Uma página pesada
No discurso de vitória, Manuela Ferreira Leite afirmou que, este fim-de-semana, o PSD começava a virar a página. O problema é que se trata de uma página bem pesada, que necessita de muita energia para ser virada.
É evidente que parte do peso que o PSD carrega sobre os seus ombros é fruto da imagem de ingovernabilidade que se colou ao partido com Santana Lopes, que foi consolidada, já com Marques Mendes, com o episódio que levou à derrocada da Câmara de Lisboa, e que se cristalizou nos meses surreais de liderança de Menezes. Contudo, quem pense que, ultrapassados estes problemas, o PSD é de novo um partido eleitoralmente competitivo está enganado. Enquanto não for feita uma avaliação do que correu mal na governação PSD/CDS, as dificuldades manter-se-ão. Foi Santana Lopes que colocou o PSD quase em mínimos históricos, mas convém não esquecer que o essencial da impopularidade já vinha de trás e que, antes do exílio bruxelense, já Durão e Portas, sob a influência da ministra das Finanças de então, tinham tido um resultado eleitoral deplorável nas europeias.
Se é verdade que a vitória de Ferreira Leite, pela imagem que a nova líder foi cultivando ao longo da sua carreira, é, por si só, suficiente para resolver o problema da credibilidade, o mesmo já não é válido para ultrapassar as sequelas da experiência governativa recente. Ferreira Leite como ministra das Finanças não só falhou na consolidação orçamental como contaminou o Governo com a sua imagem de austeridade. Uma imagem que limitou claramente a capacidade do Governo Durão/Portas de combinar esforço de consolidação com capacidade reformista noutras áreas das políticas públicas. Falhando no défice, não conseguindo mudar nada de relevante, deixando-se envolver em bravatas ideológicas inconsequentes (desde o Código do Trabalho de Bagão às homenagens bacocas a Maggiolo Gouveia) e com o descontentamento social sempre crescente, era muito difícil que, independentemente de Santana Lopes, os resultados eleitorais não fossem maus.
Mas entretanto, o contexto mudou e não é muito difícil prever que as próximas legislativas não vão ser marcadas, como as duas anteriores, pelo tema dos desequilíbrios orçamentais, mas, sim, pela resposta às desigualdades acumuladas.
O problema é que Ferreira Leite não se adequa bem ao novo contexto – coisa aliás de que 60% dos militantes do PSD se aperceberam. Pela imagem de austeridade e credibilidade, terá sempre muitas dificuldades em reconverter-se em alguém com preocupações sociais ou, ainda mais, com capacidade para lhes dar resposta. Na política, costuma dizer-se, não há segundas oportunidades para mudar uma primeira imagem. Desse ponto de vista, podemos estar a entrar num ciclo em que quer PS, quer PSD têm líderes que não são os mais adequados para responder aos anseios dos eleitores. E aí, o que pode vir a fazer a diferença são as marcas partidárias, a forma como os portugueses percepcionam o PS e o PSD.
Há uma hipótese da sociologia eleitoral que tem revelado assinalável potencial explicativo e que nos diz que os eleitores sabem distinguir os partidos em função das suas prioridades e que, em períodos de maior desemprego e crise social, votarão mais à esquerda e em períodos de maior inflação e dificuldades financeiras, votarão mais à direita. Esta hipótese, aliás, ajuda a compreender que todas as sondagens mais recentes apontem para que o conjunto de partidos à esquerda tenha perto de 60% das intenções de voto. Mas a ser verdade, implica também uma profunda reconfiguração do espaço onde se vai disputar a possibilidade de vitória nas próximas eleições.
Com os temas sociais no topo da agenda, os partidos de esquerda serão mais competitivos e os de direita terão dificuldade em vestir uma roupa que não é percepcionada como sendo a sua. Mas enquanto Ferreira Leite tem uma página bem pesada para virar, José Sócrates tem à sua frente um desafio não menos difícil – recentrar a agenda política do PS nos temas sociais. Com a nova liderança do PSD, os incentivos para que tal aconteça são evidentes: ao contrário do passado recente, as margens de crescimento ao centro-direita passam a ser curtas e a imagem da ministra das Finanças Ferreira Leite pode funcionar como um tónico para que o eleitorado hoje desagradado com o Governo, visualizando um “perigo” efectivo do regresso da direita, se sinta mais tentado a voltar ao espaço socialista.
publicado no Diário Económico.
