Bem-vindos ao futuro
As liberdades individuais nunca são retiradas de uma vez só. São confiscadas lentamente, uma a uma, em pequenos passos, sem que na verdade valorizemos muito cada um deles. O problema é que, quando damos por nós, normalmente já é tarde para defender a autonomia individual e o direito à privacidade. Há contudo semanas em que estes pequenos passos se sucedem a um ritmo que parece imparável. Esta foi uma dessas semanas. Num par de dias, recuámos ao tempo em que a delação de conversas escutadas em restaurantes era aceite, mas também avançámos para um futuro distópico em que os rendimentos de cada um ficariam expostos à consulta invariavelmente mesquinha de todos, à distancia de um click. Pelo caminho, banalizou-se a violação do segredo de justiça, que nos é agora apresentada transfigurada de jornalismo de investigação, e, num exercício de violência simbólica, vimos ainda o Ministro da Defesa, acompanhado de militares, a comentar um artigo hediondo de um bom pivot de telejornal, como que para provar de uma vez por todas que o governo revela uma preocupação desmesurada pelo que dele se diz nos media. Começa a haver, em tudo isto, poucos inocentes e quem assiste, com alguma réstia de respeito pelas liberdades individuais, não pode deixar de temer por um futuro que é demasiadamente parecido com o passado. Bem-vindos sejam, por isso, ao futuro que estão a construir.
publicado hoje no i.
publicado hoje no i.
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