Para início de conversa
Esta
semana o Banco de Portugal divulgou o seu boletim de verão. Aparentemente,
trata-se de um episódio lateral à negociação que, quando escrevo, ainda decorre
entre PSD/CDS/PS. Nada de mais errado. Por si só, o que o BdP nos diz deveria
suspender, de imediato, o corte de 4,7 mil milhões de euros previsto para 2014,
corte esse que além de politicamente inviável é economicamente estúpido.
Sobre
a inviabilidade política, as últimas semanas foram esclarecedoras. Cortes desta
grandeza, numa economia deprimida e com o mercado de trabalho esfrangalhado,
terão um impacto difícil de antecipar, mas de consequências devastadoras nas
instituições do regime. A turbulência política das últimas semanas é apenas uma
pequena amostra do que pode estar para vir, com o desemprego a manter-se nos
20%. Quem desejar fragmentar o sistema político que construímos, com muitas
debilidades, ao longo das últimas quatro décadas, deve avançar de forma
decisiva para estes cortes. Quem, pelo contrário, quer preservá-lo, deve
opor-se sem reservas ao compromisso já assumido detalhadamente pelo ainda
primeiro-ministro junto da troika.
Estes
cortes são politicamente perigosos porque são economicamente irracionais – como
aliás demonstra, ainda que de forma tímida, o próprio BdP. No boletim de verão são
revistos em baixa os valores do PIB para 2014. Um crescimento previsto da
economia de 1,1%, passou para 0,3%, muito próximo da recessão. Tudo porque
foram consideradas as medidas de austeridade pré-anunciadas. A timidez está,
contudo, na forma como foi calculado o impacto recessivo dos cortes da dupla
Passos/Gaspar.
A
questão é saber como se prevê os efeitos dos cortes no comportamento da
economia. Como é sabido, todas as instituições têm revisto o multiplicador que
usam para o efeito. O FMI já o fez – reconhecendo os erros sucessivos nas suas
estimativas – e um grupo de economistas do BdP fez agora o mesmo. De acordo com
este estudo, em momentos como o que vivemos, o multiplicador é de 2 – ou seja,
superior ao que o próprio Banco (ainda) usa nas suas projeções.
Como
chamou a atenção, com notável clareza, o economista Luís Aguiar-Conraria, no
blogue “A destreza das dúvidas”, 4,7 milhões representam cerca de 2,85% do PIB
e, se usarmos o multiplicador atualizado, os cortes previstos provocariam uma
queda no PIB de 9,4 mil milhões – ou seja, superior ao previsto no boletim de
verão. Por si só, esta queda aumentaria a dívida de 125% para 132% e implicaria
uma diminuição de receitas de 3,3 mil milhões. Contas feitas, 4,7 mil milhões
de cortes corresponderiam a uma redução de défice de, pasme-se, 0.6 p.p. Pelo
caminho, a recessão agravar-se-ia e começa a ser difícil antecipar o
comportamento do mercado de trabalho. Aguiar-Conraria pergunta, com razão: “não
há ninguém que lhes esfregue com as folhas de Excel na cara?”
Espero
que isto tenha sido feito ad infinitum
durante as negociações, porque uma conversa que termine com a manutenção dos
cortes prometidos por Passos/Gaspar no fim da 7ª avaliação não terá nada de salvífico.
É apenas mais um ato de uma tragédia nacional.
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