Uma questão de timing
No debate do Estado da Nação, José Sócrates cavalgou os dados sobre a pobreza revelados nesse mesmo dia. Tem boas razões para o fazer. Há muito que se esperava que a pobreza diminuísse entre 2005 e 2008 e o INE veio prová-lo. É a confirmação de que as políticas fazem a diferença. O efeito combinado dos aumentos do salário mínimo, da diferenciação das prestações familiares e do complemento solidário para idosos aliviou a situação dos mais desfavorecidos. Contudo, estes factos colidem com o que foi a realidade política do período a que os dados dizem respeito. Não é preciso procurar muito para encontrar declarações dos vários líderes políticos a afirmarem que “a pobreza está a aumentar em Portugal”. Contra todas as evidências, Passos Coelho foi o último intérprete desta linhagem, tendo afirmado esta semana que “hoje temos três vezes mais pobres que há 15 anos”. Ou seja, os dados do INE vieram revelar que há mesmo muita gente em Portugal com um problema profundo de relação com a realidade. A questão é que os dados reportam a 2008, mas são utilizados politicamente hoje. E do mesmo modo que, contra tudo o que se afirmava na altura, era manifesto que a pobreza não podia estar a aumentar em Portugal, também hoje há sinais de que a pobreza está a aumentar em 2010 - consequência do aumento do desemprego, da tendência para a diminuição do número de desempregados protegidos e das novas escalas de equivalência, que diminuirão em muito o rendimento das famílias mais pobres. O que serve para demonstrar que, em política, os factos são quase tudo, mas o timing também. E a relação com a realidade depende da capacidade para alinhar com os dados, no momento certo.
publicado hoje no i.
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