A memória na política
“Há muita falta de memória na política e nos políticos”, ouve-se pela voz de Jorge Coelho na promo da Quadratura do Círculo. A frase condensa um dos piores traços da nossa vida política: a ausência de referências sobre a forma como perante episódios semelhantes os agentes se comportaram. A face mais visível desta ausência de memória é as promessas não cumpridas, mas há outras, não menos graves e que contribuem para a degradação da imagem da actividade política.
Entre elas está a ausência de coerência entre as posições de um mesmo político. Naturalmente que o principal responsável desta incoerência é sempre o político que não revela respeito pelo seu próprio passado, ainda que encontre invariavelmente um aliado conivente na comunicação social, também ela fraca de memória.
Este comportamento tem tido um impacto notável na percepção já negativa que os cidadãos têm sobre a política. As lamentáveis declarações de Jaime Gama a propósito do presidente do Governo Regional da Madeira são mais um exemplo de falta de memória.
Esqueçamos, por um momento (mas apenas por um breve momento, porque, como vimos este fim-de-semana, o líder madeirense está sempre disposto a reavivar-nos a memória), a opinião que se possa ter sobre a acção de Alberto João Jardim. Não importa se achamos que um modelo de desenvolvimento assente nas obras públicas, nas baixas qualificações e no endividamento público é algo que possa ser elogiado ou até deixemos de lado uma verdade elementar: o cimento de uma democracia-liberal não é o voto popular, mas um sem número de outras dimensões, à cabeça um mínimo de civilidade. Esqueçamos tudo isso. O lado mais grave das declarações de Jaime Gama é que chamam a atenção para a falta de memória na política. Somos todos livres de dizer o que bem nos aprouver sobre João Jardim, o que é difícil de compreender é que alguém que, entre todos os actores políticos portugueses, fez das declarações mais violentas sobre o presidente do Governo Regional, venha agora dizer exactamente o seu contrário, sem mais explicações. É como se para passar de Bokassa a “sol na terra” um ligeiro salto no tempo fosse o bastante para a desmemoriação colectiva.
Esta mudança serve, aliás, para consolidar a percepção disseminada de que a disputa político-partidária é uma farsa. Uma farsa na qual as partes se desentendem, por vezes com uma violência inusitada (o Bokassa, sempre o Bokassa), para, à primeira conveniência ou necessidade, caírem no regaço do seu adversário de há minutos. No fundo, cria-se a ideia de que a divergência serve só para criar uma ilusão de que estão de facto em disputa alternativas. Cada vez que alguém com as responsabilidade de Jaime Gama revela desrespeito pelo seu próprio passado, está a dar uma grande ajuda à consolidação desde modo de olhar para a política.
E, claro, é sabido que Alberto João Jardim não deixa nunca escapar uma oportunidade de reforçar a sua própria imagem, que se reflecte como um espectro sobre o regime que criou na Madeira.
O congresso do PSD-Madeira deste fim-de-semana, de que só tivemos relatos da abertura e do encerramento porque foi interdito à comunicação social, já que o partido não confia na cobertura de alguns dos “empregados” da classe (SIC), serviu para reavivar a memória.
Desde logo, sobre a concepção de liberdade de informação de Jardim. A este propósito, recorde-se que o deputado Jaime Ramos é proprietário de 5 rádios enquanto o seu filho é administrador de uma empresa do pai, que tem o sugestivo nome de Controlmedia. A que há que somar esse exemplo supremo de pluralismo que é o Jornal da Madeira. Deve ser esta a concepção de “empregados da classe” de João Jardim.
Mas o pior estava para chegar no encerramento: enquanto Luís Filipe Menezes oferecia numa bandeja tudo o que o PSD/Madeira sempre pretendeu – (“autonomia sem limites”, seja lá o que isso for) e que o PSD de Cavaco Silva felizmente sempre negou – Jardim, no estilo nacional-cançonetista arruaceiro que o caracteriza, aproveitou para afirmar que “o PSD não é igual ao PS, gente que não lava os pés”. Uma frase que é todo um programa político e que esperemos ao menos tenha sido suficiente para lavar a memória de Jaime Gama.
publicado no Diário Económico.
