A latrina
A corrupção está no meio de nós e mina os alicerces da nossa democracia, ouve-se dizer. Temo que não seja assim.
Há, de facto, uma percepção generalizada de que a corrupção está a crescer, mas o que está a minar o regime é a impunidade de que parecem gozar corruptos e corruptores.
Sobre a "face oculta" sabemos ainda muito pouco - na verdade, o que sabemos resulta de informações que a investigação partilhou, através de fugas seleccionadas para os media -, mas podemos exigir que, por uma vez, uma investigação se concentre na produção de prova, em lugar de procurar produzir nos media a prova que tende, mais tarde, a não conseguir apresentar em tribunal. Aguentará o país mais um caso de grande mediatismo, mas que depois revela uma mão-cheia de nada? Claramente não.
É que a repetirmos o que aconteceu com outros casos, igualmente mediáticos, permaneceremos no pior dos mundos: a apropriação da coisa pública pelo interesse privado, incapacidade da justiça para investigar com eficácia e do jornalismo para respeitar princípios elementares de uma sociedade decente. O país em que vivemos hoje combina, cada vez mais, uma política latino-americana, com jornalismo de sarjeta e justiça de vão-de-escada. Como é que podemos sair daqui?
A crer nos últimos dias, são apontados dois caminhos. Por um lado, o dos actores políticos, que insistem na solução preguiçosa de tipificar novos crimes (à cabeça o enriquecimento ilícito) e que competem pela veemência com que o defendem; por outro, o da coligação entre mau jornalismo e péssimas investigações, para quem atropelar direitos fundamentais e os formalismos em que tem de assentar um Estado baseado no primado da lei são questões menores.
Ambos os caminhos procuram resolver o problema da corrupção empurrando-nos ainda mais no declive cívico em que já nos encontramos.
Dêem-se as voltas que se queira dar, o enriquecimento ilícito implica uma inversão do ónus da prova e ao aceitarmos que é possível alguém ser escutado em matérias que não têm rigorosamente nada a ver com um processo em investigação e, mais grave, essas escutas serem tranquilamente divulgadas nos media, estamos a dar mais umas machadadas nuns quantos princípios sacrossantos do Estado de direito, ao mesmo tempo que condicionamos judicialmente a autonomia da esfera política.
Na verdade, para sairmos da latrina onde estamos presos, precisamos de investigações discretas, blindadas às fugas e capazes de produzir, de facto, prova. Mas, precisamos, essencialmente, que o processo de tomada de decisões nas políticas públicas seja transparente, baseado em critérios partilhados e densificado por um enquadramento legal estável e previsível. Infelizmente, temos todos os dias violações ao Estado de direito, mas temos também quotidianamente decisões políticas opacas e sobre as quais pouco sabemos.
publicado no Diário Económico.
Há, de facto, uma percepção generalizada de que a corrupção está a crescer, mas o que está a minar o regime é a impunidade de que parecem gozar corruptos e corruptores.
Sobre a "face oculta" sabemos ainda muito pouco - na verdade, o que sabemos resulta de informações que a investigação partilhou, através de fugas seleccionadas para os media -, mas podemos exigir que, por uma vez, uma investigação se concentre na produção de prova, em lugar de procurar produzir nos media a prova que tende, mais tarde, a não conseguir apresentar em tribunal. Aguentará o país mais um caso de grande mediatismo, mas que depois revela uma mão-cheia de nada? Claramente não.
É que a repetirmos o que aconteceu com outros casos, igualmente mediáticos, permaneceremos no pior dos mundos: a apropriação da coisa pública pelo interesse privado, incapacidade da justiça para investigar com eficácia e do jornalismo para respeitar princípios elementares de uma sociedade decente. O país em que vivemos hoje combina, cada vez mais, uma política latino-americana, com jornalismo de sarjeta e justiça de vão-de-escada. Como é que podemos sair daqui?
A crer nos últimos dias, são apontados dois caminhos. Por um lado, o dos actores políticos, que insistem na solução preguiçosa de tipificar novos crimes (à cabeça o enriquecimento ilícito) e que competem pela veemência com que o defendem; por outro, o da coligação entre mau jornalismo e péssimas investigações, para quem atropelar direitos fundamentais e os formalismos em que tem de assentar um Estado baseado no primado da lei são questões menores.
Ambos os caminhos procuram resolver o problema da corrupção empurrando-nos ainda mais no declive cívico em que já nos encontramos.
Dêem-se as voltas que se queira dar, o enriquecimento ilícito implica uma inversão do ónus da prova e ao aceitarmos que é possível alguém ser escutado em matérias que não têm rigorosamente nada a ver com um processo em investigação e, mais grave, essas escutas serem tranquilamente divulgadas nos media, estamos a dar mais umas machadadas nuns quantos princípios sacrossantos do Estado de direito, ao mesmo tempo que condicionamos judicialmente a autonomia da esfera política.
Na verdade, para sairmos da latrina onde estamos presos, precisamos de investigações discretas, blindadas às fugas e capazes de produzir, de facto, prova. Mas, precisamos, essencialmente, que o processo de tomada de decisões nas políticas públicas seja transparente, baseado em critérios partilhados e densificado por um enquadramento legal estável e previsível. Infelizmente, temos todos os dias violações ao Estado de direito, mas temos também quotidianamente decisões políticas opacas e sobre as quais pouco sabemos.
publicado no Diário Económico.
<< Home