O limite do bom senso
Toda
a ação política é, por natureza, limitada. Há limites económicos, financeiros,
sociais e, claro, institucionais. Em democracia, as constituições são uma forma
negociada de institucionalizar esses limites. Ninguém terá dúvidas em
reconhecer que, nos últimos tempos, em Portugal, todos estes limites foram sendo
ultrapassados. Mas há um outro limite, menos referido, que tem sido igualmente
mal tratado e que convém ser preservado – o do bom senso.
A
propósito da bomba ao retardador que é o envio para o Tribunal Constitucional
para fiscalização sucessiva do OE 2013, é-nos dito que, qualquer que seja o sentido
do acórdão, daqui a um par de meses haverá sempre perdedores: ou o Governo,
caso o TC declare as normas inconstitucionais; ou o Presidente, caso as suas
“dúvidas fundadas” não sejam acompanhadas pelos juízes; ou o próprio Tribunal,
caso repita a leitura de que a Constituição só se aplica no ano seguinte; ou,
ainda, todos nós, caso seja necessário encontrar, a meio do ano, alternativas
aos mil milhões de euros que estão em causa nas normas sob avaliação.
Convenhamos
que, naquilo que é o cenário mais provável, se, quando o acórdão do TC for
conhecido, o Governo optar por procurar compensar os mil milhões
“inconstitucionais” com mais um pacote de austeridade, o limite do bom senso
será definitivamente ultrapassado. Estaremos perante uma situação em que se
tornará evidente que “há limites para os sacrifícios que
se podem exigir ao comum dos cidadãos”, mas é mais do que isso que estará em
causa. Ficará
provado que não há mais espaço para aumentos de impostos, da mesma forma que os
cortes na despesa serão, ainda para citar Cavaco Silva, “socialmente
insustentáveis”. Talvez seja a última oportunidade para pararmos para pensar.
Vale
a pena refletir no que se passou na Letónia. Em 2009, esta república do Báltico
foi um dos primeiros “ratos de laboratório” na Europa da experiência de
“austeridade expansionista” promovida pelo FMI. Enquanto se assistia a uma
contração brutal na economia e a um falhanço colossal nas metas do défice para
2010, o Tribunal Constitucional letão declarou inconstitucionais cortes nas
pensões, que correspondiam a 1,5% do PIB. Perante o falhanço da receita e face
à decisão do TC, o FMI, em lugar de impor novos cortes, aproveitou para aliviar
as metas, o que acabou por contribuir de facto para a estabilização da
economia.
Se
o bom senso imperar, a decisão do TC será um bom pretexto para exigirmos novas
condições à Troika, em lugar de prosseguir este caminho insensato e devastador
no qual o Governo tem insistido. Como disse ainda o Presidente, “temos
argumentos – e devemos usá-los com firmeza – para exigir o apoio dos nossos
parceiros europeus”. Esta será, contudo, uma missão reservada para o próximo
primeiro-ministro.
publicado no Expresso de 5 de Janeiro
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