Ricos e Pobres
Num país com uma taxa de pobreza que nos devia envergonhar colectivamente, há quem tenha dificuldade em definir o que é ser rico. Paradoxalmente, nem por cá, nem na Europa a que pertencemos, há dificuldade em definir o que é ser pobre.
Nas sociedades democráticas e para além da ausência de níveis mínimos de subsistência que caracterizam a privação absoluta, a pobreza é um conceito relativo. Não por acaso, existe uma consagração estatística do risco de pobreza e, na Europa, pobres são todos os que têm rendimentos inferiores em 60% à mediana. Aliás, o leitor estará certamente recordado: cada vez que o Eurostat publica os dados sobre a taxa de pobreza na Europa, assistimos em Portugal a um movimento de indignação colectiva com a persistência e com a dimensão do fenómeno. A indignação é totalmente justa, mas não deixa de ser estranho que desapareça com a mesma intensidade com que surge. Na verdade, só somos capazes de definir quem são os pobres porque somos capazes de saber quem são os que têm rendimentos médios e, naturalmente, aqueles que são ricos. Acontece que, surpresa, em Portugal - o tal país com níveis intoleráveis de pobreza - hesitamos perante a necessidade de definir quem são, relativamente, os ricos.
Os números talvez ajudem. A linha de pobreza em Portugal encontra-se em redor dos 400 euros; o valor da pensão social é de 187 euros, que é também o referencial para o rendimento social de inserção; o salário mínimo está nos 450 euros e a mediana salarial em redor dos 700 euros. Temo dizê-lo, mas em Portugal, quem ganha 8 vezes a mediana só pode ser considerado rico. Não pode sequer ser considerado como estando próximo da classe média. Sintomaticamente, se olharmos para os rendimentos brutos declarados para efeitos de IRS (ano 2006), apenas 4,4% dos agregados portugueses se encontravam no escalão correspondente a um rendimento mensal em redor dos 5 mil euros. Bem sei que os rendimentos declarados têm inúmeros problemas, mas ainda assim são um indicador fiável e não vejo como seja possível pensarmos que menos de 5% da população forma a classe média. Na verdade, vejo: não fazendo a mínima ideia do que são, de facto, os rendimentos dos portugueses.
Perante isto, não só há quem não consiga definir o que é rico, como, pasme-se, defende que o sistema fiscal não deve servir para corrigir disparidades de rendimentos. Manuela Ferreira Leite, com a sensibilidade social que a caracteriza, tem a peculiaridade de fazer a quadratura do círculo: hesita na definição do que é ser rico e acha que o sistema fiscal nada tem a ver com o assunto. Tudo isto tem uma vantagem, torna as escolhas mais claras. Até porque não há linha de demarcação tão nítida entre esquerda e direita como a defesa da progressividade do sistema fiscal. Isto é, colocar o sistema fiscal também ao serviço da justiça social, logo da promoção da equidade entre ricos e pobres.
publicado no Diário Económico.
Nas sociedades democráticas e para além da ausência de níveis mínimos de subsistência que caracterizam a privação absoluta, a pobreza é um conceito relativo. Não por acaso, existe uma consagração estatística do risco de pobreza e, na Europa, pobres são todos os que têm rendimentos inferiores em 60% à mediana. Aliás, o leitor estará certamente recordado: cada vez que o Eurostat publica os dados sobre a taxa de pobreza na Europa, assistimos em Portugal a um movimento de indignação colectiva com a persistência e com a dimensão do fenómeno. A indignação é totalmente justa, mas não deixa de ser estranho que desapareça com a mesma intensidade com que surge. Na verdade, só somos capazes de definir quem são os pobres porque somos capazes de saber quem são os que têm rendimentos médios e, naturalmente, aqueles que são ricos. Acontece que, surpresa, em Portugal - o tal país com níveis intoleráveis de pobreza - hesitamos perante a necessidade de definir quem são, relativamente, os ricos.
Os números talvez ajudem. A linha de pobreza em Portugal encontra-se em redor dos 400 euros; o valor da pensão social é de 187 euros, que é também o referencial para o rendimento social de inserção; o salário mínimo está nos 450 euros e a mediana salarial em redor dos 700 euros. Temo dizê-lo, mas em Portugal, quem ganha 8 vezes a mediana só pode ser considerado rico. Não pode sequer ser considerado como estando próximo da classe média. Sintomaticamente, se olharmos para os rendimentos brutos declarados para efeitos de IRS (ano 2006), apenas 4,4% dos agregados portugueses se encontravam no escalão correspondente a um rendimento mensal em redor dos 5 mil euros. Bem sei que os rendimentos declarados têm inúmeros problemas, mas ainda assim são um indicador fiável e não vejo como seja possível pensarmos que menos de 5% da população forma a classe média. Na verdade, vejo: não fazendo a mínima ideia do que são, de facto, os rendimentos dos portugueses.
Perante isto, não só há quem não consiga definir o que é rico, como, pasme-se, defende que o sistema fiscal não deve servir para corrigir disparidades de rendimentos. Manuela Ferreira Leite, com a sensibilidade social que a caracteriza, tem a peculiaridade de fazer a quadratura do círculo: hesita na definição do que é ser rico e acha que o sistema fiscal nada tem a ver com o assunto. Tudo isto tem uma vantagem, torna as escolhas mais claras. Até porque não há linha de demarcação tão nítida entre esquerda e direita como a defesa da progressividade do sistema fiscal. Isto é, colocar o sistema fiscal também ao serviço da justiça social, logo da promoção da equidade entre ricos e pobres.
publicado no Diário Económico.
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