A estratégia de silêncio
No congresso deste fim-de-semana, o PSD tinha todas as condições para se afirmar como alternativa. Pela primeira vez em três anos, o Governo tem tido sérias dificuldades em liderar a agenda política (ao mesmo tempo que dá sinais de algum desnorte estratégico, como aconteceu, por exemplo, com o ‘lock-out’ dos camionistas), o descontentamento social atinge níveis muito significativos, atravessando todos os grupos profissionais e a conjuntura económica internacional tem levado a um arrefecimento da economia portuguesa que o executivo resistiu a reconhecer. Para além do mais, com a eleição de Ferreira Leite, o PSD chegava ao congresso com uma resposta forte ao principal problema que o partido havia enfrentado nos últimos meses: a falta de credibilidade. Acontece que, mesmo perante um contexto altamente favorável, o congresso de Guimarães foi uma oportunidade perdida para a afirmação interna da nova liderança e, consequentemente, para a capacidade do PSD em se afirmar como alternativa ao actual Governo.
Tal como havia acontecido na campanha interna, Ferreira Leite apostou tudo numa estratégia de silêncio, em que fala o menos possível. Nas eleições internas, a ausência de discurso político ajudou a fazer com que a candidata invencível – que, à partida, traria atrás de si todo um partido sedento de virar a página de instabilidade associada às lideranças anteriores – terminasse com uma pequeníssima vantagem perante os seus adversários. No congresso, essa estratégia teve consequências: ao mesmo tempo que provocou torpor e agravou o fosso afectivo entre a líder e o conjunto do partido, ajudou a dar lastro à ideia de que o PSD de Ferreira Leite não é uma alternativa ao Governo de Sócrates, mas, sim, ou uma solução de alternância ou uma promessa de ‘bloco central’.
Os silêncios de facto – basta recordar que durante o Sábado, o dia nobre do congresso, Ferreira Leite não usou da palavra – e os silêncios das entrelinhas nas suas intervenções, dão margem para todas as interpretações. Por um lado, sugerem que o programa político do PSD assenta na expectativa que a popularidade do Governo se desgaste e que isso seja suficiente para os portugueses se virarem para o maior partido da oposição; por outro, podem indiciar que não sendo apresentadas nenhumas linhas programáticas, ainda que genéricas, o que o PSD tem é um “programa escondido”, que não revela com temor de, em lugar de capitalizar o descontentamento social, afastar os eleitores.
Mas a estratégia de silêncio seguida por Ferreira Leite tem consequências que vão para além da capacidade de se diferenciar face ao PS ou da sua afirmação interna no PSD.
Ao não dizer nada que em questões essenciais diferencie o seu projecto do do PS de Sócrates e ao sugerir que a sua diferença reside na credibilidade e na sua personalidade, Ferreira Leite está, certamente de modo involuntário, a abrir as portas a uma deriva populista. Isto porque ao consolidar a indiferenciação entre PS e PSD dá um contributo para que se dissemine – ainda mais – a ideia que nada distingue os dois partidos para além da vontade de ir alternando no poder para beneficiar da ocupação do aparelho de Estado. Simultaneamente, remete a avaliação de projectos políticos para categorias politicamente neutras como seja o carácter, o rigor ou a credibilidade. É por isso que a nova forma de fazer política que Ferreira Leite e os seus apoiantes mais próximos tanto afirmam, nada contribui para a melhoria da qualidade da democracia portuguesa, pelo menos enquanto não for combinada com alguma definição programática.
O que o país manifestamente precisa é de mais política, assente em clivagens claras e organizada por princípios agregadores, de modo a contrariar a descrença na capacidade das alternativas político-partidárias em responder de modo diferente aos problemas económicos e sociais que a sociedade sente. O que Ferreira Leite tem para oferecer é menos política e mais indiferenciação ideológica. Entretanto, enquanto prossegue a estratégia de silêncio, o PSD de Ferreira Leite está a criar incentivos para que o sistema partidário português evite a clarificação ideológica: um contexto que tem servido instrumentalmente também ao PS mas que ajuda a aumentar o desinteresse face ao sistema e a desafectação dos cidadãos perante os partidos políticos.
publicado no Diário Económico.
Tal como havia acontecido na campanha interna, Ferreira Leite apostou tudo numa estratégia de silêncio, em que fala o menos possível. Nas eleições internas, a ausência de discurso político ajudou a fazer com que a candidata invencível – que, à partida, traria atrás de si todo um partido sedento de virar a página de instabilidade associada às lideranças anteriores – terminasse com uma pequeníssima vantagem perante os seus adversários. No congresso, essa estratégia teve consequências: ao mesmo tempo que provocou torpor e agravou o fosso afectivo entre a líder e o conjunto do partido, ajudou a dar lastro à ideia de que o PSD de Ferreira Leite não é uma alternativa ao Governo de Sócrates, mas, sim, ou uma solução de alternância ou uma promessa de ‘bloco central’.
Os silêncios de facto – basta recordar que durante o Sábado, o dia nobre do congresso, Ferreira Leite não usou da palavra – e os silêncios das entrelinhas nas suas intervenções, dão margem para todas as interpretações. Por um lado, sugerem que o programa político do PSD assenta na expectativa que a popularidade do Governo se desgaste e que isso seja suficiente para os portugueses se virarem para o maior partido da oposição; por outro, podem indiciar que não sendo apresentadas nenhumas linhas programáticas, ainda que genéricas, o que o PSD tem é um “programa escondido”, que não revela com temor de, em lugar de capitalizar o descontentamento social, afastar os eleitores.
Mas a estratégia de silêncio seguida por Ferreira Leite tem consequências que vão para além da capacidade de se diferenciar face ao PS ou da sua afirmação interna no PSD.
Ao não dizer nada que em questões essenciais diferencie o seu projecto do do PS de Sócrates e ao sugerir que a sua diferença reside na credibilidade e na sua personalidade, Ferreira Leite está, certamente de modo involuntário, a abrir as portas a uma deriva populista. Isto porque ao consolidar a indiferenciação entre PS e PSD dá um contributo para que se dissemine – ainda mais – a ideia que nada distingue os dois partidos para além da vontade de ir alternando no poder para beneficiar da ocupação do aparelho de Estado. Simultaneamente, remete a avaliação de projectos políticos para categorias politicamente neutras como seja o carácter, o rigor ou a credibilidade. É por isso que a nova forma de fazer política que Ferreira Leite e os seus apoiantes mais próximos tanto afirmam, nada contribui para a melhoria da qualidade da democracia portuguesa, pelo menos enquanto não for combinada com alguma definição programática.
O que o país manifestamente precisa é de mais política, assente em clivagens claras e organizada por princípios agregadores, de modo a contrariar a descrença na capacidade das alternativas político-partidárias em responder de modo diferente aos problemas económicos e sociais que a sociedade sente. O que Ferreira Leite tem para oferecer é menos política e mais indiferenciação ideológica. Entretanto, enquanto prossegue a estratégia de silêncio, o PSD de Ferreira Leite está a criar incentivos para que o sistema partidário português evite a clarificação ideológica: um contexto que tem servido instrumentalmente também ao PS mas que ajuda a aumentar o desinteresse face ao sistema e a desafectação dos cidadãos perante os partidos políticos.
publicado no Diário Económico.
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