Entre elas está a ausência de coerência entre as posições de um mesmo político. Naturalmente que o principal responsável desta incoerência é sempre o político que não revela respeito pelo seu próprio passado, ainda que encontre invariavelmente um aliado conivente na comunicação social, também ela fraca de memória.
Este comportamento tem tido um impacto notável na percepção já negativa que os cidadãos têm sobre a política. As lamentáveis declarações de Jaime Gama a propósito do presidente do Governo Regional da Madeira são mais um exemplo de falta de memória.
Esqueçamos, por um momento (mas apenas por um breve momento, porque, como vimos este fim-de-semana, o líder madeirense está sempre disposto a reavivar-nos a memória), a opinião que se possa ter sobre a acção de Alberto João Jardim. Não importa se achamos que um modelo de desenvolvimento assente nas obras públicas, nas baixas qualificações e no endividamento público é algo que possa ser elogiado ou até deixemos de lado uma verdade elementar: o cimento de uma democracia-liberal não é o voto popular, mas um sem número de outras dimensões, à cabeça um mínimo de civilidade. Esqueçamos tudo isso. O lado mais grave das declarações de Jaime Gama é que chamam a atenção para a falta de memória na política. Somos todos livres de dizer o que bem nos aprouver sobre João Jardim, o que é difícil de compreender é que alguém que, entre todos os actores políticos portugueses, fez das declarações mais violentas sobre o presidente do Governo Regional, venha agora dizer exactamente o seu contrário, sem mais explicações. É como se para passar de Bokassa a “sol na terra” um ligeiro salto no tempo fosse o bastante para a desmemoriação colectiva.
Esta mudança serve, aliás, para consolidar a percepção disseminada de que a disputa político-partidária é uma farsa. Uma farsa na qual as partes se desentendem, por vezes com uma violência inusitada (o Bokassa, sempre o Bokassa), para, à primeira conveniência ou necessidade, caírem no regaço do seu adversário de há minutos. No fundo, cria-se a ideia de que a divergência serve só para criar uma ilusão de que estão de facto em disputa alternativas. Cada vez que alguém com as responsabilidade de Jaime Gama revela desrespeito pelo seu próprio passado, está a dar uma grande ajuda à consolidação desde modo de olhar para a política.
E, claro, é sabido que Alberto João Jardim não deixa nunca escapar uma oportunidade de reforçar a sua própria imagem, que se reflecte como um espectro sobre o regime que criou na Madeira.
O congresso do PSD-Madeira deste fim-de-semana, de que só tivemos relatos da abertura e do encerramento porque foi interdito à comunicação social, já que o partido não confia na cobertura de alguns dos “empregados” da classe (SIC), serviu para reavivar a memória.
Desde logo, sobre a concepção de liberdade de informação de Jardim. A este propósito, recorde-se que o deputado Jaime Ramos é proprietário de 5 rádios enquanto o seu filho é administrador de uma empresa do pai, que tem o sugestivo nome de Controlmedia. A que há que somar esse exemplo supremo de pluralismo que é o Jornal da Madeira. Deve ser esta a concepção de “empregados da classe” de João Jardim.
Mas o pior estava para chegar no encerramento: enquanto Luís Filipe Menezes oferecia numa bandeja tudo o que o PSD/Madeira sempre pretendeu – (“autonomia sem limites”, seja lá o que isso for) e que o PSD de Cavaco Silva felizmente sempre negou – Jardim, no estilo nacional-cançonetista arruaceiro que o caracteriza, aproveitou para afirmar que “o PSD não é igual ao PS, gente que não lava os pés”. Uma frase que é todo um programa político e que esperemos ao menos tenha sido suficiente para lavar a memória de Jaime Gama.
publicado no Diário Económico.
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