E se nada mudar?
É-nos dito repetidamente que a incapacidade europeia para responder à crise se explica por termos uma maioria, quase hegemónica, de governos de direita. Removidos do poder estes governos, o problema resolver-se-ia. Neste sentido, a vitória de Hollande inauguraria uma nova esperança. A eleição de um Presidente socialista em Paris pode fazer alguma diferença, mas não vejo motivos para estarmos optimistas quanto ao início de uma recomposição política na Europa. Até ver, o centro esquerda não tem um programa alternativo perceptível e aplicável, enquanto a direita assenta a sua afirmação numa narrativa coerente que se traduz numa prática política clara.
Para os partidos da direita, a crise é fruto de comportamentos morais negativos (povos com uma inclinação para a indolência e com níveis de produtividade baixos), reforçados por incentivos perversos das políticas públicas (países que se habituaram a viver acima das suas possibilidades e Estados sociais muito pesados e que premiaram atitudes erradas). Perante esta narrativa, que, no seu simplismo, se tem revelado politicamente apelativa, a resposta passa por contrariar os comportamentos individuais (por exemplo, acabando com feriados e promovendo a desvalorização salarial) e diminuir a presença do Estado (designadamente nas áreas sociais). As consequências da estratégia seguida um pouco por toda a Europa estão à vista: o estrangulamento das políticas públicas não se tem traduzido em equilíbrio orçamental e as doses sucessivas de austeridade não só têm provocado uma espiral recessiva como têm agravado a natureza sistémica da crise.
Apesar deste contexto, o centro-esquerda ainda não conseguiu desenvolver uma leitura partilhada da crise e articulá-la com uma resposta política coerente. Não há sinais de que Hollande seja capaz de responder a estes dois desafios.
Há, antes de mais, um problema estrutural. A esquerda democrática encontra-se em declínio ideológico porque ou foi incapaz de se readaptar a um contexto económico, social e demográfico muito diferente do do seu apogeu ou, quando o fez, como com a Terceira Via, teve os resultados conhecidos. Convém não esquecer que a crise que hoje enfrentamos resulta de uma arquitectura institucional da zona euro desenhada quando a maioria dos países europeus era governada por partidos social-democratas.
Hoje, o que o centro-esquerda tem para oferecer, desde a França com Hollande a Portugal com Seguro, é apenas um acto adicional ao estrangulamento político europeu. Talvez nenhum outro acontecimento cristalize esta dificuldade como a discussão em torno do Tratado de Estabilidade. Perante um conjunto de disposições que representa uma capitulação política da social-democracia, o que nos é proposto é mantê-las e juntar-lhes uma aposta no crescimento, que nunca se percebe bem em que instrumentos assentará. Hollande alterará o clima político e funcionará como um contrapeso. Espero estar enganado, mas, para além disso, pouco mudará.
publicado no Expresso de 5 de Maio
Para os partidos da direita, a crise é fruto de comportamentos morais negativos (povos com uma inclinação para a indolência e com níveis de produtividade baixos), reforçados por incentivos perversos das políticas públicas (países que se habituaram a viver acima das suas possibilidades e Estados sociais muito pesados e que premiaram atitudes erradas). Perante esta narrativa, que, no seu simplismo, se tem revelado politicamente apelativa, a resposta passa por contrariar os comportamentos individuais (por exemplo, acabando com feriados e promovendo a desvalorização salarial) e diminuir a presença do Estado (designadamente nas áreas sociais). As consequências da estratégia seguida um pouco por toda a Europa estão à vista: o estrangulamento das políticas públicas não se tem traduzido em equilíbrio orçamental e as doses sucessivas de austeridade não só têm provocado uma espiral recessiva como têm agravado a natureza sistémica da crise.
Apesar deste contexto, o centro-esquerda ainda não conseguiu desenvolver uma leitura partilhada da crise e articulá-la com uma resposta política coerente. Não há sinais de que Hollande seja capaz de responder a estes dois desafios.
Há, antes de mais, um problema estrutural. A esquerda democrática encontra-se em declínio ideológico porque ou foi incapaz de se readaptar a um contexto económico, social e demográfico muito diferente do do seu apogeu ou, quando o fez, como com a Terceira Via, teve os resultados conhecidos. Convém não esquecer que a crise que hoje enfrentamos resulta de uma arquitectura institucional da zona euro desenhada quando a maioria dos países europeus era governada por partidos social-democratas.
Hoje, o que o centro-esquerda tem para oferecer, desde a França com Hollande a Portugal com Seguro, é apenas um acto adicional ao estrangulamento político europeu. Talvez nenhum outro acontecimento cristalize esta dificuldade como a discussão em torno do Tratado de Estabilidade. Perante um conjunto de disposições que representa uma capitulação política da social-democracia, o que nos é proposto é mantê-las e juntar-lhes uma aposta no crescimento, que nunca se percebe bem em que instrumentos assentará. Hollande alterará o clima político e funcionará como um contrapeso. Espero estar enganado, mas, para além disso, pouco mudará.
publicado no Expresso de 5 de Maio
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