A Europa a votos
“Votarás até que o resultado satisfaça os nossos desejos”. É esta a mensagem que a Europa envia, invariavelmente, a quem vota contra a sua vontade.
Até ver, tem funcionado - repetem-se os referendos e o soberano fica mais esclarecido e acaba por votar sim. Foi assim no passado, com os referendos suecos e dinamarqueses ao euro e com o referendo irlandês ao tratado de Nice ou, numa versão extrema, com os referendos franceses e holandeses ao falecido tratado constitucional - que, em última análise, levaram a que não houvesse referendos ao tratado de Lisboa.
Ainda que no caso irlandês haja um conjunto de idiossincrasias que explicam o não inicial (desde logo o receio de que com o tratado de Lisboa a Irlanda perdesse o peso relativamente excessivo que detinha na Comissão e, não menos importante, que a influência europeia obrigasse à despenalização do aborto), colocar a Europa a votos é hoje um risco que nenhum governo quer ou pode assumir.
A questão é que se ninguém quer hoje expor a Europa ao voto popular, a responsabilidade das políticas europeias neste receio é marginal. O problema é, no essencial, da apropriação que é feita da Europa pelos governos nacionais.
Para além da mudança que de facto tem promovido em muitas áreas da governação, a Europa tem funcionado para os governos nacionais como um importante mecanismo de capacitação institucional (ajuda os executivos a desenvolverem políticas que sem o constrangimento externo não seriam capazes). Entre estas formas de capacitação destaca-se o que se poderia chamar de "passa culpas": os governos responsabilizam a Europa por políticas que, na verdade, desejariam implementar mas que sem a desculpa europeia se tornaria mais difícil de levar a cabo. A disciplina orçamental é um entre muitos exemplos de "passa culpas". Enquanto - e com razão - muitos políticos nacionais defendem os défices baixos, a maior parte das vezes é a imposição europeia que é invocada para defender o equilíbrio das contas públicas. Logo, o ónus da impopularidade recai sobre a Europa e não apenas sobre os governos nacionais.
Das reformas das pensões à política agrícola, passando naturalmente pela disciplina orçamental, são muitos os exemplos onde a responsabilidade por medidas impopulares é escassamente assumida pelos governos nacionais, que optam por culpar a Europa. As consequências são inevitáveis: um declínio do europeísmo e derrotas da integração europeia quando é sujeita ao voto popular em referendos. O que serve para recordar que talvez seja o momento para os políticos nacionais assumirem as suas responsabilidades, desde logo, para evitar a paralisia política em que se encontra a Europa. Só depois será possível que seja, de facto, a Europa a ir a votos.
publicado no Diário Económico.
Até ver, tem funcionado - repetem-se os referendos e o soberano fica mais esclarecido e acaba por votar sim. Foi assim no passado, com os referendos suecos e dinamarqueses ao euro e com o referendo irlandês ao tratado de Nice ou, numa versão extrema, com os referendos franceses e holandeses ao falecido tratado constitucional - que, em última análise, levaram a que não houvesse referendos ao tratado de Lisboa.
Ainda que no caso irlandês haja um conjunto de idiossincrasias que explicam o não inicial (desde logo o receio de que com o tratado de Lisboa a Irlanda perdesse o peso relativamente excessivo que detinha na Comissão e, não menos importante, que a influência europeia obrigasse à despenalização do aborto), colocar a Europa a votos é hoje um risco que nenhum governo quer ou pode assumir.
A questão é que se ninguém quer hoje expor a Europa ao voto popular, a responsabilidade das políticas europeias neste receio é marginal. O problema é, no essencial, da apropriação que é feita da Europa pelos governos nacionais.
Para além da mudança que de facto tem promovido em muitas áreas da governação, a Europa tem funcionado para os governos nacionais como um importante mecanismo de capacitação institucional (ajuda os executivos a desenvolverem políticas que sem o constrangimento externo não seriam capazes). Entre estas formas de capacitação destaca-se o que se poderia chamar de "passa culpas": os governos responsabilizam a Europa por políticas que, na verdade, desejariam implementar mas que sem a desculpa europeia se tornaria mais difícil de levar a cabo. A disciplina orçamental é um entre muitos exemplos de "passa culpas". Enquanto - e com razão - muitos políticos nacionais defendem os défices baixos, a maior parte das vezes é a imposição europeia que é invocada para defender o equilíbrio das contas públicas. Logo, o ónus da impopularidade recai sobre a Europa e não apenas sobre os governos nacionais.
Das reformas das pensões à política agrícola, passando naturalmente pela disciplina orçamental, são muitos os exemplos onde a responsabilidade por medidas impopulares é escassamente assumida pelos governos nacionais, que optam por culpar a Europa. As consequências são inevitáveis: um declínio do europeísmo e derrotas da integração europeia quando é sujeita ao voto popular em referendos. O que serve para recordar que talvez seja o momento para os políticos nacionais assumirem as suas responsabilidades, desde logo, para evitar a paralisia política em que se encontra a Europa. Só depois será possível que seja, de facto, a Europa a ir a votos.
publicado no Diário Económico.
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