação social tablóides – num futuro muito próximo, ninguém minimamente decente estará disposto a ser ministro da Saúde. É que quando a canalhice ameaça tornar-se o alicerce fundamental da sintaxe política, só os canalhas entrarão no jogo.
publicado no Diário Económico.
Pode haver uma explicação singela para que Menezes tenha vindo, em público, meter uma “cunha” a favor dos seus. Ele vem de “fora” e não pertence às elites político-mediáticas de Lisboa. Faltam-lhe, por isso, os canais usualmente utilizados para tratar destas coisas. Não podendo sugerir informalmente Cadilhe para a Caixa e Ribau Esteves para a Quadratura do Círculo, fá-lo em público.
O modo como Menezes intercedeu a favor dos seus é revelador de enormes fragilidades, mas não chega para explicar tudo. Afinal, Menezes confessa, desde sempre, uma inusitada preocupação com a ocupação de lugares. No fundo, o que as suas intervenções sugerem é um modo muito particular de conceber a vida política. Um modo que, infelizmente, se tem consolidado em todos os partidos do chamado “arco da governabilidade” e no qual a organização partidária do “espaço público” desempenha um papel instrumental.
Esta preocupação não é claro uma ideia nova. Por exemplo em Itália, no estertor da I República, a tutela dos três canais de TV públicos encontrava-se equitativamente repartida: a Rai1 ficava para a DC de Andreotti, a Rai2 para o PSI de Craxi e a Rai3 para o PCI do “povo”. A história depois é conhecida: turbulência, falência do sistema e o magnata dos media privados, o inenarrável Berlusconi, a quem o “antigo regime” tinha sempre dado uma mão amiga, viria a acumular o controlo das TV públicas com o das privadas. E convém não esquecer, a Itália é normalmente um bom observatório, pois tende a antecipar o que nos acaba por acontecer. Já agora em Itália a história repetiu-se, “primeiro como tragédia, depois como farsa”.
Dirá o leitor mais céptico, “sempre foi assim”, já que uma das funções primordiais dos partidos é a ocupação do aparelho de Estado, assegurando assim o desempenho de funções institucionais. É de facto verdade. Os partidos servem para organizar a presença política nas esferas institucionais públicas. Há contudo um problema. Para que os regimes democráticos se mantenham legítimos aos olhos dos cidadãos, essa função tem de ser compensada pela representação e agregação nos partidos de interesses sociais. Ora, o problema é que enquanto os partidos continuam a desempenhar – ainda assim com alguma eficácia – as suas funções institucionais, a sua legitimidade encontra-se crescentemente fragilizada. Não só representam cada vez menos, como em lugar de se articularem com os interesses sociais organizados, procuram cada vez mais competir com eles (basta pensar no acentuar da dicotomia entre partidos e sindicatos).
O que é que isto tem a ver com Menezes? Tudo. As declarações de Menezes revelam como hoje quem queira reforçar o poder interno num partido não precisa de falar para fora, nem de articular-se com a sociedade. Basta procurar distribuir pelos seus lugares, quer no espaço público (ex. os comentadores), quer institucionais (ex. a CGD). O problema é que enquanto se consolida o poder interno, fragiliza-se ainda mais a capacidade de representação social dos partidos. Menezes talvez esteja a levar longe de mais a estratégia, mas, ainda assim, este episódio serve para reavivar a memória relativamente ao que aconteceu em Itália.
Nota: O que se passou após a morte de um bebé na Anadia é mais um exemplo dos níveis de insalubridade que atingem a política portuguesa. Uma coisa é a divergência sobre as orientações políticas, outra, a tentativa de associar esta tragédia à reforma da rede de urgências. A prosseguir-se por este caminho – espartilhados por uma coligação entre política e comunicação social tablóides – num futuro muito próximo, ninguém minimamente decente estará disposto a ser ministro da Saúde. É que quando a canalhice ameaça tornar-se o alicerce fundamental da sintaxe política, só os canalhas entrarão no jogo.
publicado no Diário Económico.
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