Cepticismo, por favor
Sempre que há um caso judicial que envolve política, inicia-se um ‘ping-pong’ de acusações entre políticos que se indignam com a ligeireza com que a justiça trata os direitos e as garantias e operadores judiciais que se sentem constrangidos na sua autonomia.
No entanto, há uma classe que tende a passar entre os pingos da chuva e cujas responsabilidades na percepção da falência da justiça em Portugal estão bem longe de ser irrelevantes: os jornalistas.
A este propósito, Paulo Pena, que é jornalista da Visão, escreveu um texto corajoso, que reafirma princípios que deveriam ser elementares, mas que parecem estar esquecidos em muitas redacções.
Paulo Pena começa por recordar que as grandes investigações envolvendo políticos acabam por redundar em fiasco, mas deixam também um subtexto - "os políticos não se deixam apanhar, ou fazem leis para se safar, ou condicionam os intrépidos magistrados". As consequências são inescapáveis, acrescento eu. Um político que se veja envolvido numa investigação criminal passou a ser, de facto, culpado.
O que fazem os media nestes casos? Levam a cabo investigações jornalísticas autónomas? São actores empenhados na busca da verdade?
Paulo Pena sugere que aquilo a que assistimos em Portugal não são verdadeiras investigações jornalísticas, mas, sim, "reportagens sobre investigações". A diferença é que, neste último caso, o relato jornalístico depende de uma fuga de informação da investigação oficial, após a qual o jornalista "oferece" à sua fonte um espaço para a difusão de alegações ou insinuações, sem qualquer responsabilização pública. Este método não é, em si, errado. Contudo, tem muitos riscos associados. À cabeça, ao jornalista é dada a conhecer apenas uma parte da investigação, pelo que a possibilidade de ser manipulado pela fonte é grande. Não é preciso ter grande memória para saber que os exemplos recentes de manipulação de jornalistas pelas fontes, em casos mediáticos, são muitos.
Como conviver com estes riscos? O texto responde com clareza: com cepticismo. "Os jornalistas devem investigar, e não fazer de caixa de ressonância; os investigadores judiciais devem ser avaliados pelos resultados das suas investigações e não pela comoção pública que geram as suas quase-descobertas; e os políticos devem ser julgados pelas suas acções e não pela sensação de verosimilhança que gostamos de associar entre uma discordância política e uma falha ética." Ora o que parece ser a atitude dominante nas redacções perante investigações judiciais é falta de cepticismo, o que ameaça tornar os jornalistas não apenas "coniventes" como "acéfalos" perante a informação que lhes é oferecida. O que recorda que jornalistas que revelem cepticismo, abandonando o conforto do cinismo, podem contribuir mais do que se pensa para a credibilização da justiça, logo da nossa democracia.
publicado no Diário Económico.
No entanto, há uma classe que tende a passar entre os pingos da chuva e cujas responsabilidades na percepção da falência da justiça em Portugal estão bem longe de ser irrelevantes: os jornalistas.
A este propósito, Paulo Pena, que é jornalista da Visão, escreveu um texto corajoso, que reafirma princípios que deveriam ser elementares, mas que parecem estar esquecidos em muitas redacções.
Paulo Pena começa por recordar que as grandes investigações envolvendo políticos acabam por redundar em fiasco, mas deixam também um subtexto - "os políticos não se deixam apanhar, ou fazem leis para se safar, ou condicionam os intrépidos magistrados". As consequências são inescapáveis, acrescento eu. Um político que se veja envolvido numa investigação criminal passou a ser, de facto, culpado.
O que fazem os media nestes casos? Levam a cabo investigações jornalísticas autónomas? São actores empenhados na busca da verdade?
Paulo Pena sugere que aquilo a que assistimos em Portugal não são verdadeiras investigações jornalísticas, mas, sim, "reportagens sobre investigações". A diferença é que, neste último caso, o relato jornalístico depende de uma fuga de informação da investigação oficial, após a qual o jornalista "oferece" à sua fonte um espaço para a difusão de alegações ou insinuações, sem qualquer responsabilização pública. Este método não é, em si, errado. Contudo, tem muitos riscos associados. À cabeça, ao jornalista é dada a conhecer apenas uma parte da investigação, pelo que a possibilidade de ser manipulado pela fonte é grande. Não é preciso ter grande memória para saber que os exemplos recentes de manipulação de jornalistas pelas fontes, em casos mediáticos, são muitos.
Como conviver com estes riscos? O texto responde com clareza: com cepticismo. "Os jornalistas devem investigar, e não fazer de caixa de ressonância; os investigadores judiciais devem ser avaliados pelos resultados das suas investigações e não pela comoção pública que geram as suas quase-descobertas; e os políticos devem ser julgados pelas suas acções e não pela sensação de verosimilhança que gostamos de associar entre uma discordância política e uma falha ética." Ora o que parece ser a atitude dominante nas redacções perante investigações judiciais é falta de cepticismo, o que ameaça tornar os jornalistas não apenas "coniventes" como "acéfalos" perante a informação que lhes é oferecida. O que recorda que jornalistas que revelem cepticismo, abandonando o conforto do cinismo, podem contribuir mais do que se pensa para a credibilização da justiça, logo da nossa democracia.
publicado no Diário Económico.
<< Home