Tempos sombrios
Os portugueses escolheram um Parlamento à imagem da Europa: fragmentado e com o partido mais votado na casa dos 30%.
A questão é saber se os partidos portugueses saberão responder ao desafio colocado pelos eleitores - procurar pontos de entendimento e garantir estabilidade política perante uma profunda crise económica e social.
A distribuição de mandatos não favorece as negociações. Desde logo porque há uma maioria de bloqueio à direita, tendo em conta que PSD e CDS juntos têm mais deputados do que o PS (o que não acontecia com os governos Guterres). Depois porque nenhum dos partidos à esquerda do PS pode, isoladamente, viabilizar as propostas governamentais, o que promoverá a competição pelo título de guardião do conservadorismo de esquerda.
O novo parlamento cria um contexto que desresponsabiliza individualmente os partidos de esquerda, que não se sentirão pressionados para contribuir, cada um por si, para a governabilidade; e representa uma ameaça para o PS, se optar por procurar o apoio à direita. Como, aliás, revelam os resultados eleitorais na Alemanha, quando o centro-esquerda se alia à direita, as perdas eleitorais à esquerda tornam-se inevitáveis. Esta assimetria nas relações do PS com a direita e com a esquerda num parlamento com clara inclinação à esquerda, colocará, paradoxalmente, dilemas políticos de difícil superação. Ficámos com um parlamento onde todos ganharam, mas onde a soma das vitórias parciais pouco contribui para a governabilidade e para responder aos problemas do país.
Perante este cenário, ao PS é exigido que revele propensão para a negociação interpartidária, o que manifestamente não teve na anterior legislatura. Acontece que as negociações, para serem virtuosas, têm de assentar num ‘trade-off', em que uma parte dá e outra recebe. Ora entre exigências maximalistas dos partidos à esquerda e um caderno de encargos dos partidos à direita que violenta a base eleitoral dos socialistas, o PS encontrar-se-á numa posição em que pouco ou nada pode oferecer perante o que lhe será exigido.
No fim, resta o mais importante - o contexto económico e social. Enquanto não se conhecem ainda os contornos exactos da crise, uma coisa é certa, não faltará muito para que se comecem a delinear, ao nível europeu, as estratégias de saída (i.e. a forma como o Estado vai diminuir o papel entretanto adquirido nas respostas à crise). Portugal terá de regressar, inevitavelmente, à disciplina orçamental, logo, às políticas de austeridade.
Ora é de todo improvável que os partidos portugueses se entendam em torno da redução sustentada do défice. Se o fizerem, não resistirão eleitoralmente; se não o fizerem, o país não resistirá económica e socialmente. Vêm aí tempos sombrios.
publicado no Diário Económico.
A questão é saber se os partidos portugueses saberão responder ao desafio colocado pelos eleitores - procurar pontos de entendimento e garantir estabilidade política perante uma profunda crise económica e social.
A distribuição de mandatos não favorece as negociações. Desde logo porque há uma maioria de bloqueio à direita, tendo em conta que PSD e CDS juntos têm mais deputados do que o PS (o que não acontecia com os governos Guterres). Depois porque nenhum dos partidos à esquerda do PS pode, isoladamente, viabilizar as propostas governamentais, o que promoverá a competição pelo título de guardião do conservadorismo de esquerda.
O novo parlamento cria um contexto que desresponsabiliza individualmente os partidos de esquerda, que não se sentirão pressionados para contribuir, cada um por si, para a governabilidade; e representa uma ameaça para o PS, se optar por procurar o apoio à direita. Como, aliás, revelam os resultados eleitorais na Alemanha, quando o centro-esquerda se alia à direita, as perdas eleitorais à esquerda tornam-se inevitáveis. Esta assimetria nas relações do PS com a direita e com a esquerda num parlamento com clara inclinação à esquerda, colocará, paradoxalmente, dilemas políticos de difícil superação. Ficámos com um parlamento onde todos ganharam, mas onde a soma das vitórias parciais pouco contribui para a governabilidade e para responder aos problemas do país.
Perante este cenário, ao PS é exigido que revele propensão para a negociação interpartidária, o que manifestamente não teve na anterior legislatura. Acontece que as negociações, para serem virtuosas, têm de assentar num ‘trade-off', em que uma parte dá e outra recebe. Ora entre exigências maximalistas dos partidos à esquerda e um caderno de encargos dos partidos à direita que violenta a base eleitoral dos socialistas, o PS encontrar-se-á numa posição em que pouco ou nada pode oferecer perante o que lhe será exigido.
No fim, resta o mais importante - o contexto económico e social. Enquanto não se conhecem ainda os contornos exactos da crise, uma coisa é certa, não faltará muito para que se comecem a delinear, ao nível europeu, as estratégias de saída (i.e. a forma como o Estado vai diminuir o papel entretanto adquirido nas respostas à crise). Portugal terá de regressar, inevitavelmente, à disciplina orçamental, logo, às políticas de austeridade.
Ora é de todo improvável que os partidos portugueses se entendam em torno da redução sustentada do défice. Se o fizerem, não resistirão eleitoralmente; se não o fizerem, o país não resistirá económica e socialmente. Vêm aí tempos sombrios.
publicado no Diário Económico.
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