Não interrompas um erro
“Quando quiseres marcar a agenda política e não tiveres mais nenhuma ideia em carteira, propõe uma revisão constitucional”.
Este é um dos primeiros mandamentos da acção política portuguesa, revelando, por um lado, a distância que vai entre as prioridades dos políticos e a agenda da sociedade portuguesa e, por outro, a ineficácia da acção política. Passos Coelho foi o último a pôr o mandamento em prática. O resultado foi o esperado: uma grande presença mediática que tem servido para expor a total ineficácia do anúncio.
Felizmente, não há nenhum bloqueio sério à reforma das nossas políticas públicas que resulte de qualquer tipo de bloqueio constitucional. O país pode não ter sido capaz de fazer os ajustamentos necessários, mas a Constituição é totalmente inocente. Ao mesmo tempo que, infelizmente, nada de relevante se resolve por arte mágica, alterando o texto de uma Lei. Se assim fosse, por certo a fúria legisladora que caracteriza a actividade política portuguesa já teria produzido melhores resultados.
As visões mais benévolas sobre a proposta de Passos Coelho têm sublinhado que tem uma vantagem: clarifica as opções políticas e diferencia a oferta partidária. É, de facto, verdade. Em Portugal, quer do ponto de vista programático, quer do ponto de vista do auto-posicionamento dos eleitores, tradicionalmente as diferenças entre PSD e PS são menos marcadas do que acontece, por exemplo, entre partidos congéneres na Europa do Sul. Passos Coelho, ao enfatizar a opção liberal, veio clarificar as águas.
Dá-se o caso de a Constituição não ser o espaço adequado para afirmações programáticas dos partidos. A Constituição é a marca genética da fundação do nosso regime (naturalmente datada, mas com um peso simbólico e histórico) e constitui, acima de tudo, um chão comum que deve reflectir aspectos partilhados, mais do que clivagens ideológicas. Não por acaso, as revisões constitucionais requerem uma maioria parlamentar ampla, e a proposta de Passos Coelho não tem dois terços do Parlamento, não tem dois terços do país e, aparentemente, nem sequer dois terços do PSD.
Ainda assim, o aspecto mais extraordinário desta proposta, apresentada antes do Verão e a tempo de eclodir em plena pré-campanha presidencial, são as oportunidades que Passos criou aos seus adversários políticos. Numa altura em que o Governo se encontrava em manifestas dificuldades, Sócrates passou a ter uma oportunidade para fazer uma afirmação ideológica com a qual nem o próprio sonhava; e quando Portas se encontrava encostado às cordas, por força do crescimento do PSD, pôde voltar a vestir o fato de homem de Estado e revelar razoabilidade. No fundo, a Sócrates e a Portas resta fazer o que Passos Coelho não conseguiu: seguir a velha máxima de Napoleão que aconselhava a nunca interromper um inimigo quando ele está a cometer um erro.
publicado hoje no Diário Económico.
Este é um dos primeiros mandamentos da acção política portuguesa, revelando, por um lado, a distância que vai entre as prioridades dos políticos e a agenda da sociedade portuguesa e, por outro, a ineficácia da acção política. Passos Coelho foi o último a pôr o mandamento em prática. O resultado foi o esperado: uma grande presença mediática que tem servido para expor a total ineficácia do anúncio.
Felizmente, não há nenhum bloqueio sério à reforma das nossas políticas públicas que resulte de qualquer tipo de bloqueio constitucional. O país pode não ter sido capaz de fazer os ajustamentos necessários, mas a Constituição é totalmente inocente. Ao mesmo tempo que, infelizmente, nada de relevante se resolve por arte mágica, alterando o texto de uma Lei. Se assim fosse, por certo a fúria legisladora que caracteriza a actividade política portuguesa já teria produzido melhores resultados.
As visões mais benévolas sobre a proposta de Passos Coelho têm sublinhado que tem uma vantagem: clarifica as opções políticas e diferencia a oferta partidária. É, de facto, verdade. Em Portugal, quer do ponto de vista programático, quer do ponto de vista do auto-posicionamento dos eleitores, tradicionalmente as diferenças entre PSD e PS são menos marcadas do que acontece, por exemplo, entre partidos congéneres na Europa do Sul. Passos Coelho, ao enfatizar a opção liberal, veio clarificar as águas.
Dá-se o caso de a Constituição não ser o espaço adequado para afirmações programáticas dos partidos. A Constituição é a marca genética da fundação do nosso regime (naturalmente datada, mas com um peso simbólico e histórico) e constitui, acima de tudo, um chão comum que deve reflectir aspectos partilhados, mais do que clivagens ideológicas. Não por acaso, as revisões constitucionais requerem uma maioria parlamentar ampla, e a proposta de Passos Coelho não tem dois terços do Parlamento, não tem dois terços do país e, aparentemente, nem sequer dois terços do PSD.
Ainda assim, o aspecto mais extraordinário desta proposta, apresentada antes do Verão e a tempo de eclodir em plena pré-campanha presidencial, são as oportunidades que Passos criou aos seus adversários políticos. Numa altura em que o Governo se encontrava em manifestas dificuldades, Sócrates passou a ter uma oportunidade para fazer uma afirmação ideológica com a qual nem o próprio sonhava; e quando Portas se encontrava encostado às cordas, por força do crescimento do PSD, pôde voltar a vestir o fato de homem de Estado e revelar razoabilidade. No fundo, a Sócrates e a Portas resta fazer o que Passos Coelho não conseguiu: seguir a velha máxima de Napoleão que aconselhava a nunca interromper um inimigo quando ele está a cometer um erro.
publicado hoje no Diário Económico.
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