segunda-feira, abril 01, 2013

Uma oportunidade perdida


Em menos de dois anos, desabituámo-nos de ter um primeiro-ministro capaz de explicar e de se explicar. O regresso de José Sócrates, independentemente do que possamos pensar sobre o que diz, revela a importância política da forma como se diz.
A clareza favorece também a interpretação do que Sócrates quis que esta entrevista fosse. Na ausência de alguém que contrariasse uma “narrativa” hegemónica, Sócrates optou por ser ele a fazê-lo, formatando o debate público através de uma revisitação do início de 2011. Uma hora e meia de entrevista resultou num ajuste de contas com o papel do Presidente e da atual maioria na precipitação de uma crise que, inviabilizando o PEC IV, levou ao pedido de resgate. Com um corolário lógico: Cavaco Silva está intimamente ligado à solução política que temos hoje.
Esta foi a entrevista que Sócrates quis dar. Mas tratou-se de uma oportunidade perdida para dar uma outra entrevista, incomparavelmente mais relevante. Uma entrevista que contrariasse a tese da década perdida no ajustamento de Portugal ao euro, sublinhando o modo como os seus Governos combateram os vários défices que diminuem a nossa competitividade – das qualificações aos custos de contexto, passando pelo orçamental. Défices estruturais e bem mais estratégicos que a sucessão de episódios mesquinhos que ocorreram entre 2009 e 2011.
Um ex-primeiro-ministro tem o direito de se defender de ataques soezes? Sim. Mas não terá também o dever de contribuir para ultrapassar a situação de bloqueio em que o país se encontra? Se assim é, qual foi o contributo desta entrevista?
comentário à entrevista de José Sócrates publicado no Expresso de 29 de Março