Quem nos defende?
Portugal está sob ameaça.
Ameaça financeira, económica, social, mas, também, política. Se dúvidas
restassem, as declarações do Presidente da Comissão Europeia, que dá-se o caso
de ser português, a propósito de um eventual chumbo do orçamento de Estado pelo
Tribunal Constitucional, estão aí para o provar. Um país sob ameaça precisa de
quem o defenda.
Vale a pena recuperar o que
nos foi dito por José Manuel Barroso. Em primeiro lugar que a Comissão Europeia
“nunca criticou o TC” (uma manifesta falsidade), mas que tem o direito de
alertar para “as implicações de determinadas
decisões” e, em segundo lugar, que, se o orçamento for
chumbado, as medidas terão de ser substituídas “por outras medidas,
provavelmente mais gravosas” (sic).
Registe-se bem. Não estamos apenas a falar de novas medidas que acomodem
orçamentalmente um eventual chumbo. A ameaça de Barroso é de outra natureza:
caso algumas normas do orçamento venham a ser chumbadas, em troca teremos
medidas mais gravosas.
No fundo, trata-se do recurso à mesma lógica punitiva que nos tem
acompanhado desde o início da crise. Para Barroso, o TC é livre de agir como
bem lhe aprouver, mas caso decida em sentido contrário à sua vontade, os
portugueses serão devidamente castigados. Como os bons espíritos maoístas se encontram
sempre, nesta mesma semana ao ministro Nuno Crato não lhe ocorreu melhor
metáfora do que sugerir que os portugueses teriam de
"trabalhar mais de um ano sem comer só para pagar a dívida". Há, de
facto, linguagem que não engana.
Deixemos de lado os
benefícios associados ao chumbo de normas do OE em 2013, que, não se têm
cansado de repetir Ferreira Leite e Bagão Félix, ajudaram ao comportamento
menos recessivo da economia na segunda metade do ano, ou, não menos relevante,
o facto de não terem tido por base nenhuma idiossincrasia da nossa
Constituição, mas princípios que estão plasmados em todas as leis fundamentais
do mundo ocidental (igualdade; proporcionalidade e confiança jurídica) e
fixemo-nos na utilização instrumental que é feita do Tribunal Constitucional.
Enquanto nos vai
dizendo que não há alternativa à estratégia seguida, este Governo não se cansa
de defender que a margem de negociação com a troika é inexistente. Na funesta expressão de Paulo Portas, que,
convém recordar, faz parte de um Governo sufragado pelo soberano, “somos um
protetorado” (logo, uma espécie de França de Vichy). Ora o que estas
declarações encomendadas a Barroso sugerem, mais uma vez, é que há um manifesto
ativismo do Governo na frente externa, mas invariavelmente no sentido de pôr a troika a fazer de câmara de eco das suas
pretensões. O Governo não negoceia porque o seu propósito é outro: utilizar a troika para reforçar as suas capacidades
políticas em Portugal. Somos um protetorado na medida em que é essa a ambição
política de quem nos governa.
Quando precisávamos
de alguém que defendesse a nossa soberania, temos um Governo que se passeia de
bandeirinha na lapela. Que o Tribunal Constitucional seja o nosso derradeiro
recurso de soberania é bem sintomático da tragédia política que vivemos.
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