Ainda o clima anti-sindical
Há um ano e meio, escrevi aqui que se vivia um clima anti-sindical na sociedade portuguesa. Na altura, o Governo enfrentava os primeiros momentos de contestação pública organizada e a retórica anti-sindical ganhava visibilidade. Os sindicatos eram vistos como defensores do ‘status quo’. Entretanto, nada de essencial mudou e o Governo continua a opor-se à agenda sindical. Tem boas razões: o movimento sindical português – no que é acompanhado pelo patronato – tem uma postura de reserva face à negociação, raramente abdicando da defesa imobilista da sua posição de partida. O problema é que enquanto contesta a agenda sindical, o Governo dá sinais de que considera a própria ideia de um movimento sindical robusto uma excrescência da esquerda “conservadora”. Como na altura escrevi, recuperando uma ideia de Paul Krugman – alguém insuspeito de conservadorismo –, entre as políticas públicas que há que mudar encontra-se o clima anti-sindical.
Acontece que este clima não tem contribuído para a modernização da agenda sindical. Pelo contrário, tem servido para empurrar cada vez mais os sindicatos para uma posição que não beneficia ninguém. Não é útil nem para a capacidade reformista do país, nem para a qualidade da democracia, a diminuição do papel dos parceiros sociais em geral e dos sindicatos em particular.
Mas uma coisa é o que o conjunto da sociedade – e os partidos em particular – pode fazer pelo movimento sindical. Outra é o que o movimento sindical pode fazer por si próprio. Desse ponto de vista, os sinais que chegaram do último congresso da CGTP não são animadores.
Não partilho a visão de que a CGTP é o braço do PCP no movimento sindical. A confederação sempre foi bem mais do que isso. Nela sempre coexistiram comunistas, socialistas, católicos, independentes e essa coexistência sempre foi garante do pluralismo da sua acção e razão da sua representatividade. Reduzir a CGTP ao PCP revela desconhecimento da confederação. Aliás, desconfio que a maioria dos sindicalizados da CGTP (de acordo com os números da central, em redor dos 700 mil filiados) não é sequer eleitor do PCP (nas últimas legislativas o PCP teve pouco mais de 400 mil votos).
A CGTP, pela sua representatividade e defesa dos interesses dos trabalhadores (o que em Portugal está longe de ser uma abstracção), tem um lugar central na sociedade portuguesa. Ainda que recentemente tenha desenvolvido uma estratégia mais de protesto do que de negociação e se tenha entrincheirado em posições conservadoras, dimensões que os sinais do último fim-de-semana parecem consolidar.
Desde logo porque a tutela do PCP sobre a CGTP se intensificou, contrariando o que seria normal, pensando na perda de influência social dos comunistas e no que seria desejável para a autonomização do movimento sindical face aos partidos. Nesta dimensão, é tão grave o controlo apertado que o PCP tem feito da CGTP, como o é a total ausência de estratégia dos restantes partidos para o movimento sindical. Que PS e Governo não gostem dos sindicatos que existem é legítimo, que se tenham demitido de ter uma ideia para o movimento sindical português é trágico para a democracia portuguesa. As consequências desta ausência de estratégia estão à vista.
O Congresso deste fim-de-semana deixou preocupantes indícios de um fechamento crescente.
Naquilo que é uma singularidade no Ocidente, a CGTP insiste em não aderir à recém-formada Confederação Sindical Internacional. Num mundo em que a dimensão global dos desafios é manifesta, este isolamento – combinado com a hostilidade face à UE – é inexplicável e caricato (até porque quase só é acompanhado pelos sindicatos “livres” da Coreia do Norte e de Cuba). Depois, a renovação dos quadros sindicais baseada no rejuvenescimento: nenhuma clivagem política relevante assenta neste critério e só alguém muito ingénuo é que pode pensar que mudança geracional significa renovação.
Este duplo fechamento e a tutela crescente do PCP sobre a CGTP terão consequências: empurrar ainda mais a CGTP para a contestação, contribuir para o agravamento do clima anti-sindical e diminuir a propensão negociadora do principal parceiro sindical português. O que serve para lembrar que na UE nenhum país conseguiu de facto modernizar-se sem negociação entre Estado e parceiros sociais.
publicado no Diário Económico.
Acontece que este clima não tem contribuído para a modernização da agenda sindical. Pelo contrário, tem servido para empurrar cada vez mais os sindicatos para uma posição que não beneficia ninguém. Não é útil nem para a capacidade reformista do país, nem para a qualidade da democracia, a diminuição do papel dos parceiros sociais em geral e dos sindicatos em particular.
Mas uma coisa é o que o conjunto da sociedade – e os partidos em particular – pode fazer pelo movimento sindical. Outra é o que o movimento sindical pode fazer por si próprio. Desse ponto de vista, os sinais que chegaram do último congresso da CGTP não são animadores.
Não partilho a visão de que a CGTP é o braço do PCP no movimento sindical. A confederação sempre foi bem mais do que isso. Nela sempre coexistiram comunistas, socialistas, católicos, independentes e essa coexistência sempre foi garante do pluralismo da sua acção e razão da sua representatividade. Reduzir a CGTP ao PCP revela desconhecimento da confederação. Aliás, desconfio que a maioria dos sindicalizados da CGTP (de acordo com os números da central, em redor dos 700 mil filiados) não é sequer eleitor do PCP (nas últimas legislativas o PCP teve pouco mais de 400 mil votos).
A CGTP, pela sua representatividade e defesa dos interesses dos trabalhadores (o que em Portugal está longe de ser uma abstracção), tem um lugar central na sociedade portuguesa. Ainda que recentemente tenha desenvolvido uma estratégia mais de protesto do que de negociação e se tenha entrincheirado em posições conservadoras, dimensões que os sinais do último fim-de-semana parecem consolidar.
Desde logo porque a tutela do PCP sobre a CGTP se intensificou, contrariando o que seria normal, pensando na perda de influência social dos comunistas e no que seria desejável para a autonomização do movimento sindical face aos partidos. Nesta dimensão, é tão grave o controlo apertado que o PCP tem feito da CGTP, como o é a total ausência de estratégia dos restantes partidos para o movimento sindical. Que PS e Governo não gostem dos sindicatos que existem é legítimo, que se tenham demitido de ter uma ideia para o movimento sindical português é trágico para a democracia portuguesa. As consequências desta ausência de estratégia estão à vista.
O Congresso deste fim-de-semana deixou preocupantes indícios de um fechamento crescente.
Naquilo que é uma singularidade no Ocidente, a CGTP insiste em não aderir à recém-formada Confederação Sindical Internacional. Num mundo em que a dimensão global dos desafios é manifesta, este isolamento – combinado com a hostilidade face à UE – é inexplicável e caricato (até porque quase só é acompanhado pelos sindicatos “livres” da Coreia do Norte e de Cuba). Depois, a renovação dos quadros sindicais baseada no rejuvenescimento: nenhuma clivagem política relevante assenta neste critério e só alguém muito ingénuo é que pode pensar que mudança geracional significa renovação.
Este duplo fechamento e a tutela crescente do PCP sobre a CGTP terão consequências: empurrar ainda mais a CGTP para a contestação, contribuir para o agravamento do clima anti-sindical e diminuir a propensão negociadora do principal parceiro sindical português. O que serve para lembrar que na UE nenhum país conseguiu de facto modernizar-se sem negociação entre Estado e parceiros sociais.
publicado no Diário Económico.
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