É evidente que parte do peso que o PSD carrega sobre os seus ombros é fruto da imagem de ingovernabilidade que se colou ao partido com Santana Lopes, que foi consolidada, já com Marques Mendes, com o episódio que levou à derrocada da Câmara de Lisboa, e que se cristalizou nos meses surreais de liderança de Menezes. Contudo, quem pense que, ultrapassados estes problemas, o PSD é de novo um partido eleitoralmente competitivo está enganado. Enquanto não for feita uma avaliação do que correu mal na governação PSD/CDS, as dificuldades manter-se-ão. Foi Santana Lopes que colocou o PSD quase em mínimos históricos, mas convém não esquecer que o essencial da impopularidade já vinha de trás e que, antes do exílio bruxelense, já Durão e Portas, sob a influência da ministra das Finanças de então, tinham tido um resultado eleitoral deplorável nas europeias.
Se é verdade que a vitória de Ferreira Leite, pela imagem que a nova líder foi cultivando ao longo da sua carreira, é, por si só, suficiente para resolver o problema da credibilidade, o mesmo já não é válido para ultrapassar as sequelas da experiência governativa recente. Ferreira Leite como ministra das Finanças não só falhou na consolidação orçamental como contaminou o Governo com a sua imagem de austeridade. Uma imagem que limitou claramente a capacidade do Governo Durão/Portas de combinar esforço de consolidação com capacidade reformista noutras áreas das políticas públicas. Falhando no défice, não conseguindo mudar nada de relevante, deixando-se envolver em bravatas ideológicas inconsequentes (desde o Código do Trabalho de Bagão às homenagens bacocas a Maggiolo Gouveia) e com o descontentamento social sempre crescente, era muito difícil que, independentemente de Santana Lopes, os resultados eleitorais não fossem maus.
Mas entretanto, o contexto mudou e não é muito difícil prever que as próximas legislativas não vão ser marcadas, como as duas anteriores, pelo tema dos desequilíbrios orçamentais, mas, sim, pela resposta às desigualdades acumuladas.
O problema é que Ferreira Leite não se adequa bem ao novo contexto – coisa aliás de que 60% dos militantes do PSD se aperceberam. Pela imagem de austeridade e credibilidade, terá sempre muitas dificuldades em reconverter-se em alguém com preocupações sociais ou, ainda mais, com capacidade para lhes dar resposta. Na política, costuma dizer-se, não há segundas oportunidades para mudar uma primeira imagem. Desse ponto de vista, podemos estar a entrar num ciclo em que quer PS, quer PSD têm líderes que não são os mais adequados para responder aos anseios dos eleitores. E aí, o que pode vir a fazer a diferença são as marcas partidárias, a forma como os portugueses percepcionam o PS e o PSD.
Há uma hipótese da sociologia eleitoral que tem revelado assinalável potencial explicativo e que nos diz que os eleitores sabem distinguir os partidos em função das suas prioridades e que, em períodos de maior desemprego e crise social, votarão mais à esquerda e em períodos de maior inflação e dificuldades financeiras, votarão mais à direita. Esta hipótese, aliás, ajuda a compreender que todas as sondagens mais recentes apontem para que o conjunto de partidos à esquerda tenha perto de 60% das intenções de voto. Mas a ser verdade, implica também uma profunda reconfiguração do espaço onde se vai disputar a possibilidade de vitória nas próximas eleições.
Com os temas sociais no topo da agenda, os partidos de esquerda serão mais competitivos e os de direita terão dificuldade em vestir uma roupa que não é percepcionada como sendo a sua. Mas enquanto Ferreira Leite tem uma página bem pesada para virar, José Sócrates tem à sua frente um desafio não menos difícil – recentrar a agenda política do PS nos temas sociais. Com a nova liderança do PSD, os incentivos para que tal aconteça são evidentes: ao contrário do passado recente, as margens de crescimento ao centro-direita passam a ser curtas e a imagem da ministra das Finanças Ferreira Leite pode funcionar como um tónico para que o eleitorado hoje desagradado com o Governo, visualizando um “perigo” efectivo do regresso da direita, se sinta mais tentado a voltar ao espaço socialista.
publicado no Diário Económico.
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