terça-feira, setembro 22, 2009

A dissolução

Após as últimas revelações sobre o episódio das escutas em Belém, das quatro uma: ou Cavaco Silva desautorizava a fonte da casa civil ou o director do Público oferecia o "corpo às balas"...

Após as últimas revelações sobre o episódio das escutas em Belém, das quatro uma: ou Cavaco Silva desautorizava a fonte da casa civil ou o director do Público oferecia o "corpo às balas" - e dizia que tudo não havia passado de uma inventona do seu jornal -, ou o Presidente da República retirava a confiança ao primeiro-ministro ou, então, era Cavaco Silva que perdia a legitimidade para o exercício do seu mandato. Não me parece que qualquer outro cenário fosse viável, a menos que aceitássemos viver numa farsa política. No Verão foi possível assobiar para o ar e fingir que se tratava de um "equívoco", depois do regresso do tema e após as novas revelações não mais se podia agir como se nada se estivesse a passar.

Em plena campanha eleitoral e quando enfrentamos uma crise económica e social de contornos indefinidos, a última coisa de que precisávamos era de perturbação institucional. Ora o que temos no horizonte é bem mais do que isso, é uma autêntica dissolução institucional para a qual era preciso encontrar urgentemente saída. A história das escutas parecia uma farsa de Verão, mas repetiu-se, desta feita como tragédia.

Se Cavaco Silva tinha provas de que estava a ser espiado desde, pelo menos, Abril de 2008, não podia passar um ano e meio a agir como se nada se passasse. A questão é naturalmente séria de mais para ser tratada com a ligeireza e superficialidade que Belém lhe terá dedicado. Bem sei que, como lembrava Ferreira Fernandes este fim-de-semana no DN, Portugal se tem transformado num país onde as suspeitas e os achismos valem bem mais do que os factos, ainda assim só havia um cenário possível: retirar a confiança política ao primeiro-ministro.

Se o Presidente achava que podia estar a ser escutado e/ou espiado - conforme as versões -, devia ter apurado se as suspeições tinham fundamento. O seu lugar institucional obrigava-o a recorrer ao secretário-geral do sistema de informações ou ao Procurador-Geral da República. Se não o fez, e optou por fazer chegar a informação a um jornal, deixou de confiar em duas instituições vitais. Tinha naturalmente de retirar consequências.

Se tomássemos como boa a informação de que a fonte de Belém era Fernando Lima, das duas uma, ou este era imediatamente desautorizado por Cavaco Silva - para usar a cínica mas eficaz expressão de Marcelo Rebelo de Sousa levava um "puxão de orelhas" - ou o Presidente passava a ser conivente com um gravíssimo acto de guerrilha institucional e não podia deixar de ser visto como um factor de degradação do regular funcionamento das instituições.

Cavaco Silva, depois de ter estado quatro dias em estado de negação perante o mais grave conflito institucional da história da democracia portuguesa, sacrificou o seu assessor e homem de confiança há largos anos. Será que é suficiente para apagar os estragos entretanto feitos?

publicado no Diário Económico.