A vingança de Telê
Vivemos agarrados aos nossos mitos fundadores e o futebol não é excepção. Eu sei exactamente quando comecei a gostar de futebol: em 1982, com a avalanche ofensiva da selecção brasileira de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior e Cerezzo, comandada por um treinador, dizia-se, excessivamente atacante, Telê Santana. Jogaram como nunca e pelo caminho perderam face ao cinismo da Itália. Foi a minha primeira paixão e também o meu primeiro desgosto. A partir daí, nunca mais se viu nada assim em mundiais. Em parte, é isso que explica o mantra tantas vezes repetido, que nos convence que os mundiais já não são como eram. Pois o Mundial que amanhã termina foi bem melhor que os anteriores. Quem gosta de futebol pode deixar-se fascinar por equipas ganhadoras com pouca posse de bola (as equipas de Mourinho), mas o deslumbramento só chega mesmo com o futebol atacante, enredado em passes curtos, que nos devolve a um romantismo que é, ao mesmo tempo, ingénuo e infantil. O futebol do "escrete" de 1982 é a minha medida e foi preciso chegar a 2010 para ver na final de um Mundial duas equipas dominadoras, quase sem réstia de cinismo. Entre a posse de bola e a vontade de atacar da Holanda e o "tiki-taka" ofuscante que a Espanha pediu emprestado ao Barcelona, e que o Barcelona importou da Holanda com Cruijff, haverá amanhã uma garantia: ganhe quem ganhar, eu poderei de facto regressar à minha infância e o Telê Santana será finalmente vingado. Não mais se poderá dizer que para ganhar um Mundial é preciso esperar pelo adversário, jogar em contenção e só depois arriscar partir para o contra-ataque. Na África do Sul, o futebol voltou a proteger os audazes.
publicado no i.
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